© AFP "Os
tempos mudaram", diz a chamada da
revista 'Rolling Stone' com o papa na capa
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Ele é amado por muitos, mas não
por todos - principalmente os conservadores
A oposição ao papa Francisco se
faz cada vez mais presente e visível. Há quem minimize esse movimento, mas
outros acreditam que o papa possa estar no centro de uma trama política
sofisticada com objetivo de enfraquecê-lo.
O episódio mais recente - e talvez
o mais teatral - se deu no mês passado, quando bairros próximos ao Vaticano
amanheceram tomados por cartazes apócrifos com críticas ao pontífice. Um jornal
falso que zombava do pontífice também foi enviado a cardeais da cidade.
Os cartazes traziam uma foto do
papa com expressão fechada, e textos com referências a problemas que Francisco
teve com setores mais conservadores da Igreja Católica.
"Francisco, você destituiu os
chefes das congregações, removeu sacerdotes, decapitou a Ordem de Malta e a dos
Franciscanos da Imaculada, ignorou cardeais. Onde está sua misericórdia?",
dizia o texto, coberto horas depois pela Prefeitura de Roma com a inscrição
"publicidade ilegal".
Na mesma época, cardeais de Roma
receberam uma versão falsa do jornal do Vaticano, o L'Osservatore
Romano. Na capa, em um ataque irônico ao pontífice, havia uma lista de
perguntas ao papa feitas por cardeais conservadores em que a resposta era
sempre sic et non (sim e não).
Eleito em março de 2013 após
escândalos que abalaram a imagem do Vaticano, o papa tomou medidas e fez
declarações de impacto que polarizam opiniões dentro e fora do mundo católico.
Reestruturou, por exemplo, as
confusas finanças do Vaticano, criou comissão para combater abuso sexual de
crianças na Igreja, fez duras críticas ao capitalismo e ajudou a reaproximar
Cuba e EUA. Também chama a atenção sua defesa de uma Igreja mais tolerante em
questões de família - já pediu a sacerdotes que não tratem divorciados como
excomungados e procurem acolher católicos homossexuais.
Para seus detratores, porém, ele
age de forma autoritária e centralizadora.
"O Papa é o vigário de Cristo
na Terra, mas não é Cristo. Pode errar, pecar e até ser corrigido. Não concordo
com seu modo de governar. A Igreja está hoje imersa em confusão e
desorientação: os fieis precisam de certezas, mas não conseguem encontrá-las.
Corremos o risco de uma cisão", diz Roberto De Mattei, presidente da
Fundação Lepanto, que faz campanha pela "defesa dos princípios e
instituições da civilização cristã".
De Mattei e sua fundação sempre
foram duros com o para argentino, e chegaram a ser apontados como suspeitos de
estar por trás da ideia dos cartazes - os responsáveis não foram identificados.
"Não sei quem são os autores
(dos cartazes), mas não fomos nós. Em Roma você percebe um clima de medo,
típico de regimes totalitários. Estamos diante de uma monarquia absoluta que
usa a colaboração de cardeais e bispos, mas lhes dá pouca autonomia. O papa ama
nomear comissários especiais para muitos assuntos, assim, ao final, ele sempre
pode decidir", disse De Mattei à BBC Brasil.
Tipos de oposição
Para o historiador Massimo
Faggioli, professor de Teologia na Villanova University (EUA), é possível
identificar três tipos de oposição ao papa Francisco: teológica, institucional
e política.
"A teológica parte de alguns
setores na Igreja que acham que o papa é muito moderno em questões como
casamento e família. É uma oposição pequena, que age de forma respeitosa",
diz o professor.
Entre esse setor estão quatro
cardeais ultraconservadores que em setembro de 2016 pediram, em carta pública,
que o papa corrija "erros doutrinários" da encíclica Amoris
Laetitia (Alegria do Amor), um guia para a vida em família que prega a
aceitação, pela Igreja, de certas realidades da sociedade contemporânea.
Na oposição institucional, afirma
Faggiolo, há pessoas que querem manter o status quo. "Alguns cardeais têm
medo de perder privilégios ou da mudança de mecanismos para a nomeação dos
bispos", diz.
O historiador vê a oposição
política como a mais forte. "O papa fala sobre vivermos juntos, de
construir pontes em vez de muros. São questões 'inconvenientes' para a política
global da atualidade, pois contrastam com ideias da direita francesa, italiana
e americana. São tidas como uma ameaça. O papa pode lidar com as duas primeiras
oposições, mas a política é a mais difícil", afirma.
A reação contra o papa não se
concentra apenas na Itália e na Europa. Autor do livro "Os inimigos de
Francisco" (com lançamento previsto no Brasil para o segundo semestre), o
jornalista italiano Nello Scavo diz que há grupos nos EUA que trabalham pelo
enfraquecimento da liderança de Jorge Bergoglio, o nome de batismo do papa.
Menina 'rouba' solidéu do papa após benção
"Há grupos financeiros,
fabricantes de armas e multinacionais que querem que o papa perca poder. Sua
retórica é muito anti-establishment. Ele afirmou que a nossa economia mata,
condenou o capitalismo e se fez escutar em questões ecológicas", diz
Scavo, citando críticas à Francisco feitas pelo centro de estudos conservador
American Enterprise Institute (AEI).
O AEI conta em seus quadros com
vários ex-integrantes do governo George W. Bush (2001-2008), entre eles o ex-vice-presidente
Dick Cheney. "Cheney faz parte do AEI, foi membro do conselho da Lockheed
Martin, principal fabricante de sistemas de defesa no mundo, e a AEI tem a
Halliburton entre seus principais financiadores", afirma o jornaista,
citando a multinacional de serviços para exploração de petróleo.
Jornalista da emissora católica
canadense Salt and Light, Matteo Ciofi diz que a oposição teológica
é, de fato, a que menos deve preocupar o papa. "Não é possível que um
cardeal africano e um europeu possam ter a mesma visão sobre a família. Faz
parte das diferenças culturais, é normal que haja críticas. O problema, dentro
da Igreja, se concentra naqueles que não querem perder privilégios", diz.
Papa e política
Um dos cardeais que assinaram a
carta pública contra a encíclica Amoris Laetitia, o americano
Raymond Leo Burke teve reunião recente com Matteo Salvini, líder do partido de
extrema-direita italiano Liga do Norte.
Com discurso anti-imigração,
Salvini fez duras críticas ao papa quando o pontífice visitou um campo de
refugiados na ilha grega de Lesbos, em abril de 2016.
"Com todo o respeito, o papa
está errado. Parece-me que a catástrofe ocorre na Itália, não na Grécia. Ele
quer convidar outros milhares de imigrantes para a Itália? Uma coisa é acomodar
os poucos que escaparam da guerra, outra é incentivar e financiar uma invasão
sem precedentes. Tem pobres na Grécia, mas também a dois minutos do
Vaticano", afirmou o político, que já foi fotografado usando camiseta com
a frase "Meu papa é Bento", referência ao antecessor de Bergoglio.
Para Roberto De Mattei, da
Fundação Lepanto, não é a direita que se opõe ao papa, mas é a esquerda que
quer torná-lo um símbolo. "Os movimentos de esquerda querem fazer dele um
anti-(Donald)Trump porque não dispõem de outras pessoas carismáticas."
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