Placar do
Senado após votação da reforma trabalhista
(Foto: Pedro França/Agência Senado)
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Seguirão em
vigor somente as regras originalmente previstas na reforma trabalhista.
Especialistas divergem sobre o que será feito com contratos firmados durante os
5 meses de vigência da MP.
Especialistas
ouvidos pelo G1divergem
sobre o que será feito com os contratos firmados durante os mais de cinco meses
de vigência da medida provisória que promoveu mudanças na nova
lei trabalhista. O prazo de validade da MP termina nesta segunda-feira
(23).
Medidas
provisórias têm força de lei ao serem editadas pelo governo, mas deixam de
vigorar se não forem votadas pelo Congresso dentro do prazo de validade. Como
o Congresso não votou, as alterações que a MP introduziu não terão mais
efeito.
A medida
provisória foi editada pelo Palácio do Planalto em novembro do ano
passado, após negociações para que o texto da reforma trabalhista fosse
aprovado com rapidez no Senado.
Um acordo
articulado pelo líder do governo, senador Romero Jucá (MDB-RR), previu
a edição pelo governo da MP, contendo as mudanças defendidas pelos senadores na
reforma trabalhista.
Em troca,
os senadores
aprovaram o texto da reforma sem modificações, que, se fossem
feitas naquele momento, exigiriam o retorno da proposta à Câmara para nova
apreciação pelos deputados e atrasariam a entrada em vigor da nova lei.
Entre
especialistas, há quem defenda que o Congresso aprove um decreto legislativo
para determinar o que acontecerá com os contratos de trabalho firmados durante
a vigência da MP.
“O Congresso
deveria disciplinar os efeitos da medida provisória que não se converteu em
lei. Por exemplo: dizer que os contratos celebrados durante a vigência
permanecem válidos ou que terão de ser adaptados à nova lei trabalhista ou
extintos”, opinou o advogado Estêvão Mallet, professor de Direito do Trabalho
da Universidade de São Paulo (USP).
Técnicos do
Congresso afirmam que o Legislativo pode – mas não é obrigado – votar um
decreto quando uma medida provisória desse tipo perde a validade.
O advogado
Carlos Eduardo Vianna Cardoso considera que, sem uma normatização, as
controvérsias desaguarão na Justiça do Trabalho. Na interpretação da advogada
Ester Lemes, o que deve prevalecer são as regras previstas antes da edição da
MP, e a situações em que houver impasse acabarão sendo levadas aos tribunais do
trabalho.
Ao Blog do
Camarotti, o ministro
do Trabalho, Helton Yomura, afirmou que buscará compensar o fim da
vigência da medida provisória com a edição
de um decreto e também de outros instrumentos, como portarias ou
projetos de lei.
"O que
puder fazer por decreto, vamos fazer. O que não puder, estudaremos o ambiente
legislativo. Não devemos juntar numa medida só, até para ter uma
viabilidade", disse Yomura.
Para analisar a
nova legislação trabalhista e sua aplicação, o Tribunal Superior do Trabalho
(TST) criou uma comissão, que ainda não concluiu suas atividades.
O que deixa
de valer
Entre as regras
previstas na MP que deixam de valer, estão pontos relacionados ao trabalho
intermitente, de gestantes e lactantes em locais insalubres, de autônomos, além
de regras para jornada de 12 horas de trabalho seguidas de 36 horas de
descanso.
Veja a seguir
as regras que perdem validade e o que os especialistas dizem sobre cada uma:
Contratos
anteriores à nova lei
- Texto original da reforma - A reforma
trabalhista não estabelecia que as novas regras valeriam para contratos
firmados anteriores à entrada em vigor da lei.
- Alteração feita pela MP - A medida
provisória previa que a nova lei se aplicaria integralmente para contratos
que já estavam vigentes. Esse trecho perde a validade.
Para Estêvão
Mallet, a queda da MP não impede que algumas regras da nova lei trabalhista se
apliquem aos contratos vigentes, desde que direitos adquiridos sejam
respeitados.
