(#MapaDoCrime:
até quinta-feira, 15, o G1 publica uma série de reportagens,
em
parceria com o núcleo de jornalismo de dados, sobre fatos, histórias
e números
da violência nos últimos 15 anos.)
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Sete pessoas morrem
diariamente, em média, de forma violenta na capital desde 2002. G1 inicia nesta
segunda-feira série de reportagens com dados da violência na cidade.
Desde 2002, sete pessoas, em
média, morrem diariamente de forma violenta na cidade do Rio. Foram 38 mil
homicídios no período, segundo levantamento do G1 com base em
dados do Instituto de Segurança Pública (ISP).
São policiais e criminosos mortos
em confrontos, moradores de áreas dominadas por facções de milicianos ou de
traficantes, mortos em brigas, vítimas de latrocínio ou de balas perdidas,
entre outros casos. Gente que entrou para uma triste estatística, e que o
sistema judicial não consegue, em 90% dos casos, descobrir os mandantes do
crime ou quem, simplesmente, apertou o gatilho.
Dados do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP) mostram que de 6.073 inquéritos iniciados em 2009, apenas
150 viraram denúncias, oito anos após o seu início. Até agora, 1.512 foram
arquivados. Outros 40 entraram na categoria "desclassificados", ou
seja, deixaram de ser homicídio e passaram a ser tentativa de homicídio, o que
retirou os casos do Tribunal do Júri e levou o processo para uma vara criminal.
Do total, 4.371 casos ainda estão sendo investigados.
"A situação é muito ruim.
Temos vítimas de todos os lados e o que o Estado deve pensar agora é em uma
mudança de postura. A guerra às drogas como é feita só tem resultado em mortes.
É assim há 20 anos, 30 anos e o que vemos são governos que compram mais armas e
viaturas novas. Já paramos para pensar quem ganha com isso? Alguém deve estar
ganhando. O Estado precisa entender que ele precisa preservar vidas. Não
consigo vislumbrar um futuro melhor se a gente não trabalhar em uma mudança de
postura", analisa a socióloga Klarissa Platero, do Departamento de
Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Retomada da violência
Após uma queda ao longo da
primeira década deste século, o número de casos de homicídios voltou a crescer
no Rio. Coincide com a derrocada do projeto das Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs), a maioria delas vivendo a retomada dos confrontos entre
policiais e traficantes, além do abandono do programa de metas, que auxiliou no
aumento da produtividade policial.
Especialistas afirmam que esses
pontos foram importantes para a retomada do crescimento de mortes violentas no
Rio, Citam também a dificuldade em reverter o quadro quando se foca o combate
no roubo de cargas.
"O que me preocupa é o
foco. Claro que é importante se combater o roubo de cargas mas a vida é um bem
que não se recupera. A carga você coloca um chip e vai saber para onde ela foi
levada. Com uma vida não há jeito. Por que não se investir mais na
investigação?", questiona Ilona Szabó, diretora do Instituto Igarapé.
Estrutura policial
A investigação de mortes violentas
no Rio é feita pela Delegacia de Homicídios (DH) que, em 2010, foi reformulada
e passou a adotar um novo modelo de investigação. A partir de então, cada local
em que se constata este tipo de crime recebe de forma imediata uma equipe
formada por delegado, investigadores e peritos criminais e legistas destacados
apenas para aquela função. De três a cinco carros chegam para atender um caso,
iniciativa que virou modelo para outros estados do Brasil. A ideia era elevar o
patamar de elucidações que beirava os 2,5%, de acordo com policiais ouvidos
pelo G1.
Dois anos depois de a DH ser
reinaugurada, em 2012, a socióloga Klarissa Platero acompanhou durante três
meses (a partir de uma sexta-feira de carnaval, em fevereiro daquele ano, e até
maio) o trabalho dos policiais. Foi junto com os investigadores em 19 locais de
homicídios escolhidos aleatoriamente. Um ano depois, a polícia havia descoberto
os assassinos de dois casos.
