As medidas
ocorrem em um cenário de mais protestos, com
enfrentamentos entre forças de segurança,
opositores e
simpatizantes
do governo, e que já levaram à morte
de 20 pessoas. Foto: BBC
Brasil
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Em menos de uma semana, país
anuncia saída da OEA e convocação de eleição para reformar a Constituição em
meio a nova onda de protestos que já contabiliza 20 mortos.
A crise na Venezuela ganhou um
novo capítulo após o presidente Nicolás Maduro assinar, na noite de
segunda-feira, um decreto convocando uma Assembleia Constituinte, para
"reformar o Estado e redigir uma nova Constituição".
A convocação vem no momento de intensificação
de uma nova onda de protestos contra o governo e poucos dias depois de o país
anunciar sua saída da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A Assembleia Constituinte terá 500
membros, metade formada por representantes eleitos, segundo Maduro, "pela
base da classe operária, comunas, missões e movimentos sociais", e a
outra, por representantes eleitos por "municípios e territórios".
O presidente não detalhou como
seria o processo de escolha. A oposição descreveu a medida como
"consumação do golpe de Estado contínuo de Maduro contra a
Constituição" que deve intensificar a crise política no país.
As medidas ocorrem em um cenário
de mais protestos, com enfrentamentos entre forças de segurança, opositores e
simpatizantes do governo, e que já levaram à morte de 20 pessoas.
São as maiores manifestações já
registradas desde dezembro de 2014, quando a oposição também foi às ruas para
pedir a saída de Maduro, que é sucessor do ex-presidente Hugo Chávez e
integrante do PSUV, partido há 18 anos no comando da Venezuela.
A BBC Mundo, serviço em espanhol
da BBC, explica o que está por trás dos protestos, por que essas manifestações
são diferentes das anteriores e o que se pode esperar desse novo capítulo da
prolongada crise política venezuelana.
1- Como seria formada a nova
Constituinte?
A atual Constituição venezuelana,
aprovada em 1999 após a chegada de Hugo Chávez ao poder, define que o
Presidente tem poder para convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, embora
não possa vetar a Constituição que resulte do processo.
Segundo Maduro, a Constituinte
seria formada por 500 membros eleitos, metade escolhida por setores sociais, e
a outra, por municípios e territórios.
Ainda não foram divulgados
detalhes e datas das eleições.
Segundo o constitucionalista José
Ignacio Hernández, a Assembleia deveria "ser formada por cidadãos que,
mediante o voto direto, secreto e universal, são eleitos constituintes".
Líderes da oposição reagiram
dizendo que a convocação seria "a consumação do golpe de Estado contínuo
de Maduro contra a Constituição".
"Maduro acaba de matar e
assassinar o legado de Hugo Chávez à Venezuela, que era a Constituição",
disse o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges.
Borges disse que uma Constituinte
comunitária não seria "eleita pelo povo" e, portanto, não teria
"os poderes que são do povo".
"Vão querer materializar um
golpe de Estado com uma Constituinte comunitária para darem um salto tipo
Cuba", afirmou o presidente da Assembleia, para quem a iniciativa do governo
visa "fugir do voto universal, direto e secreto do povo que nas ruas exige
respeito à Constituição.
2 - Como a Venezuela vai sair
da OEA?
O país será o primeiro a anunciar
a saída da OEA por conta própria.
O processo deve levar cerca de
dois anos e possivelmente estará condicionada à quitação da dívida que a
Venezuela tem com a organização, da ordem de US$ 8 milhões.
Mas a OEA pode expulsar o país
antes, se quiser. Isso só aconteceu duas vezes na história: com Cuba (1962) e
Honduras (2009). Os dois países já voltaram a fazer parte da organização.
3 - Quando começaram os
protestos?
Na Venezuela, governo e oposição
parecem viver em permanente enfrentamento, mas essa nova onda de protestos tem
uma data inicial: 31 de março de 2016.
Dois dias antes dessa data, o
Tribunal Supremo de Justiça venezuelano - visto pela oposição como alinhado ao
governo de Maduro - emitiu uma sentença assumindo as funções da Assembleia
Nacional, onde a oposição tem maioria, enquanto o Legislativo estivesse
"em desacato".
Quando essa decisão do TSJ
venezuelano veio a público, opositores a Maduro não hesitaram em classificá-la
de "golpe de Estado". Deu-se início a uma mobilização que nem mesmo o
recuo da alta corte ao reverter a própria sentença foi capaz de conter. As
pessoas foram às ruas e os enfrentamentos começaram.
4 - O que há de novo ou de
diferente no enfrentamento de agora?
A Suprema Corte venezuelana
atribuiu à Assembleia a situação de desacato porque o Legislativo decidiu
incorporar, em agosto de 2016, três deputados do Estado do Amazonas mesmo
depois de a eleição dos mesmos, em dezembro do ano anterior, ter sido
impugnada.
O TSJ já tinha passado a
considerar nulas as ações do Legislativo que, pela primeira vez desde a chegada
de Hugo Chávez ao poder, em 1999, passou a contar com maioria oposicionista.
Por isso, na opinião de muitos analistas, a sentença na qual o TSJ assumiria as
funções da Assembleia pouco mudava, na prática, a situação na Venezuela.
Mas, para a oposição, a decisão da
mais alta corte venezuelana foi a prova definitiva do rompimento da ordem
democrática e representava a disposição de "passar por cima" da
vontade popular expressada nas urnas.
"É um golpe de Estado. Até
agora, o Tribunal anulava as decisões da Assembleia, mas agora assumiu as
competências do Legislativo. Fechou o Parlamento. Não é o mesmo, é
completamente diferente", disse à BBC Mundo o líder opositor Henrique
Capriles, quando o TSJ anunciou sua decisão de assumir o papel de Legislativo.
