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Após a aprovação, na semana
passada, do projeto de lei que libera a ampla terceirização, o Brasil ficou a
um passo de ter um mercado de trabalho mais flexível. Mas quais são os prós e
contras da mudança e como isso funciona em países onde a medida já é uma
realidade?
Para buscar as respostas, a BBC
Brasil ouviu especialistas e órgãos nacionais e internacionais - como a OIT
(Organização Internacional do Trabalho), o autor da proposta original da
reforma, a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a Fiesp (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo) e as Nações Unidas - e consultou estudos
sobre o tema e os modelos existentes em outros lugares do mundo.
A proposta, que agora está nas
mãos do presidente Michel Temer para sanção, gerou polêmica. Críticos dizem que
sua entrada em vigor provocaria a precarização das condições de trabalho, enquanto
defensores afirmam que a nova regra poderia trazer mais segurança jurídica para
as empresas e os atuais cerca de 12 milhões de trabalhadores terceirizados do
país.
Apesar de não haver consenso, os
especialistas são unânimes em afirmar que a economia e as relações de trabalho
mudaram, e que há necessidade de adaptação. A preocupação, segundo vários
deles, é sobre as condições nas quais essas transformações são executadas e a
vulnerabilidade dos trabalhadores diante delas.
O que diz a lei
Caso seja sancionada por Temer, a
legislação permitirá às empresas subcontratar funcionários para realizar as
chamadas atividades-fim - as tarefas centrais na produção de bens e serviços.
Desse modo, por exemplo, uma
fábrica que monta eletrodomésticos poderá gerir toda a sua força de trabalho
por meio de contratos terceirizados, evitando o vínculo empregatício com
operários - hoje, só é permitido delegar a eles atividades-meio, ou seja,
serviços periféricos como limpeza, segurança e suporte.
Além disso, pela regra proposta,
os contratos temporários poderão serão válidos por um semestre - hoje, é
permitido um trimestre -, prorrogáveis por mais três meses, salvo acordo
coletivo ou outra negociação.
Nesta terça-feira, o Senado pode
votar outra versão de lei sobre o mesmo tema e caberá a Temer escolher qual das
redações irá sancionar.
Os dois lados
O texto da lei aprovada pela
Câmara é uma adaptação de um projeto de 1998, idealizado no governo Fernando
Henrique Cardoso (PSDB) pelo então ministro do Trabalho, Paulo Paiva.
Em entrevista à BBC Brasil, Paiva
explicou que um dos objetivos originais era retirar trabalhadores sazonais da
informalidade e dar aos empregadores a oportunidade de cortar custos em
situações de ajuste.
"Muitas pessoas da atividade
urbana pediam licença para participar de colheitas e neste caso não existia
nenhuma cobertura legal", exemplificou.
"Além disso, se a economia
está retomando, você pode estimular a empresa a contratar um trabalhador. Se
essa atividade se consolidar, a empresa pode mudar o contrato para tempo
indeterminado, mas se não fizer isso, não terá de arcar com os custos de
demissão", defendeu.
Para ele, a terceirização ainda
evitaria gastos com mão de obra ociosa.
"É exatamente para que a
empresa possa minimizar o custo de ter trabalhadores que em um determinado
período ficam subutilizados. Com isso, ela consegue reduzir os seus custos e
consequentemente aumentar a produtividade."
"Eu tenho a convicção de que
o que estamos fazendo é aumentar a possibilidade de contratação de
trabalhadores em uma economia que está passando por transformações",
disse.
O secretário internacional da CUT,
Antônio Lisboa, não concorda.
Segundo ele, o projeto "acaba
totalmente com as relações de trabalho que o Brasil construiu nesses últimos
cem anos". Na prática, avalia, há um "esfacelamento", porque a
prestadora de serviço passa a contratar os trabalhadores como pessoa jurídica,
um processo de "pejotização" que os deixa desamparados.
Lisboa faz referência ao termo
"PJ", ou pessoa jurídica - amplamente utilizado para designar os
trabalhadores que são terceirizados e emitem notas fiscais aos empregadores
como empresas, ou pessoas jurídicas.
Para o diretor da divisão de
Globalização e Estratégias de Desenvolvimento da Conferência das Nações Unidas
para o Comércio e Desenvolvimento, UNCTAD, Richard Kozul-Wright, o modelo
proposto pelo Brasil se mostrou pouco eficaz em outros lugares do mundo.
