Opositores denunciam 'golpe' e
bloqueiam vias importantes no país. Plano de mudar Constituição afastaria
adversários de Maduro do objetivo de eleições gerais.
A Assembleia Constituinte
convocada pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, almeja criar
"condições" para os processos eleitorais que estão a caminho no país,
incluindo as eleições presidenciais de 2018, disse nesta terça-feira (2) o
presidente da comissão para a ativação da Constituinte, Elías Jaua.
Na segunda-feira a oposição se
manifestou contra a Constituinte, dizendo que a intenção do processo convocado
por Maduro é adiar as eleições regionais previstas para este ano e as
presidenciais do final do ano que vem. Nesta terça, manifestantes bloquearam
vias importantes em protesto. Um grande protesto está planejado para
quarta-feira contra o que chamam de "golpe de Estado" e "fraude
constitucional".
"Um dos temas que a
Constituinte busca é alcançar condições de estabilidade para poder realizar os
processos eleitorais que estão a caminho... e os que vêm em 2018, as (eleições)
presidenciais", disse Jaua nesta terça-feira em uma entrevista ao canal
estatal VTV.
"Não há condições de
normalidade, e é isso que a Constituinte busca: um mínimo de condições para
poder realizar eleições que não terminem em uma luta fratricida entre os
venezuelanos", acrescentou.
O Parlamento, único poder
controlado pela oposição, discutirá durante a tarde os alcances da decisão de
Maduro e anunciará ações para tentar aumentar a pressão internacional contra o
governo. "Temos que seguir adiante. Este povo não se rende, nem vai se
render", afirmou o presidente do Parlamento, Julio Borges.
Oposição na Venezuela reage à
convocação de Constituinte por Nicolás Maduro
Tentativa de guinada
Muito pressionado após um mês de
protestos da oposição que exigiam sua saída do poder com eleições gerais,
Maduro tentou dar uma guinada na crise na segunda-feira ao convocar uma
Constituinte "popular": os 500 integrantes da assembleia, no entanto,
não serão eleitos pelo voto universal, e sim por setores sociais e por
comunidades.
A atual Constituição venezuelana,
aprovada em 1999 após a chegada de Hugo Chávez ao poder, define que o
presidente tem poder para convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, embora
não possa vetar a Constituição que resulte do processo.
Segundo Maduro, a Constituinte
seria formada pelos 500 membros eleitos, metade escolhida por setores sociais,
e a outra, por municípios e territórios. Ainda não foram divulgados detalhes e
datas das eleições.
Segundo o constitucionalista José
Ignacio Hernández, ouvido pela BBC, a Assembleia deveria "ser formada por
cidadãos que, mediante o voto direto, secreto e universal, são eleitos
constituintes".
Legado de Chávez
Líderes da oposição reagiram
dizendo que a convocação seria "a consumação do golpe de Estado contínuo
de Maduro contra a Constituição". "Maduro acaba de matar e assassinar
o legado de Hugo Chávez à Venezuela, que era a Constituição", disse o
presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges.
Borges disse que uma Constituinte
comunitária não seria "eleita pelo povo" e, portanto, não teria
"os poderes que são do povo". "Vão querer materializar um golpe
de Estado com uma Constituinte comunitária para darem um salto tipo Cuba",
afirmou o presidente da Assembleia, para quem a iniciativa do governo visa
"fugir do voto universal, direto e secreto do povo que nas ruas exige
respeito à Constituição.
Maduro citou um evento
"histórico para aprofundar a revolução" e deter a "arremetida
golpista" da oposição, ao assinar o decreto que ativa o processo na
segunda-feira à noite ao lado dos ministros e da cúpula militar.
'Reforçar Constituição'
Maduro afirmou que pretende
"reforçar" a Constituição de 1999 para estabelecer "novas formas
de democracia participativa" e um modelo econômico que não dependa da
renda do petróleo.
"É uma medida desesperada de
um governo que sabe que não pode convocar eleições porque vai perder e recorre
à polarização", afirmou à AFP o analista Diego Moya-Ocampos, do IHS Markit
Country Risk de Londres, ao recordar que mais de 70% dos venezuelanos rejeitam
o governo de Maduro, segundo pesquisas.
Ainda não está claro o que
acontecerá com o calendário eleitoral. De acordo com a Constituição, as
eleições para governadores deveriam ter acontecido em 2016, mas foram adiadas.
A votação dos prefeitos está programada para este ano e a eleição presidencial
para o fim de 2018.
Para o analista socialista Nicmer
Evans a medida é uma "traição" à Constituição aprovada no governo do
falecido presidente Hugo Chávez (1999-2013), que foi redigida por 131
constituintes eleitos por voto direto, universal e secreto.
"Ganha tempo ao custo de
tudo", disse.
Estruturas comunais
Maduro ainda deve enviar à Justiça
eleitoral as bases com as quais serão escolhidos os integrantes da Assembleia,
mas já antecipou que terá forte presença de estruturas comunais, onde o governo
tem grande influência.
"Não será uma Constituinte de
partidos políticos nem de elites, e sim uma Constituinte operária, comunal,
camponesa", explicou.
De acordo com a lei, nenhum poder
do Estado poderá impedir as decisões da "Assembleia Constituinte
popular", uma vez instalada.
Para o constitucionalista José
Ignacio Hernández, o governo pretende "garantir o controle" sobre a
"Assembleia popular" e consolidar a "usurpação de funções"
do Parlamento.
A oposição protesta nas ruas desde
1º de abril, depois que o principal tribunal de justiça do país assumiu
temporariamente as funções do Parlamento.
Desde então, 28 pessoas morreram
em incidentes violentos. Governo e oposição trocam acusações sobre a
responsabilidade pela escalada da crise.
Maduro, cujo mandato vai até 2019,
justificou a decisão com a alegação de que a oposição rejeitou o diálogo e as eleições
de governadores por buscar em 2016 um referendo revogatório de seu mandato, que
resultou em fracasso.
Mas as manifestações acontecem em
meio a uma profunda crise econômica, com uma severa escassez de alimentos e
remédios e uma das maiores inflações do mundo, além de elevados níveis de
criminalidade.
Por France Presse
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