Além disso, o novo embate entre
oposição e governo se dá num momento em que não é mais possível, pelos prazos
previstos na Constituição, de chamar uma consulta popular para revogar o
mandato de Nicolás Maduro. O Conselho Nacional Eleitoral - que a oposição
afirma estar controlado pelo governo - fechou as portas para essa
possibilidade.
Esse momento se difere também
porque, com o aprofundamento da crise econômica venezuelana, há sinais de
enfraquecimento do apoio entre os mais pobres ao governo bem como de possíveis
fraturas internas do chavismo.
5 - Qual é o pano de fundo dos
protestos?
Há na Venezuela uma prolongada
crise econômica, que colocou a maioria dos venezuelanos numa situação muito
pior que a vivenciada na época dos protestos de 2014.
A queda dos preços do petróleo -
que representa aproximadamente 96% da renda do país - tem reduzido ainda mais
os recursos do Estado e agravando ainda mais a escassez de alimentos e produtos
de primeira necessidade.
Isso gerou um desabastecimento
quase crônico que, junto à maior inflação do mundo, fez com que grande parte da
população tenha problemas para conseguir comida.
Além da crise, há uma intensa
disputa política. A Venezuela está dividida entre os chamados chavistas - como
são conhecidos os simpatizantes das políticas socialistas do ex-presidente Hugo
Chávez -, e os opositores, que esperam o fim dos 18 anos de poder do Partido
Socialista Unido da Venezuela (PSUV).
Depois da morte de Chávez, em
2013, Nicolás Maduro, também integrante do PSUV, foi eleito presidente com a
promessa de dar continuidade às políticas do antecessor.
E, de acordo com pesquisas, a
crise tem provocado queda na popularidade do presidente Maduro, uma das razões
pelas quais a oposição insiste em antecipar as eleições. O governo continua
responsabilizando a oposição por agravar a crise e dividir o país.
E o fato de não terem sido
realizadas as eleições regionais previstas para o ano passado privou aos
venezuelanos de indicar qual das duas posições políticas conta, no momento, com
apoio da maioria dos eleitores no país.
6 - O que a oposição quer?
A principal demanda dos que se
opõem ao governo de Maduro é antecipar as eleições presidenciais, originalmente
previstas para outubro de 2018. Mas eles também querem um pleito regional, que
deveria ter ocorrido no ano passado, e um municipal, este, previsto para este
ano.
Na última semana, Nicolás Maduro
se mostrou favorável à realização das eleições locais, mas não as convocou.
Os oposicionistas também querem a
libertação de políticos presos - a maioria deles foi detida depois dos protestos
de janeiro de 2014.
Há também a demanda pela devolução
das competências da Assembleia Nacional e pela renovação dos outros poderes do
Estado, como o Tribunal Supremo de Justiça e o Conselho Nacional Eleitoral,
que, de acordo com a oposição, contam com juízes alinhados com o governo.
7 - O que diz o governo?
O governo de Nicolás Maduro tem
classificado as ações da oposição venezuelana como uma ofensiva golpista.
Em relação às denúncias de
excessos na repressão policial feitas pela oposição, o Executivo tem respondido
acusando os oposicionistas de fomentar a violência, de praticar
"terrorismo" e de querer preparar o terreno para uma eventual
intervenção estrangeira.
Ao mesmo tempo em que ataca os
adversários, Nicolás Maduro chamou os líderes da oposição para iniciar um
diálogo "para que depois não reclamem". Durante sua participação
semanal num programa de televisão, o presidente respaldou a ideia de realizar
eleições para escolher governadores e prefeitos. Mas nada falou sobre uma nova
disputa pela cadeira presidencial.
"Estou ansioso para que
venham as eleições dos governadores e, quando chegar as de prefeitos, que
venham as eleições de prefeitos. Estou ansioso porque nosso terreno natural é
de luta de ideias [no campo] eleitoral", declarou Maduro.
"Estou pronto para que o
poder eleitoral disser e minha busca será pela paz. Estou pronto para o
diálogo", disse o presidente, emendando que quer "construir caminhos
de paz" para que os opositores "abandonem os caminhos da violência e
o golpismo".
8 - Quais são os possíveis
cenários daqui para frente?
Apesar de serem consideradas
pequenas as possibilidade de as negociações entre governistas e oposicionistas
alcançarem resultados concretos, como a definição de um calendário eleitoral ou
a liberação de alguns políticos presos, não se pode descartá-las por completo.
Mas o fracasso das tentativas de
diálogo em 2014 alimenta o ceticismo. Por isso, ainda que os dois lados se
sentem à mesa para negociar, dificilmente a oposição sairá completamente das
ruas.
Por ora, parece pouco provável que
o governo concorde com a realização de eleições presidenciais antecipadas, uma
condição da qual a oposição não abre mão. Ao assinar o decreto da convocação da
Constituinte, Maduro voltou a descartar o adiantamento das eleições presidenciais,
marcadas para dezembro de 2018.
Assim, um segundo cenário, com
escalada de manifestações e de violência, parece bastante provável, ao menos a
curto prazo.
Permanece, contudo, a dúvida sobre
se os protestos eventualmente perderão força e desaparecerão sem provocar
mudanças, como aconteceu em 2014, ou se conseguirão fazer com que o governo
ceda, como quer a oposição venezuelana.
*Texto originalmente publicado no
dia 27 de abril e atualizado após anúncio da convocação da Assembleia
Constituinte.
Por BBC
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