© Funai Terra
Indígena Raposa Serra do Sol é uma das que
ficam na fronteira do Brasil com a Venezuela
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Centenas de
migrantes que fogem do colapso
econômico na Venezuela estão buscando abrigo em comunidades indígenas
do lado brasileiro da fronteira.
O movimento
ocorre enquanto crescem as tensões entre venezuelanos e brasileiros em cidades
- que culminaram com conflitos em Pacaraima (RR) há duas
semanas, quando moradores queimaram pertences de migrantes após uma tentativa
de assalto atribuída a estrangeiros na véspera.
Líderes
comunitários disseram à BBC News Brasil que há indígenas e não indígenas entre
os venezuelanos que têm chegado às aldeias, em processo intensificado nos
últimos meses. A maioria dos povoados fica às margens da BR-174, que liga Boa
Vista à Venezuela.
Coordenador do
CIR (Conselho Indígena de Roraima), organização que representa 237 comunidades
indígenas no Estado, Edinho Macuxi afirma que os venezuelanos estão dormindo
nas casas dos moradores, com quem negociam os termos da estadia.
Muitas vezes,
diz ele, os estrangeiros se comprometem a ajudar com os trabalhos na roça ou outras
atividades durante a permanência, que costuma durar alguns meses.
Mas ele afirma
que muitos moradores estão descontentes com a movimentação dos estrangeiros e
com seu impacto sobre os serviços públicos. Temem, ainda, que os venezuelanos
jamais deixem o território.
"Quando
você tem uma comunidade de 300 pessoas e de repente tem de atender 600, a
situação que já não era boa fica ainda mais complicada", afirma.
Protestos
contra migração
No último
sábado, um pequeno grupo de indígenas protestou na BR-174 em Pacaraima, pedindo
um controle mais rígido na fronteira. Em maio, três organizações indígenas de
Roraima (Sociedade de Defesa dos Índios de Roraima, Aliança de Integração e
Desenvolvimento das Comunidades Indígenas de Roraima e Associação de Desenvolvimento
dos Povos Indígenas Taurepangs do Estado de Roraima) se declararam a favor da
proposta da governadora de Roraima, Suely Campos (PP), de fechar a fronteira
temporariamente.
A posição,
porém, não é unânime entre os índios do Estado - especialmente entre os que
mantêm laços com indígenas venezuelanos.
Há terras
indígenas em quase todos os 2.200 km do lado brasileiro da fronteira com a
Venezuela. A maior delas, do povo Yanomami,
tem quase a mesma extensão que Portugal.
© Conselho
Indígena de Roraima Terras indígenas se estendem
por quase toda a extensão da fronteira do
Brasil com a Venezuela
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Indígenas dos
dois lados da fronteira
Deslocamentos
de indígenas em regiões de fronteira são comuns desde que as linhas que dividem
os países sul-americanos cruzaram os territórios desses povos. Em vários pontos
do continente, fronteiras separaram etnias ou se interpuseram entre grupos que
mantinham relações de aliança.
Segundo as
pessoas ouvidas pela BBC News Brasil, os venezuelanos têm se concentrado nas
terras indígenas Araçá e São Marcos, em Roraima. Os territórios somam cerca de
7 mil moradores das etnias macuxi, wapichana e taurepang.
Um dos pontos
de concentração é comunidade de Três Corações, no município de Amajari.
Em ao menos
quatro povoados (Sorocaima, Bananal, Samã e Boca da Mata), a maioria dos
viajantes são indígenas do povo temon, que habitam o lado venezuelano da
fronteira e compartilham língua e costumes com os taurepang do lado brasileiro.
"Eles
relatam que a situação do outro lado está muito difícil e não têm mais dinheiro
para comprar comida", diz à BBC a ativista indígena Telma Taurepang, que
estima em centenas o número de venezuelanos nas aldeias.
Candidata ao
Senado em Roraima pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Telma afirma que
grande parte dos visitantes jamais esteve no Brasil. Ela diz que, apesar dos
laços históricos com o grupo, as comunidades estão apreensivas.
"Nós,
indígenas, não temos fronteiras. Não queremos expulsar os irmãos venezuelanos,
muito menos os parentes, mas deslocamentos grandes e não planejados provocam
problemas", diz Telma.
Ela diz que as
comunidades estão incomodadas com a situação. Muitos temem que os venezuelanos
tragam doenças para as aldeias. Mais de 200 casos de sarampo foram registrados
neste ano em Roraima - a maioria entre venezuelanos.
"O clima
pode ficar pesado se migrarem mais, porque aí vai virar um caos na questão da
saúde", diz a ativista.
Ela cobra o
governo federal a repassar mais recursos para os serviços públicos e a recepção
dos migrantes em Roraima, para desafogar as comunidades.
© BBC Comunidade
ianomâmi em Maturacá, na fronteira com a
Venezuela; Ministério da Saúde diz ter
intensificado ação na região
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Fluxo de
migrantes venezuelanos
Há duas
semanas, 25 indígenas venezuelanos da etnia warao se deslocaram até o Pará,
onde foram acolhidos por uma comunidade do povo munduruku, em Jacaraecanga. Nos
últimos anos, conforme a crise na Venezuela se acirrou, centenas de indígenas
desse grupo migraram para cidades no Norte do Brasil.
A Secretaria
Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão ligado ao Ministério da Saúde, disse
em nota à BBC News Brasil que os "serviços prestados à população indígena,
que vive em territórios indígenas, estão mantidos de forma rotineira".
A secretaria
diz que, desde o ano passado, tem notado um aumento do fluxo migratório nos
distritos sanitários Yanomami e Alto Rio Negro, ambos vizinhos da Venezuela.
"O impacto mais significativo para as equipes multidisciplinares de saúde
indígena é na realização do bloqueio vacinal e na intensificação da vigilância
epidemiológica nesses locais, principalmente nas áreas mais próximas da
fronteira", afirma o órgão.
Crime
organizado
Diretor da
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Marivelton Baré diz
à BBC News Brasil que as comunidades da região estão preocupadas com o trânsito
de pessoas ligadas ao crime organizado e o aumento de roubos e furtos nas
aldeias.
Segundo ele, a
movimentação de estrangeiros por terras indígenas do Rio Negro aumentou no
último ano. Baré diz que muitos entram por Cucuí, distrito de São Gabriel da
Cachoeira (AM) na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Colômbia.
No fim de
julho, o Exército apreendeu meia tonelada de maconha num barco em Santa Isabel
do Rio Negro, município vizinho de São Gabriel e também na fronteira com a
Venezuela. Acredita-se que a carga estivesse a caminho de Manaus.
Baré diz que a
Funai (Fundação Nacional do Índio), órgão federal responsável pela proteção das
terras indígenas, não está conseguindo impedir o ingresso de forasteiros.
"A
insegurança é geral", diz Baré. "Nossas comunidades e cidades estão
muito vulneráveis."
Procurada pela
BBC, a fundação não se posicionou sobre a entrada de estrangeiros em terras
indígenas.
O órgão disse
em nota à reportagem que tem prestado apoio técnico e acompanhado o atendimento
de indígenas venezuelanos no Estado do Pará, "buscando garantir direitos e
o respeito às especificidades do povo Warao".
"Na região
de fronteira, a atuação da Funai também mantém em funcionamento os fluxos
necessários para que possa arcar com a sua missão legal de proteger e promover
os direitos dos povos indígenas que encontram-se em território
brasileiro", diz a fundação.
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