"Se a ideia é flexibilizar o
mercado de trabalho para baixar os custos e fazê-lo mais competitivo,
incentivando investimento estrangeiro direto, o que observamos em outros países
é que esse modelo não é tão bem-sucedido", afirma.
"A maioria do investimento
estrangeiro direto não é atraído somente por mão de obra barata, apesar de casos
específicos. Mas não acredito que esse seja o perfil do Brasil, de competir
como uma economia de mão de obra barata como a China e outros países do Leste
Asiático."
A pedido da BBC Brasil, a
Organização Internacional do Trabalho se posicionou a respeito do tema.
Segundo o diretor da OIT para o
Brasil, Peter Poschen, a terceirização é uma "realidade", mas que é
necessário tomar algumas precauções.
"Há que se verificar as
condições em que são executadas, para que se garantam as condições de um
trabalho decente", disse.
Internacionalização do trabalho
O fenômeno da "fissura",
ou fragmentação da produção por meio de contratos terceirizados, se deve em
parte à internacionalização do trabalho que ocorreu nas últimas três décadas -
por meio da qual um produto passa por vários países desde a sua concepção até a
venda.
O processo é conhecido como Global
Supply Chains, GCS em inglês (cadeias globais de valor, em tradução livre).
O iPhone é um exemplo de produto
com cadeia global de valor - é concebido na Califórnia e manufaturado na China
com componentes vindos de diversos países, para depois ser exportado para o
mundo todo. A fábrica onde o celular é montado não pertence à Apple e os
empregados que ali trabalham não têm nenhuma associação com a empresa criada
por Steve Jobs.
Mas, em perspectiva, a
participação em GCS traz prós e contras. Um estudo de 2013 da Organização
Mundial do Comércio avalia o impacto positivo da redução de custos, mas alerta
que os benefícios às vezes não são repassados aos trabalhadores.
O documento afirma que, por um
lado, é positivo por contribuir para a "expansão da produção e ganhos de
economia de escala, por meio da redução de custos, além de permitir que
empresas e nações se beneficiem da transferência de tecnologia e práticas de
administração".
Por outro lado, avalia que
"enquanto a produtividade sobe, a participação avançada em cadeias globais
não está associado com ganhos setoriais, o que sugere que os ganhos econômicos
obtidos nem sempre são necessariamente repassados aos trabalhadores".
Ou seja, o lucro resultante da
otimização não se traduz em salários maiores.
E é exatamente a forma como se dá
a regulamentação dos processos de terceirização, bem como a qualificação da mão
de obra e o investimento em pesquisa e desenvolvimento, que determina a posição
das economias globais entre as que agregam mais ou menos valor ao produto.
No topo da pirâmide, estão os
países ricos - responsáveis pela concepção, design e marketing do produto -,
enquanto que na base estão os países pobres, responsáveis pelos insumos e
manufatura.
© BBC Para autor da proposta,
mudança ajudaria a combater o desemprego
Embora admita a dificuldade de
comparar diferentes países, Poschen, da OIT, afirma que é possível fazer
algumas constatações.
"Em geral, nos países
desenvolvidos o trabalho terceirizado pode ser encontrado em todos os setores,
com predominância nas ocupações de salários mais baixos. Já nos países em
desenvolvimento o emprego terceirizado segue representando uma porção
importante do emprego assalariado."
"Tem havido uma proliferação
dessa modalidade nos setores onde o emprego típico era mais comum, como no
setor público ou no manufatureiro", observou.
Vulnerabilidade na Ásia e sucesso no Uruguai
A vulnerabilidade dos
trabalhadores é o ponto central que distingue as situações de terceirização em
experiências positivas e negativas.
"A OIT reconhece que o
trabalho pode ser visto de formas contratuais variadas. O objetivo não é que
ele se ajuste ao modelo típico, mas que todos estejam no conceito de Trabalho
Decente", disse Poschen.
Segundo ele, para garantir esse
conceito, é necessário que as tarefas sejam "regulamentadas com o objetivo
de equilibrar as necessidades dos trabalhadores, das empresas e dos
governos".
No caso de alguns países da Ásia,
não são raros os episódios de abuso, nos quais fábricas operam em condições
insalubres, fazendo uso de trabalho escravo ou mão de obra infantil.
As marcas que comercializam esses
produtos raramente chegam a ser responsabilizadas, pois estão ocultas atrás de
diversos contratos de terceirização.
