Segundo
especialistas, pessoas poderiam estar respondendo
em liberdade, sem custos aos cofres públicos. Divulgação
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Cada preso consome R$ 760 por mês
dos cofres públicos, somando R$ 38 milhões, embora ao final do processo , 54%
recebam pena alternativa
Metade das pessoas encarceradas no
Rio de Janeiro não teve um julgamento e não recebeu uma pena. Elas aguardam a
sentença, situação que deve ser exceção. A revelação é da pesquisa
Imparcialidade ou cegueira: um ensaio sobre prisões provisórias e alternativas
penais, divulgada nesta quarta-feira, no Rio.
O documento mostra também que,
quando um juiz julga um caso, a maioria desses presos é absolvida ou liberada
da cadeia, sinalizando que a prisão provisória pode ser evitada, inclusive pelo
custo – cada preso consome R$ 760 por mês dos cofres públicos.
A pesquisa foi feita pela
organização não governamental Instituto de Estudos da Religião (Iser), em
parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade
Candido Mendes. Por mais de um ano, especialistas em direitos humanos e
segurança pública acompanharam audiências de custódia e obtiveram e cruzaram
dados do sistema penal.
Próximo à média nacional de 41%, o
Rio de Janeiro tem 42,7% de presos provisórios do total de mais de 50 mil
detentos nas 50 penitenciárias do estado, segundo o Iser. Eles custam R$ 38
milhões por mês, embora ao final do processo legal, 54,4% recebam uma pena
alternativa.
“Ou seja, são pessoas que poderiam
estar respondendo em liberdade, o que é um direito, a liberdade deveria ser a
regra e não a exceção”, afirmou a coordenadora do estudo, Paula Jardim Duarte.
Na avaliação da especialista, as
prisões provisórias refletem uma “cultura punitivista” do Judiciário, que
espelha um “clamor social”. “As pessoas acham que punindo mais e prendendo mais
a gente teria uma sociedade segura, quando não há nenhuma correlação entre o
número de prisões e a diminuição de crimes violentos, ninguém conseguiu provar
isso”, sustentou Paula.
Reincidência no crime
Ao citar dados de pesquisa da
Universidade de Brasília (UnB), o Iser afirma que, ao contrário do que
diz o senso comum, a reincidência no crime é maior entre as pessoas que já
ficaram presas. A cadeia, segundo a especialista, retira a dignidade e
humanidade do indivíduo, o que desestimula a reflexão sobre o ato penal e
dificulta uma mudança de cultura.
No Rio, a prisão provisória é
experimentada por uma maioria de jovens negros, com baixa escolaridade. Os
pretos e pardos chegam a 72,57% dos encarcerados, mesmo sendo 52,29% da
população do estado, indicando uma política criminal seletiva, afirma a
pesquisa.
Entre as mulheres, 73% são de presas provisórias, condenadas por crimes relacionados ao tráfico de drogas, como mostrou levantamento da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) também citado pelo Iser.
Entre as mulheres, 73% são de presas provisórias, condenadas por crimes relacionados ao tráfico de drogas, como mostrou levantamento da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) também citado pelo Iser.
Contribui para o alto número de
presos provisórios a resistência de juízes do estado do Rio às penas
alternativas, principalmente, em casos de tráfico. No Rio, essas medidas são
aplicadas em apenas 35,5% do total de casos, o que faz o estado ocupar a quinta
posição entre aqueles que menos soltam após as audiências de custódia –
que colocam o juiz frente a frente com o preso para ponderar sobre a manutenção
da prisão cautelar. A média nacional é de 50% de solturas com as audiências.
Juízes extrapolam atuação
Na avaliação da Defensoria Pública
do Estado do Rio, que teve acesso aos dados, os juízes têm abusado do argumento
da “garantia da lei e da ordem” para manter pessoas na cadeia, desconsiderando
a “essência” da prisão provisória, que é a necessidade de evitar fugas ou ameaças
a testemunhas.
“O dispositivo da garantia da lei
e da ordem tem sido um coringa para justificar esse tipo de prisão
[provisória]”, disse o subcoordenador de Defesa Criminal da defensoria,
advogado Ricardo André de Souza.
“As sentenças não falam em
antecipação de pena, isso não é declarado, mas seguem essa ideia
generalista que admite tudo, desde uma periculosidade, que está na cabeça
do juiz, até a possibilidade de uma grande repercussão na imprensa e que não
têm base na realidade”, afirmou.
Para o defensor, o Judiciário, que
deveria agir como “mediador” na sociedade, extrapola a própria função, atuando
mais como mais um braço das forças de segurança. “Juízes, no lugar de assumir a
vocação que, acredito, seja ancestral da função, que é conter abusos e
racionalizar o poder punitivo, parece que se identificam mais com as funções
policiais do que [com a função de] garantidor de direitos fundamentais
previstos na Constituição”, criticou o defensor público.
Pela lei, a prisão, em casos de
crimes como furto, estelionato, alguns casos de tráfico de drogas e delitos sem
violência ou grave ameaça, pode ser substituída por penas alternativas.
Entre elas, o monitoramento, por
tornozeleira eletrônica, o comparecimento periódico à Justiça, a proibição de
frequentar determinados locais e estabelecimentos, além do recolhimento
domiciliar de noite e em dias de folga, quando o investigado ou acusado tenha
residência e trabalho fixos.
Como na Lei Maria da Penha, em que
os homens agressores de mulheres devem frequentar uma reabilitação, Paula
Jardim aposta que as alternativas penais têm mais chances de contribuir para
uma mudança de comportamento e de cultura. “A prisão retira a individualidade e
a humanidade, componentes importante para o sujeito se responsabilizar por seus
atos”, disse.
A Agência Brasil procurou a
Associação de Magistrados do Estado do Rio de Janeiro para comentar as
críticas, mas a entidade não retornou até o fechamento desta matéria.
AGÊNCIA BRASIL
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