"Eu considero a taxa de
elucidação satisfatória, em razão da quantidade de homicídios e dos recursos
disponibilizados. Os agentes da Scotland Yard, a polícia inglesa, disseram que
a gente faz milagre. E eu discordo que seja 10% [a taxa de solução]. Uma
investigação de homicídio não é como se fazer uma receita de bolo. Investigar
demanda uma complexidade muito grande. O
caso do filho do Carlinhos de Jesus, por exemplo, demorou um ano
para desvendar. Recentemente, a DH da Capital demorou 6 meses para investigar
a morte daquela líder comunitária da Cidade Alta (Glória Maria dos
Santos Mica, morta por um policial militar). O que é importante da investigação
de homicídio é que nós tenhamos a continuidade dessa investigação. Já chegamos
aqui a 27,5% de taxa de elucidação", explica o delegado Rivaldo Barbosa,
chefe da DH.
Quando fala em continuidade na
investigação, o delegado descumpre uma norma da Secretaria de Segurança
assinada pelo então secretário José Mariano Beltrame. De acordo com a
determinação, após um período, cerca de 30 dias, a investigação deixa a DH e
volta para a delegacia distrital onde o fato aconteceu. Isso explica porque
tantos casos permanecem no chamado "pingue-pongue" entre delegacia e
Ministério Público.
A investigação deixa uma
especializada e se junta a tantos outros inquéritos numa delegacia comum.
"Eu cumpri todas as diligências pedidas pelo Ministério Público. Após a
morte do meu filho, comecei a estudar Direito para entender como isso funciona.
Foi assim que ajudei na condenação dos envolvidos", conta Márcia Jacinta,
de 55 anos, mãe Hanry de Oliveira Silva, de 16 anos.
O jovem foi morto em 2 de novembro
de 2002, na favela do Gambá, no Lins de Vasconcelos. Em seus relatos, os
policiais disseram que o rapaz estava armado. De acordo com Márcia, o filho
levava apenas um molho de chaves nas mãos.
"Você não cria um filho para encontrá-lo
no IML [Instituto Médico Legal, onde é realizada a necropsia]. Viram uma arma
na sua mão, mas o que ele carregava era um par de chaves. Eles [a polícia]
estão destruindo nossos jovens."
Característica de cada morte
Atualmente, a Delegacia de Homicídios
da Capital tem 220 policiais, 12 peritos de local e 10 legistas para investigar
uma média de 1.324 homicídios por mês.
Cerca de 80% das mortes são
causadas por armas de fogo e com características peculiares: na maioria dos
casos, os corpos são encontrados nas ruas, seja em favelas ou em pontos
isolados de bairros como Campo Grande e Santa Cruz, ambos na Zona Oeste da
cidade.
Há corpos com um tiro ou com 20
disparos dos mais diversos calibres. E em sua maioria, as vítimas, quando
encontradas, são deixadas em locais distantes de onde ocorreu o crime. Práticas
normalmente adotadas por milicianos e traficantes, segundo policiais civis.
De acordo com o delegado Rivaldo
Barbosa, um estudo da Divisão de Homicídios revela que, quanto menores forem o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e a expectativa de vida na região, maior
a quantidade de homicídios.
"Isso não quer dizer que
as pessoas que moram em região pobre são violentas. Muito pelo contrário. Essas
pessoas são vítimas duas vezes. Essas pessoas são vítimas da falta de
saneamento básico, de serviços públicos essenciais, e também sofrem com a
influência do crime organizado. Essas áreas são que deveriam ter uma atenção
bem maior do próprio poder público", argumenta o delegado.
Segundo ele, os bairros citados
sofrem uma influência muito grande de organizações criminosas.
"É o que gera o homicídio. A
milícia se mata entre si, o tráfico se mata entre si, e os dois se matam. Esse
é um grande percentual de mortes aqui no Rio de Janeiro. Um exemplo: milícia, área
da 35ª DP [Campo Grande]. Tráfico? Pavuna. E tráfico, jogos e milícia? Bangu e
Realengo".
Dificuldades da investigação
Segundo a socióloga Klarisse
Platero, as perícias de mortes violentas têm características distintas
dependendo do local onde os corpos são encontrados. Quando é no interior de
casas e residências, há uma apuração maior. Diferente de quando as vítimas são
encontradas nas ruas.
