José Eduardo
Cardozo em defesa do governo na sessão da Câmara
que votou o
parecer que recomendou abertura de impeachment
da presidente
Dilma Rousseff. (Foto: Fornecido por BBC)
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O advogado-geral da União (AGU),
José Eduardo Cardozo, volta nesta sexta-feira ao Congresso para mais uma
sustentação em defesa da presidente Dilma Rousseff, dessa vez na comissão
especial de impeachment do Senado.
Muito criticado quando era
ministro da Justiça - foi alvo de ataques até dentro de seu partido -, Cardozo
hoje coleciona elogios entre petistas por sua defesa do governo.
Após encarar uma maratona dias
antes da votação decisiva na Câmara, com entrevistas à imprensa e sustentações
frente aos deputados e no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro agora tem
se dedicado a uma campanha corpo a corpo com senadores, que inclui visitas
individuais a alguns gabinetes.
Mas, apesar de seu esforço, a
maioria do Senado deverá aprovar a abertura de um processo contra Dilma na
segunda semana de maio. Se isso se confirmar, a presidente será afastada por
até 180 dias, o vice Michel Temer assumirá o governo interinamente, e Cardozo perderá
o cargo de principal advogado do governo.
O ministro, contudo, adiantou à
BBC Brasil que pretende continuar defendendo Dilma em um eventual julgamento,
sem cobrar honorários.
Para isso, no entanto, precisará
que a Comissão de Ética Pública da Presidência da República o libere de cumprir
uma quarentena de seis meses sem advogar privadamente após deixar o governo.
Os integrantes do órgão cumprem
mandato de três anos e, portanto, Temer não poderia alterar sua composição
imediatamente.
Recentemente, o comitê recusou
pedido semelhante feito pelo antecessor de Cardozo, Luís Inácio Adams, para
trabalhar em um escritório de advocacia que atua em causas contra a União. Por
outro lado, autorizou o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy a assumir um cargo
de diretor financeiro do Banco Mundial.
"Se isso (a abertura de
processo contra Dilma) eventualmente acontecer, eu vou pedir uma autorização ao
comitê de ética para que possa pegar essa causa. É uma causa que eu já estou
atuando. Eu não pegá-la seria um prejuízo à defesa, não uma vantagem para
mim", disse.
"Não cobraria nada
dela", acrescentou.
De vilão a herói
Como advogado de Dilma, Cardozo se
tornou o principal porta-voz da tese de que a presidente não cometeu crime de
responsabilidade e, por isso, seu impeachment seria um golpe de Estado.
"Brilhante. Dificilmente
alguém faria um trabalho tão bem feito de defesa do governo como ele está
fazendo", resume o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP).
Mas, antes de ser considerado essa
espécie de herói do governo petista, Cardozo recebeu críticas a sua atuação
como ministro da Justiça.
Parte do PT considerava que ele
não tinha pulso firme para conter abusos da Polícia Federal. Desgastado, deixou
o cargo no final de fevereiro, quando assumiu a AGU.
Questionado pela BBC Brasil sobre
essa mudança de humor em torno de seu nome, Cardozo riu: "É até engraçado.
As pessoas em geral têm apoiado a minha atuação (como AGU)", comentou.
Na sua avaliação, as críticas que
recebia eram fruto de uma "má compreensão" dos diferentes papéis institucionais.
"Eu acho que as pessoas que
achavam que eu tinha uma posição muito afastada, o que era natural do
Ministério da Justiça, estão me vendo agora em outra dimensão institucional. Na
AGU, eu sou advogado, eu tenho lado", disse.
"Eu sempre fui muito
criticado (no Ministério da Justiça). Quando o investigado era alguém da
oposição, dizia-se que eu estava instrumentalizando a Polícia Federal para
perseguir os inimigos. Quando o investigado era gente da base governista,
dizia-se que eu não estava controlando a Polícia Federal. Nem uma coisa nem
outra, eu só cumpri a lei", se defende.
Falta de legado?
As avaliações negativas sobre sua
gestão no Ministério da Justiça, porém, vão além da suposta leniência com a
Polícia Federal.
Após somar mais de cinco anos à
frente da pasta, Cardozo foi o mais longevo ministro da Justiça no regime
democrático. Para os críticos, porém, seu legado não corresponde ao tamanho de
seu mandato.
"Não consolidou o Plano
Nacional de Redução de Homicídios e não adotou qualquer iniciativa expressiva
para o enfrentamento da ilegalidade contínua que é nosso sistema penitenciário.
Cardozo se limitou a criticar publicamente os presídios, sem implantar qualquer
política pública voltada para a redução dos terríveis níveis de violação de
direitos humanos que neles ocorrem", afirma o especialista em ciências
criminais, Salah Khaled, professor da Universidade Federal do Rio Grande.
Foi na gestão de Cardozo que o
Congresso aprovou, em 2013, uma lei com novas regras sobre delação premiada – a
atualização da legislação deu impulso ao uso do controverso instrumento de
investigação, largamente utilizado na operação Lava Jato. O projeto estava há
anos parado no Congresso e passou a andar por articulação do governo Dilma.
