Os 'Smurfs comunistas' que geraram polêmica sobre liberdade de ensino no Uruguai | Rio das Ostras Jornal

Os 'Smurfs comunistas' que geraram polêmica sobre liberdade de ensino no Uruguai

O senador José Amorín, do tradicional Partido Colorado, aderiu
 às críticas ao livro 'Uy-siglo XX' (Foto: Twitter)
Livro didático que mostra a aldeia dos pequenos seres azuis como exemplo de comunismo provoca discussão sobre papel do Estado no ensino privado.

Os Smurfs, os famosos personagens azuis criados em 1958 pelo belga Pierre Culliford, o Peyo, estão no centro do mais recente e acalorado debate político do Uruguai.

No começo desta semana, tornaram-se virais no país textos de um livro escolar que recorre à aldeia dos Smurfs para explicar o sistema comunista.

"Talvez o seguinte exemplo ajude a entender a ideia da sociedade comunista. Você conhece os Smurfs? Eles são uma comunidade que vive em uma aldeia", diz o livro da professora Silvana Pera, intitulado Uy-siglo XX.

"Todos têm acesso a moradia. Ninguém passa fome. O poço de água é para uso coletivo, não é de ninguém e é de todos", continua.

"Todos têm deveres com a comunidade, por exemplo se ocupam daquilo que sabem fazer. O Smurf cozinheiro vai cozinhar, o Smurf carpinteiro consertará o que quebrar e, assim, cada um da comunidade oferece seu trabalho e recebe o trabalho dos demais", explica.

Lênin e os Smurfs

A divulgação do livro, que traz numa mesma página uma foto do líder da Revolução Comunista russa Vladimir Lênin e um desenho da aldeia dos Smurfs, causou polêmica.

E o que poderia ter permanecido como uma simples controvérsia nas redes sociais cresceu quando o deputado oposicionista Pablo Iturralde, do conservador Partido Nacional - um dos primeiros a discutir o assunto - anunciou que iria pedir explicações sobre o uso do livro à ministra da Educação e Cultura, María Julia Muñoz.

Isso acabou criando outra polêmica, porque o livro estava sendo usado apenas por alunos do sexto ano do ensino fundamental de algumas escolas particulares.

E um dos pilares da educação no Uruguai estabelece que o Estado nunca deve ter ingerência nos assuntos da educação privada.

'Nem censura, nem controle'

O deputado Iturralde usou o Twitter para justificar o seu pedido de explicações.

"Este livro é adotado em institutos aprovados pela Anep", a Administração Nacional de Educação Pública.

"É da sua competência controlá-los. A educação é uma política pública", tuitou.

O líder do Partido Nacional e ex-candidato à Presidência em 2014 Luis Lacalle Pou saiu em defesa da ideia.

Também pelo Twitter, apoiou a convocação do deputado para que o Ministério da Educação e Cultura (MEC) uruguaio se manifestasse sobre a questão.

No entanto, Héctor Florit, integrante do Conselho de Educação Inicial e Primária (Ceip), explicou que, embora a obra apresente uma "comparação infeliz", não se pode fazer nada a respeito.

"Os textos utilizados em instituições particulares não têm nem censura, nem controle", afirmou o jornal El Observador.

Em resposta, Iturralde disse à rádio Portal 180 que seu objetivo não é censurar mas "dirigir" a política pública de educação "mais além da existência da educação estatal e privada".

Neste sentido, o deputado conservador propôs a criação de "um manual" para definir quais textos podem ou não ser adotados.

Bibliografia recomendada

A polêmica trouxe à tona a revelação de que não existe uma relação de livros recomendados para as escolas privadas uruguaias.

Isso contrasta com o que ocorre nas escolas públicas onde os textos utilizados são definidos pelo próprio Conselho de Educação Inicial e Primária (Ceip).

A polêmica fez com que a direção da Anep resolvesse estudar a viabilidade de elaborar uma lista de livros indicados tanto para as escolas públicas como para as particulares.

Tudo no contexto da liberdade acadêmica, já que no Uruguai os professores do ensino público não são obrigados a adotar textos recomendados.

A proposta pretende convidar os autores que queiram integrar essa bibliografia a apresentarem seus trabalhos ao Conselho, cujos técnicos vão avaliá-los pedagogicamente, de acordo com o El Observador.

Por sua vez, Héctor Florit revelou que estes analistas farão uma avaliação pedagógica e técnica do polêmico livro Uy-siglo XX e que o resultado será oferecido às instituições que o utilizam.

'Fanatismo oficialista'

A polêmica dos Smurfs não se restringiu ao âmbito educacional, mas também chegou à arena política.

Em um editorial, o jornal uruguaio El País acusou a autora, Silvana Pera, de exibir um "fanatismo oficialista" e de escrever obras "engajadas".

O jornal lembrou que, em 2015, a professora protagonizou um outro escândalo com Historia económica y social 1870-2000, que escreveu com outros dois autores.

Neste livro, o neoliberalismo é definido como uma "escola do pensamento econômico" para a qual "não são prioridades nem a justiça, nem a liberdade, nem a igualdade".

O texto afirma ainda que o neoliberalismo "foi aplicado no Uruguai primeiro pela ditadura militar (1973-1985) e depois pelos primeiros governos que a sucederam, comandados pelos partidos Colorado e Nacional (também conhecido como 'Blanco')".

Sobre estes partidos, o livro afirma que "é questionável sua condição de democráticos".

Na época, o escândalo começou depois que o semanário Búsqueda divulgou o conteúdo da obra, utilizada no ensino secundário.

A polêmica levou o então diretor de educação do MEC, Juan Pedro Mir, a propor a elaboração de uma política nacional que estabelecesse pautas de criação e divugação de textos de acordo com a política educacional nacional.

"Todos os países sérios encaram os materiais educativos como uma política de Estado para evitar que as crianças sofram lavagem cerebral", disse ele à época.

No entanto, poucos meses depois, Mir renunciou ao cargo, afirmando que não havia "condições" para mudar o "DNA da educação" no Uruguai.

Depois de passar décadas sob comando ou do partido Colorado ou do Nacional, o Uruguai é governado, desde 2004, pela Frente Ampla, uma coalizão de centro-esquerda que inclui socialistas, comunistas e sociais-democratas, entre outros.


O Uruguai aparece em segundo lugar na América Latina, atrás do Chile, em leitura, ciência e matemática, de acordo com o ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês) divulgado em 2016.
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