"Acompanhei perícias de
corpos em locais de risco, no meio da via, que duraram cinco minutos. E outros,
no interior de casas, que demoraram 3h. É óbvio que isso influencia na
elucidação do caso", conta Klarissa Platero.
Além de dificultar a identificação
do autor, o abandono dos corpos é tipificado nas estatísticas como encontro de
cadáver e que não aparece nas estatísticas como morte violenta. Como não é uma
classificação adotada pelo Código Penal, os encontros de cadáver também entram
no pingue-pongue entre polícia e Ministério Público em apurações sem fim.
Os últimos dados disponíveis do
Conselho Nacional do Ministério Público mostram que 4.037 inquéritos de
homicídios no Rio já tiveram 33.091 diligências. Isso significa que, em média,
cada inquérito já fez por sete vezes o caminho entre delegacia e a promotoria.
Junta-se a isso que muitos corpos
são encontrados sem identificação. Como não há um cadastro nacional de
identificação civil, se a vítima é de outro estado e nunca cometeu um crime, ou
seja, não passou pela polícia, não tem como ser identificada já no local do
crime.
"É claro que os inquéritos
melhoraram com a DH. O problema hoje é que ficamos esperando laudos que demoram
a chegar. Aí o que vemos são processos baseados em depoimentos de testemunhas
que não viram o fato, mas conheciam as vítimas e só falam da moral da vítima ou
do criminoso", conta a juíza Renata Gil Alcântara, presidente da
Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj).
A crise financeira do Estado do
Rio de Janeiro também foi sentida nas investigações das mortes violentas. Os 22
peritos que integram a equipe da DH da Capital não recebem gratificação por
atuarem na delegacia e nem tem direito a insalubridade pelo serviço
desenvolvido. Diferentemente dos peritos lotados no Instituto de Criminalística
Carlos Éboli, sede da perícia no Rio.
No início do ano, faltou o
reagente luminol que destaca em locais de homicídios possíveis marcas de
sangue. O material foi reposto, mas hoje há racionamento para o uso dos
produtos.
"O Ministério Público tem
pedido em transações penais a doação de materiais para a perícia. Assim podemos
cumprir com as nossas atividades", conta a perita Denise Rivera,
presidente da Associação de Peritos do RJ.
"A DH melhorou a qualidade
das investigações, mas há vários problemas na investigação dos crimes de
homicídio. A Polícia Civil sempre foi esquecida. O governo não prioriza a
polícia técnica, não se prioriza o conhecimento. Não se apoia a investigação,
mas a polícia ostensiva, o confronto", comenta o investigador Aurílio
Nascimento, há 32 anos na polícia carioca e com três passagens pela Homicídios.
O coordenador das DHs reconhece
que a crise atrapalha na solução dos crimes.
"Eu já estou aqui há cinco
anos, já passei aqui por três chefes de polícia. Todos eles, mesmo com a crise,
têm tentado minimizar as delegacias de homicídio no que diz respeito a recursos
humanos, logísticos. Mesmo assim, há uma dificuldade enorme. A crise inviabilizou
nosso contrato de conserto de viaturas. Hoje, quando uma viatura quebra, vamos
com apenas quatro em vez de cinco carros. A segurança pública depende de
recursos. Com os recursos em falta, todos nós sofremos com isso", conta
Rivaldo.
Busca por soluções
Em 30 de maio passado, o
secretário estadual de Direitos Humanos, Átila Nunes, recebeu 12 famílias,
vítimas de violência policial, prometendo que o governo estadual acompanhará de
perto as investigações das mortes.
"Estamos conversando com o
secretário [de Segurança] Roberto Sá sobre a preocupação que temos com as
incursões. Vidas têm que ser preservadas. São vítimas para todos os lados.
Essas famílias têm dificuldade de denunciar, inclusive as ameaçadas", diz
o secretário.
Em 26 de maio, o G1 pediu
à assessoria do secretário de Segurança uma entrevista para falar sobre o tema
de letalidade violenta no Rio, incluindo mortes de policiais e de civis em
confronto com as polícias. O pedido foi reafirmado por duas vezes, sem
resposta. A Polícia Militar também não respondeu às solicitações de entrevista
feitas pela equipe de reportagem.
Por Marco Antônio Martins e Felipe Grandin, G1 Rio
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