“Podem até
valer, mas ressalvados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada”, explicou.
O advogado
Maximiliano Garcez, representante da Associação Latino-Americana de Advogados
Laboralistas no Brasil, diz que a retroatividade é “inconstitucional” e fere a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Para o
procurador do Ministério Público do Trabalho Paulo Joarês, sem a MP, o
argumento de que as novas regras não valem para os contratos anteriores à lei
fica “mais forte”.
“Se precisou de
uma MP dizendo que se aplicava aos contratos antigos, é porque, pela lei, não
deve se aplicar. Será preciso esperar os tribunais superiores adotarem uma
posição”, afirmou.
Jornada de
12 por 36 horas
- Texto original da reforma - A reforma
trabalhista criou a possibilidade de jornadas de 12 horas de trabalho
seguidas de 36 horas de descanso serem negociadas diretamente entre
empregador e empregado por acordo individual escrito.
- Alteração feita pela MP - A MP
restringia essa possibilidade a empresas e trabalhadores do setor de
saúde. Para as demais categorias, a medida exigia que a negociação fosse
feita por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho.
Segundo o
advogado trabalhista Carlos Eduardo Cardoso, com a perda da validade da
proposta, passa a valer a regra inicial.
“O que vale é o
que está na reforma trabalhista – acordo individual e para qualquer setor.
Agora, existe aí uma discussão jurídica sobre o cabimento da aplicação dessa
regra geral porque contraria alguns argumentos relacionados à segurança do
trabalho. Acredito que essa matéria ainda vai ser alvo de bastante discussão”,
afirmou Cardoso.
Grávidas e
lactantes
- Texto original da reforma - A nova
legislação também alterou regras para o trabalho de gestantes e lactantes
em locais insalubres. A reforma determinou que, no caso de gestantes, o
afastamento do local de trabalho só será obrigatório em casos de
atividades com grau máximo de insalubridade. Em locais de insalubridade
média e mínima, a lei permitiu o trabalho de grávidas, a não ser que sejam
apresentados atestados médicos. Lactantes serão afastadas de atividades
insalubres em qualquer grau se apresentarem atestado médico recomendando o
afastamento no período.
- Alteração feita pela MP - A MP
estabelecia o afastamento da grávida de qualquer atividade insalubre
enquanto durar a gestação – o padrão deixaria de ser a permissão para o
trabalho e passaria a ser o afastamento. Mas o texto da medida provisória
abria a possibilidade de a gestante trabalhar em locais de graus médio ou
mínimo de insalubridade, desde que, voluntariamente, apresentasse atestado
médico que autorizasse a atividade.
Antes da
reforma trabalhista, as trabalhadoras grávidas eram obrigatoriamente afastadas
de locais insalubres, independentemente do grau de insalubridade.
No caso da
lactante, tanto a reforma quanto a MP previam a necessidade do atestado para
permitir o afastamento, sendo o trabalho da lactante autorizado inclusive no
caso de atividades com insalubridade máxima.
Para o advogado
trabalhista e professor da Fundação Getúlio Vargas Paulo Sérgio João, a MP era
“desnecessária” nesse ponto, uma vez que, na avaliação dele, trata-se de uma
questão de “bom senso” do empregador.
“Nenhum
empregador em sã consciência vai permitir trabalho [de gestantes e lactantes]
em local insalubre. Acho que a lei não forma cultura. Não é razoável, se a
atividade é insalubre, que a empregada continue trabalhando. Isso vai se
ajustar, as pessoas terão responsabilidade sobre seus atos”, opinou.
Para a advogada
Ester Lemes, no entanto, a possibilidade de trabalho em local insalubre é
“grave”.
“Sem a MP, as
grávidas poderão ser dirigidas para qualquer local de trabalho, inclusive
insalubres [de graus médio e mínimo]. Um ponto grave, porque, se ela se
recusar, ela vai ser advertida? Vai ser suspensa? Vai ser demitida?”,
questionou.
