Foto de arquivo mostra estudante Otto
Warmbier sendo levado
para tribunal de Pyongyang, na Coreia do
Norte, em março de
2016 (Foto: Reuters/Kyodo)
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Estudante americano preso em
2016 foi libertado nesta semana em estado de coma; livro de missionário
americano libertado em 2014 - 27 kg mais magro - relata rotina de trabalhos
forçados e interrogatórios.
Há poucas dúvidas de que a Coreia do Norte é extremamente dura no
tratamento dados a seus prisioneiros. Quando condenados, estrangeiros
geralmente são sentenciados a trabalhos pesados - condição agravada pela
sensação de isolamento e desamparo de se estar preso.
Um ex-prisioneiro admitiu à BBC que, mesmo muitos anos depois da
experiência, continua traumatizado demais para falar sobre o assunto
abertamente.
Mas outros conseguem dar detalhes sobre sua experiência. O missionário
Kenneth Bae, por exemplo, preso em dezembro de 2012, por atos de
"hostilidade contra a República", divulgou suas memórias do cárcere
no livro Not Forgotten: The True Story of My Imprisonment in North Korea
("Não Esquecido: A Verdadeira História do Meu Encarceramento na Coreia do
Norte", em tradução livre).
Bae já tinha visitado o país várias vezes, mas em 2012 foi abordado por
oficiais que encontraram, com ele, um disco rígido com material de propaganda
cristã. Pelo "crime", foi sentenciado a 15 anos de trabalhos pesados.
Ele foi libertado em novembro de 2014, quando sua saúde se deteriorou
consideravelmente - e após pressão da diplomacia americana.
Esse parece ter sido o caso de Otto Warmbier. O estudante americano de 22
anos, preso em janeiro de 2016, foi sentenciado a 15 anos de trabalhos forçados
por "crimes contra o Estado"; supostamente pelo roubo de um cartaz de
propaganda política. Ele foi libertado na terça-feira (13) em estado de
coma.
Kenneth Bae dá entrevista nesta segunda-feira (20) em Pyongyang (Foto:
Kyodo/AP)
No seu livro, Bae relata que, nas primeiras quatro semanas de encarceramento,
era interrogado, diariamente, das 8h às 22h ou 23 horas. Sob pressão, acabou
escrevendo centenas de páginas de confissões que seus interrogadores exigiam.
Bae conta que, depois, trabalhava seis dias por semana em uma fazenda,
"carregando pedras, e escavando carvão". Sua rotina diária era se
levantar às 6h, tomar café da manhã, rezar, e realizar trabalhos pesados de 8h
às 18h.
Sob este regime, emagreceu 27 kg em 735 dias de cativeiro. Enquanto
perdia peso, sua saúde se fragilizava, e, por isso, precisava ser levado com
frequência ao serviço médico.
Além do desgaste físico, havia a dor psicológica, o sentimento de
isolamento. Seu interrogador dizia com frequência: "Ninguém lembra de
você. Você foi esquecido pelas pessoas, pelo governo. Voce não vai para casa
tão cedo. Você ficará aqui por 15 anos. Você fará 60 anos antes de ir para
casa".
"Eu me senti como um inseto, preso numa teia de aranha. Toda vez que
me mexia, ficava mais difícil sair", relata.
Kenneth Bae dá entrevista nesta segunda-feira
(20) em Pyongyang (Foto: Kyodo/AP)
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Bae conta que, depois do mês de interrogatório, teve permissão para ler
e-mails e mensagens de pessoas de seu país (embora isso tenha sido tanto um
conforto quanto um tormento). Também lhe foi permitido ter uma bíblia.
É provável que o agravamento de sua condição de saúde tenha preocupado as
autoridades norte-coreanas a ponto de o libertarem - para evitar ter de lidar
com a eventual crise diplomática que sua morte causaria. E parece que o mesmo
teria ocorrido com Otto Warmbier.
Cavando a própria sepultura
Kenneth Bae é um cidadão americano, originalmente da Coreia do Sul, que
fala coreano. Ele acredita que seu tratamento como prisioneiro - com uma cela
própria com cama e banheiro - era melhor que o dispensado aos norte-coreanos
presos por crimes comuns ou por serem dissidentes políticos.
É provável que esteja certo. A Anistia Internacional descreveu os campos
de detenção do país como locais de condições pesadas "além do
suportável".
"Centenas de milhares de pessoas - incluindo crianças - são presas
em campos de prisioneiros políticos e outras instalações de detenção na Coreia
do Norte. Muitos deles não cometeram nenhum crime, e são meramente membros da
família daqueles considerados culpados por crimes políticos graves",
acrescenta a organização.
A organização analisou imagens aéreas de campos de detenção e diz que um
deles é três vezes o tamanho do distrito de Washington DC, nos EUA, abrigando
20 mil presos. Um ex-funcionário contou à Anistia que os presos eram forçados a
cavar seus próprios túmulos, que uma das formas de punição de presos era
estupro e que muitos deles simplesmente desapareciam.
Kenneth Bae relata que seus carcereiros estavam curiosos sobre sua vida
no Ocidente. "Falo a língua (deles) e conseguia me comunicar",
explica, acrescentando que os norte-coreanos acreditavam que 99% dos americanos
viviam na pobreza. "Eu disse que a maioria tem casa e carro, e eles
diziam: 'não pode ser'".
Bae não diz que foi fisicamente torturado. Seu estado de saúde piorou por
causa das condições duras na prisão, que acabaram exacerbando sua diabetes,
pressão alta e problemas nos rins.
Algo parecido pode ter ocorrido com o estudante Otto Warmbier, mas os EUA
certamente estão se perguntando como ele foi parar em estado de coma e por que
a Coreia do Norte levou um ano para divulgar o caso.
Se as causas estiverem ligadas a algum ataque físico ao estudante, o caso
pode ter consequências maiores, quem sabe até provocar alguma resposta mais
dura do presidente americano, Donald Trump.
Por BBC
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