Cerca de 3,3
milhões de cidadãos de outros países da União
Europeia
vivem no Reino Unido, incluindo brasileiros com
dupla nacionalidade (Foto: Rebecca
Naden/Reuters)
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Imigrantes com cidadania
europeia, parte substancial da comunidade brasileira em território britânico,
encaram futuro incerto por causa de saída da União Europeia.
O início formal do processo de saída do Reino
Unido da União Europeia criou uma situação ao mesmo tempo curiosa e apreensiva
para brasileiros vivendo no Reino Unido. Apesar de "legalizados",
eles temem por seus direitos no país.
De acordo com estimativas de
especialistas em imigração e mesmo das autoridades diplomáticas brasileiras,
parte substancial dos expatriados no Reino Unido fia-se na dupla cidadania de
um país da UE para ter direito de permanência. Este contingente, agora,
encontra-se em meio ao impasse envolvendo as negociações entre Londres e
Bruxelas: o destino dos 2,9 milhões de cidadãos dos outros 27 países da UE é um
dos pontos que prometem ser mais complexos no processo que ficou apelidado de
Brexit.
O governo britânico até agora não
revelou maiores detalhes sobre como vai lidar com eles após
"divorciar-se" do bloco. E isso tem causado apreensão em cidadãos
europeus que ainda não obtiveram o direito de permanência definitiva no Reino
Unido. Entre eles, inúmeros brasileiros que se valeram das regras de
ascendência para se beneficiarem do livre trânsito entre as fronteiras da UE.
"De certa forma, os
brasileiros com dupla cidadania estão mais preocupados no momento que os
imigrantes sem documentação. Por causa do Brexit, o foco das autoridades
britânicas se voltou para os indivíduos de países da UE vivendo no Reino Unido.
Eu estimo que haja uns 100 mil brasileiros nessa situação, e o maior problema é
que ninguém sabe ainda o que vai acontecer nessas negociações", explica a
advogada brasileira Vitória Nabas, especializada em questões de imigração.
Nos últimos meses, a procura de
cidadão europeus (e não apenas brasileiros) pelos serviços de seu escritório em
Londres cresceu a ponto de a advogada ter sido convidada por representantes
diplomáticos de 90 países para palestras sobre o tema. Em todas as ocasiões ela
deu o mesmo conselho: apesar da incerteza, quem não deve, não precisa temer
muito por agora.
"Tem muita gente preocupada
porque há grande indefinição sobre quais serão os direitos dos cidadãos da UE
no Reino Unido, e desde a vitória do Brexit no plebiscito tem havido uma
corrida pelo processo de residência permanente, ao qual quem vive legalmente há
pelo menos cinco anos no país tem direito. Mas há muita gente que poderá ter o
pedido negado por ter sonegado imposto ou não tomado os cuidados legais
necessários", completa a advogada.
As regras de concessão de
residência permanente no Reino Unido exigem "ficha limpa" na receita
e as autoridades fiscais britânicas podem auditar pelos menos os últimos cinco
anos de declarações de um requerente. "Recebo clientes que vivem há 10
anos aqui e nunca pagaram imposto, e agora estão receosos de dar entrada no
processo de residência permanente. Não acredito que haverá anistia, até porque
o Ministério do Interior anunciou recentemente a abertura de mais de 200 vagas
para um escritório de imigração que lida diretamente com cidadãos da UE no
Reino Unido".
Também podem estar sob risco
brasileiros e brasileiras casados com cidadãos da UE, mas sem dupla cidadania,
e que têm direito de permanência no Reino Unido garantido por legislação
europeia. Especula-se que, após o Brexit, o governo britânico possa impor aos
cidadãos da UE que vivam no país a mesma exigência financeira feita a seus
cidadãos que se casem com estrangeiros - renda anual de pelo menos cerca de R$
74 mil para casais sem filhos e de R$ 86 mil para casais com filhos.
De acordo com estatísticas
oficiais, o número de pedidos de residência permanente por cidadãos europeus
atingiu 240 mil até setembro do ano passado (o voto do Brexit ocorreu em
junho), um número sete vezes maior que o registrado em anos anteriores. Até o
final de 2016, 90 mil ainda não tinham sido processados, por conta da sobrecarga
dos funcionários responsáveis.
O clima de incerteza é motivado
pela falta de sinais mais claros da estratégia de saída do governo britânico. A
primeira-ministra, Theresa May, defende uma política de imigração mais rigorosa
e seu partido, o Conservador, sempre reclamou da liberdade de movimento nas
fronteiras da UE. Mas, por outro lado, o Reino Unido tem 1,2 milhão de cidadãos
vivendo nos vizinhos europeus, um contingente que poderia ser alvo de
retaliação em caso de medidas mais draconianas por parte de Londres.
Para aumentar o impasse, a
imigração e os direitos dos cidadãos expatriado da UE devem marcar também o
crucial debate sobre o relacionamento econômico entre britânicos e o bloco
político econômico, cujas 27 nações são o destino de 44% das exportações
britânicas e de quem o Reino Unido importa 51% de produtos e serviços.
Mas um sinal de que nem isso
garantirá um clima ameno nas negociações veio na terça-feira, quando o
Parlamento Europeu reagiu de forma veemente a rumores veiculados pela mídia britânica
de que o governo usaria o anúncio oficial do processo de retirada da UE para
determinar que cidadãos da UE que chegarem nos próximos dois anos (o prazo
inicial para as negociações do Brexit) não terão os mesmos direitos de quem já
vive no país: a promessa é de vetar um acordo de saída que contenha medidas do
tipo.
"Qualquer decisão unilateral
que restrinja os direitos de cidadãos da UE no Reino Unido enquanto o país for
membro do bloco é ilegal. E essa não seria a melhor maneira de iniciar as
negociações", advertiu, em entrevista ao jornal britânico The Guardian,
Guy Verhofstadt, deputado que chefia um comitê especial do Parlamento Europeu
sobre o Brexit.
Segundo estimativas da mídia
britânica, mais de 25% dos pedidos de residência apresentados no último ano
foram rejeitados, em algumas vezes por causa de erros de preenchimento. Houve
quem reclamasse de ter recebido cartas em que o Ministério do Interior pede que
o destinatário "se prepare para deixar o país".
Mas o ministério deixou claro que
cartas desse tipo não seriam mais enviadas para "deixar claro que ninguém
legalmente apto a permanecer no país tenha que sair".
"Os direitos de cidadãos da
União Europeia mantêm-se inalterados enquanto o Reino Unido for integrante do
bloco", disse um porta-voz do ministério.
Um garantia que não traz paz de
espírito para a paranaense Eduarda (ela não quis revelar o sobrenome), que teme
pelo futuro dela e da irmã. Ambas têm cidadania italiana e moram há mais de 10
anos no Reino Unido. Elas ainda não obtiveram residência definitiva.
"Eu recebo benefícios do
governo por ser mãe solteira e tenho até medo de viajar para o Brasil, pois
ouvi falar que europeus na minha situação poderão perder o direito de
permanência. ", diz a brasileira.
Em nota à BBC Brasil, o Consulado
Brasileiro em Londres, disse que os setores de assistência a brasileiros no
Reino Unido "têm acompanhado de perto o assunto".
"Até o momento, não foi
notado nenhum aumento no número de consultas sobre impacto do Brexit na situação
migratória de brasileiros no Reino Unido que indique preocupação da comunidade
com o tema", afirma o consulado na nota.
Por BBC
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