Maximiliano
Garcez também criticou a mudança promovida pela lei, que chamou de “grotesca”.
“Essa questão
das gestantes e lactantes é uma das questões mais grotescas, fere a dignidade
da pessoa humana”, declarou.
Autônomo e
exclusividade
- Texto original da reforma - A reforma
trabalhista criou a possibilidade de cláusula de exclusividade para a
contratação de trabalhadores autônomos.
- Alteração feita pela MP - A medida provisória
proibiu a cláusula, mas, como vai perder a validade, a possibilidade de
cláusula de exclusividade vai voltar a valer.
Na avaliação da
advogada Ester Lemes, a exclusividade “cairá em desuso”. “É muito complicado,
porque uma pessoa não pode ser exclusiva e não ter um vínculo. A partir do
momento que é exclusivo, passa a ser subordinado à empresa”, opinou.
Para Estêvão
Mallet, nesse ponto, a medida provisória era “desnecessária”. “Sem a MP, fica
mais claro – pode haver exclusividade”, disse.
A nova lei
trabalhista também prevê que o autônomo não tem a qualidade de empregado, mesmo
que preste serviço a apenas uma empresa.
Dano
extrapatrimonial
- Texto original da reforma - A nova lei
trabalhista estabeleceu critérios para reparos de danos morais, à honra,
imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima, sexualidade, saúde,
lazer e à integridade física. Pela texto aprovado da reforma, o pagamento
de indenizações dessa natureza vai variar de 3 a 50 vezes o último salário
recebido pelo trabalhador ofendido.
- Alteração feita pela MP - A medida
provisória mudava o padrão para o pagamento de indenizações. A proposta
estabelecia que o valor poderia variar de 3 a 50 vezes o teto do benefício
pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – atualmente
em R$ 5,6 mil. O valor, de acordo com a MP, variaria conforme a
natureza da ofensa, de leve a gravíssima. Como a medida vai perder a
vigência, a base de cálculo voltará a ser o último salário recebido pelo
trabalhador ofendido.
Para a
especialista Ester Lemes, o texto da MP era melhor nesse aspecto porque gerava
menos distorções.
“Por exemplo:
em uma empresa, temos um diretor que ganha R$ 10 mil e uma outra empregada que
ganha R$ 2 mil. O diretor receberá uma indenização maior do que a empregada que
recebeu o mesmo dano. Situações iguais com valores diferentes”, comparou.
Estevão Mallet
concorda que o texto da MP era melhor, mas, para ele, o parâmetro deveria
considerar uma série de fatores.
“Uma conjugação
que levasse em conta o salário, a condição econômica, vários outros fatores, se
há reincidência ou se não há reincidência, se é uma lesão que permite reparação
ou não”, afirmou.
“Sem a MP,
volta a regra antiga, o que prejudica trabalhadores que ganham pouco”, disse o
procurador Paulo Joarês.
“É um absurdo.
A MP realmente melhorava. Agora, quem ganha mais tem um valor de dignidade
maior do que quem ganha menos”, criticou o advogado Paulo Sérgio João.
Representação
dos empregados
- Texto original da reforma - Pela
reforma trabalhista, no caso de empresa com mais de 200 empregados, pode
ser eleita uma comissão para representar o conjunto de trabalhadores em
negociações com empregadores.
- Alteração feita pela MP - A medida
provisória assegurava que a comissão não substituiria a função do
sindicato de defender os direitos e os interesses da categoria, o que
reiterava a participação dos sindicatos em negociações coletivas de
trabalho.
Carlos Eduardo
Cardoso disse que a inclusão que a MP pretendia fazer era para agradar
sindicalistas em troca de apoio à reforma, mas que, na prática, não produziria
efeitos.
Estêvão Mallet
lembra que a representação dos trabalhadores é uma prerrogativa dos sindicatos
que está na Constituição. “A nova lei trabalhista não pode transferir essa
representação para a comissão”, avaliou.
