A marca Gift
é contrabandeada do Paraguai
para o Brasil - divulgação
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Traficantes e
milicianos impõem suas marcas e prejudicam consumidores e Estado
Rio - Um dos
grandes desafios do poder público no Rio de Janeiro é o combate à venda ilegal
de cigarros, controlada por milicianos e traficantes. Estes obrigam
comerciantes a venderem determinada marca, o que restringe o direito de escolha
do consumidor, coloca em risco a vida dos vendedores que tentam resistir às
pressões e prejudica o estado, que deixa de recolher impostos — em 2018, a
perda na arrecadação foi de R$ 372 milhões.
A venda ilegal
é quase toda da marca Gift. Segundo pesquisa do Ibope encomendada pela
indústria do cigarro, a versão paraguaia do produto, que chega contrabandeada,
é a que mais vende no estado, abocanhando uma fatia de 37% do mercado.
"As bancas
vendem bastante cigarros. As mulheres, por exemplo, preferem comprar nas bancas
porque é um lugar mais simpático a elas. Nos bares, elas costumam sofrer assédio.
O jornaleiro que acaba vendendo o cigarro irregular o faz por medo", disse
Nilson Carlos Dantas, presidente do Sindicato dos Vendedores de Jornais e
Revistas no Estado do Rio de Janeiro.
Na lista dos
mais vendidos no Rio, em 2018, ainda há o Rothmans (14%), Hollywood (11%),
Dunhill (10%), Derby (8%), Kent (6%), Marlboro (1%), Plaza (1%) e Lucky Strike
(1%). Segundo o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), há três
tipos da marca Gift que competem de forma ilegal. Além do paraguaio, fabricado
pela URIOM, existem dois produzidos pela Companhia Sul-Americana de Tabacos e a
Quality In Tabacos, ambas sediadas em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O
da Quality In representou 4% do total vendido no Rio no ano passado.
Os cigarros
contrabandeados do Paraguai atravessam rios e lagos na fronteira e entram no
estado em caminhões e carros particulares. Nos primeiros quatro meses de 2019,
a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu 2.099.980 de maços de cigarros
irregulares em vias do estado, a maioria de Gift. "Os prováveis e
principais destinos seriam mercados populares e algumas comunidades onde atuam
quadrilhas de milicianos e traficantes", afirmou a PRF, em nota.
A parte que
chega aos pontos de venda do estado esbarra na atuação da Delegacia de
Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM). "A gente
investiga a venda do cigarro falsificado e esbarra no contrabando", disse
o delegado titular da especializada, Maurício Demétrio.
O DIA apurou
que, com a intensificação do combate ao contrabando, na esteira da intervenção
federal na segurança do Rio, em 2018, os cigarros Gift contrabandeados do
Paraguai foram substituídos por "versões" da marca fabricadas no
Brasil, como já foi notado em pontos de venda que incluem Duque de Caxias, Alcântara
(em São Gonçalo, Região Metropolitana), Campo Grande (na Zona Oeste do Rio),
Barreira do Vasco e São Cristóvão (na Zona Norte).
Bandidos
temem Polícia Federal mais do que a Civil
A mudança de
estratégia dos criminosos teria ocorrido porque a venda de um produto fabricado
em território nacional deixa a investigação a cargo da Polícia Civil, enquanto
o contrabandeado a leva para a esfera federal, o que causa mais receio no crime
organizado do estado.
Há informações,
também, de que milicianos, desde abril, estão proibindo a venda do Gift em
alguns lugares, e privilegiando a comercialização do Club One, outro da empresa
Sul-Americana de Tabacos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
que em março divulgou um alerta informando que os Gifts fabricados no Brasil
estavam irregulares por falta de registro, disse à reportagem que a venda deles
está autorizada atualmente, sob liminar da Justiça.
A questão é que
o maço é vendido a preços que variam de R$ 3 a R$ 3,50, enquanto o valor mínimo
estipulado no Brasil é de R$ 5, estabelecido pelo Decreto 8.656/2016. O Club
One teve o registro cancelado em julho do ano passado, por descumprimento de
norma sanitária vigente, mas recorreu e é vendido até que haja uma decisão final
sobre o caso. A reportagem procurou as duas empresas nacionais citadas, por
telefone, na tarde de sexta-feira, mas elas não se pronunciaram.
Mercado
informal já supera o formal: 54% a 46%
Segundo o
Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), a quantidade de cigarros
vendidos ilegalmente no Brasil chegou a 58 bilhões em 2018 — 54% do total —,
enquanto as marcas legais venderam 48 bilhões de unidades, ou 46%. Foi a
primeira vez que o mercado informal superou o formal. Em 2014, esse percentual
era favorável ao formal em 60% (67 bilhões) contra 40% (45 bilhões).
Esse
crescimento de 29% do mercado informal, segundo a ETCO, fez com que os estados
deixassem de arrecadar cerca de R$ 1,5 bilhão em 2018 através do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Baseando-se numa estimativa da
indústria de que o faturamento da venda ilegal de cigarros chegou a R$ 966
milhões no Rio de Janeiro, é possível estimar que o estado deixou de arrecadar
R$ 372 milhões de ICMS no ano passado.
Procurada, a Secretaria
de Estado de Fazenda (Sefaz-RJ) informou que “rotineiramente, as ações de
fiscalização de mercadorias em trânsito têm emitido autos de infração relativos
ao setor de cigarros”, no intuito de coibir a sonegação e aumentar a
arrecadação de ICMS. As 17 ações de 2019, segundo a Sefaz-RJ, foram “em
diversos setores da indústria, em postos de combustíveis, empresas noteiras
(constituídas e registradas de forma fraudulenta), redes atacadista e
varejista”.
Por LUIZ PORTILHO
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