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Margit
Batthyány-Thyssen era tia-avó de Sacha e foi ela quem o
motivou a recorrer ao passado da família para
entender a ligação
dela com o
nazismo (Foto: Acervo de David Litchfield)
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Sacha Batthyany descobriu que
tinha ligações com um massacre nazista na Segunda Guerra Mundial e resolveu
voltar às origens para investigar a história - que agora virou livro.
O jornalista suíço Sacha Batthyany
ainda lembra bem o choque que teve ao ficar sabendo da ligação da sua família
com o nazismo.
A descoberta fez com que ele
questionasse a própria identidade, roubou-lhe o sono por dez anos e, por fim,
rendeu um livro e a esperança de fazer as pazes com seu passado.
Descendente de uma família
aristocrática da Hungria, Sacha viveu a infância na Suíça, retornando muitas vezes
ao leste da Europa para passar férias com parentes.
"Nossa família tem origem
nobre, mas na Suíça ninguém sabia quem eu era. Cresci cercado por obras de
arte, móveis antigos e objetos decorados com as iniciais e o brasão da
família", conta.
"Não falávamos em dinheiro,
mas sim de status. E é isso que foi perdido depois da Segunda Guerra Mundial:
castelos, terras, posição social. Não que eu me importasse com isso, mas
compreendia que a família pensava no passado como se tivesse sido um tempo
melhor", disse à BBC Brasil.
Quando trabalhava como repórter no
principal jornal de Zurique, Sacha teve um encontro inesperado com uma versão
não tão idealizada do passado da família.
"Um dia em 2007 uma colega
mais velha, que me desprezava e nunca falava comigo, jogou sobre a mesa uma
página de jornal e disse: 'Mas que tipo de família você tem, hein?'. A primeira
reação foi imaginar que minha nobreza havia sido descoberta. Esperava ler um
texto elogioso sobre alguma ação heroica ou benfeitoria de um antepassado. Mas não
foi nada disso. Tomei um choque. Fiquei sabendo pela primeira vez - e
justamente pela imprensa - que estávamos associados ao nazismo."
"A nossa família é enorme.
Tenho centenas de primos e tias, de modo que certamente não conheço todos. Há
parentes espalhados pelo mundo, até mesmo no Uruguai. Mas, justamente, dentre
tantos familiares, essa pessoa na foto eu conhecia muito bem. Para meu espanto,
era a tia Margit."
A matéria denunciava a tia-avó de
Sacha como cúmplice em um massacre que ceifou a vida de mais de 180 judeus
próximo do fim da Segunda Guerra Mundial.
O texto do respeitado jornal
alemão Frankfurter Allgemeine era assinado pelo jornalista britânico David
Litchfield e também havia sido publicado em inglês pelo The Independent, de
Londres.
Litchfield chamava a tia de
"anfitriã do inferno", pois Margit teria dado uma festa em que a
diversão após o jantar fora executar brutalmente judeus.
A tia-avó de Sacha era a condessa
Margit Batthyány-Thyssen, filha e herdeira do multimilionário industrial alemão
Heinrich Thyssen. Ela se casara com o irmão do avô paterno de Sacha, Ivan
Batthyany, um aristocrata em decadência.
Famosa por seu apetite sexual,
Margit teve diversos amantes, mas o casal nunca se divorciou, porque a
tolerância do marido à infidelidade era sempre recompensada com carros, cavalos
e barcos.
Na infância, os pais de Sacha
tinham o hábito de encontrar tia Margit duas ou três vezes ao ano. "Sempre
íamos almoçar nos restaurantes finos de Zurique. Ela também tinha um
apartamento em Monte Carlo e nós a visitávamos no verão. Eu me lembro de que
precisava me comportar bem quando ela estava por perto".
Foi Margit quem ajudou os avós de
Sacha a se mudar para a Suíça no pós-guerra e pagou pelos estudos do pai dele.
Sacha se recorda que ela detestava
crianças, mantinha uma postura reservada e cultivava a mania de gesticular
colocando a língua pra fora, "assim como fazem os lagartos", enquanto
fumava cigarros e contava histórias. Ela poderia parecer fria e ríspida, mas
seria mesmo uma assassina antissemita?
Massacre
Há ao menos duas versões
contraditórias para o massacre que ocorreu na noite de 24 para 25 de março de
1945, quase no fim da Segunda Guerra Mundial.
O jornalista britânico David
Litchfield afirma que a condessa Margit havia dado uma festa para oficiais
nazistas no castelo da família, em Rechnitz, vilarejo localizado na fronteira
entre a Áustria e a Hungria.
A então jovem Margit teria se
excedido na companhia de seus amantes, Franz Podezin e Joachim Oldenburg, ambos
oficiais do exército nazista e, com satisfação perversa, presenciado juntamente
com outros convidados os assassinatos cometidos por diversão.
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"Ela
era uma simpatizante dos nazistas, com certeza. Teve vários
casos com
oficiais e os ajudou a escapar", afirmou Sacha
(Foto:
Acervo de David Litchfield/BBC)
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"A festa teve início às 21h e
durou até o amanhecer, com muita bebedeira e danças. Mas o entretenimento
tradicional das festas não foi suficiente e, por volta da meia noite, cerca de
200 judeus quase definhando, considerados inúteis para o trabalho, foram
trazidos de caminhão até Kreutzstadel, um celeiro próximo do castelo. Podezin
então conduziu Margit e outros 15 ou mais convidados de honra a um
almoxarifado, deu armas e munição e convidou-os a 'matar alguns judeus",
descreveu Litchfield, que também é autor e publicou o livro The Thyssen Art
Macabre.