Trabalho
intermitente
- Texto original da reforma - A reforma
trabalhista incluiu, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a
modalidade de jornada intermitente, em que o trabalho não é contínuo e a
carga horária não é fixa. Pela proposta, o empregador deverá convocar o empregado
com pelo menos três dias de antecedência. A remuneração será definida por
hora trabalhada e o valor não poderá ser inferior ao valor da hora
aplicada no salário mínimo. O empregado terá um dia útil para responder ao
chamado. Depois de aceita a oferta, o empregador ou o empregado que
descumprir o contrato sem motivos justos terá de pagar à outra parte 50%
da remuneração que seria devida.
- Alteração feita pela MP - A MP excluiu
a multa de 50% da remuneração em caso de descumprimento contratual. E
estabeleceu que empregador e trabalhador intermitente poderiam fixar em
contrato o formato da reparação no caso de cancelamento de serviço
previamente agendado. Como a MP vai perder a validade, a multa voltará a
existir. A MP também estabelecia que, até 31 de dezembro de 2020, o
empregado demitido que foi registrado por meio de contrato de trabalho por
prazo indeterminado não poderá prestar serviços para o mesmo empregador
por meio de contrato de trabalho intermitente pelo prazo de 18 meses a
partir da data da demissão do empregado. Com a queda da MP, essa
quarentena deixará de existir.
Para Estêvão
Mallet, a multa é um “exagero” da reforma trabalhista. “É uma sanção muito
exagerada e muito desproporcional, que a medida provisória eliminava”,
declarou.
Apesar disso,
ele acredita que, na prática, serão raras as vezes em que a cobrança da multa
vai acontecer.
“Acho difícil
que um empresário contrate um advogado, acione a Justiça para receber um valor
irrisório da multa, por exemplo, R$ 80. Acho que a intenção do legislador era
gerar um efeito pedagógico. Mas, na prática, se um trabalhador não aparecer
para trabalhar, o que vai acontecer é que ele não será mais convocado por
aquela empresa”, projetou.
Segundo Ester
Lemes, a MP trazia uma "segurança maior" para os empregados porque a
empresa não poderia demiti-los e contratá-los imediatamente como intermitentes.
"Com a MP, tinha uma carência para recontratar de 18 meses. Agora, poderão
demiti-los e contratar diretamente como intermitentes”, explicou.
Para o
procurador Paulo Joarês, sem a MP, há uma “insegurança muito grande” para o
trabalhador intermitente. “O governo terá que fazer algum decreto para tentar
regulamentar isso”, avaliou.
Decreto
Na última sexta-feira
(20), a Casa Civil informou que o governo
federal avalia regulamentar pontos da reforma trabalhista por meio de decreto,
já que a medida provisória perderá a validade.
Segundo o
ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, o governo não pretende no momento
publicar uma nova MP para ajustar a reforma. “Não está em nossas previsões”,
disse ao G1.
Segundo o
deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma trabalhista na Câmara,
um dos pontos que devem ser regulamentados pelo decreto é a jornada
intermitente.
Enquanto isso,
parlamentares contrários à reforma trabalhista preparam projetos para “preencher
as lacunas legislativas” geradas pela nova lei.
A deputada
Maria do Rosário (PT-RS) disse que apresentará nesta terça-feira (24) um
projeto de lei sobre o trabalho da empregada gestante e lactante em ambientes
insalubres.
O senador Paulo
Paim (PT-RS) também prepara projetos para modificar a nova lei trabalhista. “A
medida provisória foi para inglês ver. O governo não tinha nenhum interesse em
melhorar a legislação. Derrota para o trabalhador”, afirmou.
O líder do
governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR), tem dito que o Palácio do Planalto
cumpriu a palavra e editou a medida provisória. Ele disse ainda que, se o texto
da MP não prosperou no Congresso, a “responsabilidade” não era do governo.
Por Fernanda Calgaro, Gustavo Garcia,
Alessandra Modzeleski, Lais Lis e Guilherme Mazui, G1, Brasília
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