O projeto de lei brasileiro abre
uma brecha para que incidentes semelhantes ocorram.
Na versão aprovada pela Câmara
foram suprimidos os artigos que tratavam da obrigação das empresas contratantes
de reportar acidentes de trabalho. Por exemplo, se ocorrer a morte de um
profissional terceirizado na oficina de uma fábrica que produz itens de grife,
essa empresa não precisará reportar às autoridades a tragédia, permitindo que a
marca se desassocie da responsabilidade social pelo caso.
"Em alguns casos podem ser
criados acordos com múltiplas partes com o objetivo específico de eliminar
responsabilidade e contornar a regulamentação (…) A fissuração ocorre através
de uma gama de acordos contratuais, incluindo trabalho temporário por agência,
subcontratação e franchising. Podem também aparecer através de cadeias de
fornecimento, grupos empresariais, terceirização de trabalhadores autônomos,
esclareceu Poschen.
Em contrapartida, um exemplo de
regulamentação da terceirização bem-sucedido ocorreu no Uruguai, na indústria
de Tecnologia da Informação e call centers.
Em 2002, a Tata Consultuncy
Services, líder no setor de outsourcing da Índia, se instalou no país
incentivando a construção de cadeias de valor global. A chegada de
empreendimentos estrangeiros se seguiu a políticas públicas de forte
investimento em educação.
O vizinho latino, que possui zonas
francas para receber as empresas estrangeiras, exportou US$ 500 milhões em
serviços em 2015. Cerca de 63 mil pessoas estão empregadas no setor e são
profissionais com alto nível, que ganham na média US$ 2.500 ao mês.
A lei de subcontratação, aprovada
ali em 2007, prevê que as empresas contratantes sejam responsáveis por garantir
que os terceirizados cumpram com os pagamentos dos encargos sociais e em caso
de litígio são solidários perante a Justiça, ou seja, dividam a
responsabilidade.
Já no projeto de lei brasileiro, a
responsabilidade só recairá sobre a contratante quando tiverem sido exauridas
as possibilidades de acionar a terceirizada na Justiça.
Segundo Luciana Freire, advogada
da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), essa subsidiariedade não é
necessariamente ruim.
"Imagine um engenheiro que
trabalhe para uma construtora. A construtora quebra, ele não tem a quem
recorrer. Na situação terceirizada não. Ele ainda tem duas pessoas jurídicas
acima dele para recorrer."
Impacto no setor público
Em janeiro, um parecer técnico do
Ministério Público do Trabalho concluiu que a proposta de lei violava o artigo
7º da Constituição ao desconstruir a "relação de emprego protegida".
Além disso, afirmava que a proposta facilitava a corrupção por meio do "apadrinhamento
político em concursos públicos" - o famoso "jeitinho".
"A medida permitirá a
contratação de grande número de pessoas sem que se submetam à aprovação em
concurso público, pois formalmente estarão vinculadas à empresa contratada,
dando ensejo à prática de apadrinhamento político" reforçou o órgão.
"Será instrumento para burlar
licitações, na medida em que a empresa vencedora não precisará deter os meios
para executar os serviços, podendo subcontratar integralmente o objeto do
contrato."
"Essa cadeia de contratações
certamente servirá para ampla evasão fiscal, com grandes empresas contratando
pequenas empresas", que por serem menores pagam menos impostos.
© Divulgação Projeto foi
aprovado em meio a protestos na Câmara
Em entrevista à BBC Brasil na
semana passada, o deputado Laércio Oliveira (SD-SE), relator do texto na
Câmara, negou que haverá um aumento da ubstituição de servidores concursados
por terceirizados, uma vez que as carreiras exclusivas de Estado não podem ser
terceirizadas.
Ele defende a proposta:
"Terceirização não é precarização, é eficiência. Precarização é falta de
emprego. Situação que o país vive hoje por uma legislação ultrapassada. Isso
que é precarização".
O Ministério Público do Trabalho
discorda. Na conclusão de seu relatório, diz que "o trabalho não é uma
mercadoria" e que comprovadamente há uma precarização porque
"terceirizados sofrem 80% mais acidentes de trabalho fatais".
"Piores condições de
trabalho, salário menores, jornadas maiores", prevê o documento assinado
pelo procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury.
O documento assinado pelo
procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, prevê um futuro com
"piores condições de trabalho, salário menores, jornadas maiores".
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