"Foi uma coisa
horrorosa", disse o jornalista britânico à BBC Brasil.
Os judeus teriam sido obrigados a
cavar a própria cova e se despir para que seus corpos se decompusessem mais
rapidamente. Cerca de 20 prisioneiros teriam sobrevivido à noite de 25 de
março, para ajudar a enterrar as vítimas. Uma vez cumprida a tarefa, eles
também foram assassinados, no dia seguinte.
A investigação de Sacha, no
entanto, levou a uma versão diferente dos fatos.
O assassinato dos judeus teria se
originado em uma ligação recebida por Franz Podezin durante a festa. Cerca de
200 prisioneiros estavam com febre tifoide, aguardando em vagões na estação
ferroviária. Haveria uma ordem para executá-los.
Podezin teria então reunido seus
oficiais de confiança e seguido até o local para cometer o massacre e depois
retornado à festa. Margit teria permanecido no castelo. "Não foi motivado
por diversão, como disseram por aí", afirmou Sacha à BBC Brasil.
Motivação
Inicialmente, o jornalista suíço
não conseguia crer no que estava lendo a respeito da tia e precisou pesquisar
por si mesmo para entender a relação da família com o nazismo.
"Comecei a escrever muito
inocentemente, imaginando que seria uma matéria normal e que levaria algo como
dois meses para resolver. Mas foi ficando cada vez maior e maior."
O escritor reconhece, porém, que
mesmo que a motivação do massacre não tenha sido apenas diversão, como afirma
Litchfield, há um inegável vínculo dos convidados da festa com o crime. "Sim,
eu entrevistei pessoas que me disseram que eles depois voltaram e dançaram o
resto da noite com o rosto manchado de sangue", afirma.
Sacha publicou um artigo sobre o
assunto em 2010, mas continuou obcecado pelo tema até finalmente concluir um
livro, em 2016.
Publicado na Alemanha sob o título
Und Was Hat Das Mit Mir zu Tun (E o que eu tenho a ver com isso?) e em inglês A
Crime in the Family (Um Crime na Família), o livro é resultado da busca do
autor pelas suas origens e narra o episódio do massacre de Rechnitz sob a
perspectiva de quem conheceu pessoalmente a condessa Margit Batthyány-Thyssen,
além de esmiuçar outros episódios de antissemitismo que ocorreram entre seus
parentes.
"A minha família não gostou
nem um pouco que eu tenha escrito esse livro", diz.
Embora Sacha e Litchfield
discordem sobre a motivação inicial, na perspectiva de ambos não há
controvérsia quanto à conivência de Margit com os perpetradores do crime. A
condessa e seu marido nunca foram incomodados por processos relacionados ao
massacre e viveram uma vida de conforto na Suíça após a guerra.
"Mas ela sabia. Ela era uma
simpatizante dos nazistas com certeza. Ela teve vários casos com oficiais e os
ajudou a escapar", afirma Sacha.
Margit auxiliou Podezin e
Oldenburg a fugir para a África do Sul e a Argentina, oferecendo passagens e
dinheiro. "Ela foi chantageada por Podezin, mas teria o apoiado de
qualquer maneira", diz.
As investigações nunca conseguiram
determinar com clareza a extensão da violência, porque a totalidade dos corpos
nunca foi encontrada.
Diversas testemunhas morreram em
situações suspeitas em meio às inúmeras tentativas de se estabelecer e punir os
culpados ao longo dos últimos 70 anos.
Alguns envolvidos como Podezin e
Oldenburg conseguiram escapar, alguns cumpriram sentenças breves, outros nunca
foram implicados.
Família de toupeiras
"Minha avó costumava dizer
que somos como uma família de toupeiras, levando nossas vidinhas dentro da
terra" conta Sacha.
"Eu precisava sair disso para
compreender o passado, algo que virou uma obsessão". "Por sete anos
eu pesquisei e refleti até conseguir entender o que isso tinha a ver comigo.
Foi necessário consultar um psicanalista para fazer sentido de tudo. Levei
muito tempo pensando, até que finalmente sentei e escrevi a minha história em
cinco meses", diz.
Sacha conclui que havia motivos
pelos quais ninguém falava com a tia Margit sobre o massacre: opressão,
preguiça, dinheiro e indiferença.
Ele também reconhece que essa é
uma história com muitas versões, mas avalia que fez o trabalho "mais
honesto que pode".
Durante a redescoberta de seu
passado, ele aprendeu também como a guerra afetou seus avós e viajou à procura
de respostas desde a Hungria até a Sibéria e a Argentina.
"Demorei um tempo até achar o
tom. Tentei ser o mais preciso e o mais íntimo possível. A minha família não
estava muito contente, mas acho que tinha que contar a verdade sem ser forçoso,
sem embaralhar as declarações. Escrevia na madrugada, numa mesinha no porão.
Acordava às 4h e trabalhava".
Atualmente, com o livro já
publicado e os fantasmas exorcizados, o jornalista vive em Washington com os
três filhos pequenos e a mulher. De lá trabalha como correspondente para a
revista do diário alemão Süddeutsche Zeitung.
"Enquanto escrevia não
cheguei a pensar no impacto que isso teria sobre os meus filhos, mas agora
espero que essa experiência ajude-os a olhar para o mundo de forma mais aberta,
para que não se tornem toupeiras."
Por BBC
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