No ano passado, o governo enviou
um projeto polêmico de lei antiterrorismo que acabou aprovado no Congresso.
"Classifico a política
criminal dos últimos anos como um desastre. A lei antiterrorismo é uma
verdadeira obscenidade e dá margem para a criminalização de movimentos sociais.
Infelizmente o PT foi incapaz de romper com o fetiche pela punição", diz
Khaled.
"O chamado 'processo penal do
espetáculo' não foi combatido de forma significativa pelo governo. Não houve
qualquer disputa nos campos de debate público e em última análise isso pode ter
sido decisivo para a fragilização da própria democracia brasileira",
acrescenta o professor, para quem faltou um discurso mais duro de Cardozo
contra o que ele considera abusos da operação Lava Jato.
Por outro lado, o que mais rende
elogios a Cardozo é justamente sua "inação", ou seja, a não
interferência em investigações policiais.
O advogado Antônio Claudio Mariz
de Oliveira, por exemplo, elogiou o petista nesta semana por ter adotado
"um comportamento exemplar em relação à Polícia Federal". Mariz
chegou a ser cotado para assumir o Ministério da Justiça em eventual governo
Temer, mas foi descartado por criticar a Lava Jato.
Questionado pela BBC Brasil, o
ministro apontou como seu principal legado a criação do Sistema de Informações
de Segurança Pública (Sinesp), uma base unificada de dados sobre criminalidade
no Brasil.
Distanciamento de Lula
Cardozo é quadro histórico do PT
paulistano. Foi secretário de governo da prefeita Luiza Erundina (1989-1992),
na época petista. Depois foi vereador por oito anos – e um dos principais
articuladores do processo de impeachment do prefeito Celso Pitta (que acabou
absolvido). Chegou a presidir a Câmara Municipal no início do governo Marta
Suplicy (2001-2004).
Elegeu-se deputado federal em 2002
e 2006, mas não se candidatou novamente em 2010. Na ocasião, divulgou uma carta
a seus eleitores dizendo que não disputaria mais eleições "se não houvesse
uma radical reforma do sistema político brasileiro".
Ainda em 2010, acabaria
coordenando a campanha presidencial de Dilma. Chegou ao posto de ministro após
sua eleição.
Cardozo jamais havia sido
convidado para o ministério de Lula. Ele teria atraído antipatia do
ex-presidente nos anos 1990, quando fez parte de uma comissão interna do
partido que investigou denúncias de corrupção em prefeituras comandadas pelo
PT.
As denúncias envolviam contratos
com a CPEM (empresa que prestava consultoria para municípios). O caso foi
denunciado pelo economista Paulo de Tarso Venceslau, dirigente do PT à época.
Em seu relatório, redigido em
conjunto com Hélio Bicudo e Paul Singer, Cardozo apontou que "restou
comprovada" a denúncia de que Roberto Teixeira, advogado e amigo próximo
de Lula, "efetivamente apresentava a CPEM a prefeituras petistas",
segundo o próprio ministro relatou em 1997 em artigo na revistaTeoria e
Debate .
"Tal comportamento não
qualificaria nenhum problema ético, se não fôssemos levados a concluir pelas
evidências existentes de que Roberto Teixeira não poderia deixar de saber, a
partir de um certo momento, que os contratos firmados pela empresa CPEM
apresentavam graves problemas. (…) Atuou, a nosso ver, inclusive com evidente
abuso da confiança de que desfrutava no partido em face da notória relação de
amizade que mantém com o presidente de honra do PT (Lula)", escreveu ainda
Cardozo, na revista.
O relatório (no caso CPEM)
recomendou que Teixeira fosse submetido a uma comissão de ética – ele, no
entanto, acabou inocentado, enquanto Venceslau foi expulso do partido. Segundo
o jornalO Estado de S.Paulo , Roberto Teixeira hoje é alvo de
investigação na operação Lava Jato por suposta participação na compra do sítio
de Atibaia que seria de Lula e teria recebido melhorias pagas por construtoras
investigadas na operação.
"(Cardozo) Não teve nenhum
espaço na administração do Lula. (O relatório no caso CPEM foi) mais uma razão
do ódio de Lula ao Zé Eduardo", disse Venceslau à BBC Brasil.
Segundo o economista, o
estranhamento entre os dois remontava à administração de Erundina, quando a
prefeita demitiu seu vice, Luiz Eduardo Greenhalgh, do cargo de secretário de
Negócios Extraordinários após denúncias que o envolviam na cobrança de propina
da empresa de construção Lubeca – o que depois não chegou a ser comprovado.
O caso foi explorado na eleição
presidencial de 1989, prejudicando a campanha de Lula, que era próximo a
Greenhalgh.
"Do que eu convivi com ele,
acho um cara muito firme, bom caráter. Não conheço nada que o denigre",
disse Venceslau sobre o ministro.
Cardozo disse à BBC Brasil que seu
objetivo após defender Dilma, caso a presidente seja afastada definitivamente e
ele não continue no governo, será se dedicar à vida acadêmica e à advocacia.
BBC Brasil
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