O ministro disse que, de dentro
do governo, só Dilma tem autoridade para criticar seu trabalho
O ministro da Fazenda, Guido
Mantega, negou que os ajustes que começaram a ser anunciados na política
econômica representem uma mudança "estratégica" e disse que o governo
vai continuar no caminho do "desenvolvimentismo".
"Não é uma mudança na
estratégia principal", disse o ministro, que comentou os ajustes em uma
entrevista à BBC Brasil concedida no domingo em Brisbane, na Austrália, durante
reunião do G20.
"A nossa estratégia não é
ortodoxa, é uma estratégia desenvolvimentista. É uma estratégia que visa a
criar mais empregos, que visa a diminuir as disparidades sociais e de renda — e
isso vai continuar".
Mantega, que está de saída da
pasta no novo mandato da presidente Dilma Rousseff, negou que a política
econômica praticada nos últimos anos venha sendo alvo de críticas dentro do
governo.
A sensação foi reforçada dias
antes, quando a ex-ministra da Cultura Marta Suplicy disse esperar, ao deixar o
cargo, que a presidente seja "iluminada" ao escolher uma nova equipe
para resgatar a "confiança e credibilidade" na economia.
Segundo o ministro, ninguém no
governo "tem autoridade para a crítica além da presidente [Dilma
Rousseff]" e as decisões que ele tomou, nos últimos anos, sempre foram
aprovadas por ela.
"Sempre estive sintonizado
com a presidente. A política que eu faço é aprovada por ela, e o que nós temos
agora é uma continuação dessa política dentro de um outro cenário
econômico", afirmou o ministro, cuja saída do governo em um eventual
segundo mandato foi anunciada por Dilma ainda durante a campanha. O sucessor de
Mantega ainda não foi anunciado.
Confira a seguir a entrevista completa.
BBC Brasil: Para alguns
críticos, as recentes medidas econômicas anunciadas pelo governo indicam uma
guinada à ortodoxia. O jornal Financial Times comentou que a presidente Dilma
adotou políticas propostas pela oposição durante a campanha — e criticadas por
ela. Isso é uma indicação do fracasso da política adotada até aqui? Qual o
plano daqui para frente?
Guido Mantega: O que nós
estamos fazendo são ajustes na economia, que são sempre necessários,
principalmente quando você está saindo de um período de uma crise internacional
para um período de normalidade. Durante a crise, nós fizemos várias medidas
anticíclicas. Agora, é o momento de sair das medidas anticíclicas e caminhar
para a normalidade. Então, você tem que fazer esses ajustes.
Nós fizemos ajustes importantes
no início do governo Dilma. Eu mesmo, como ministro da Fazenda. Fizemos um
ajuste fiscal, na política monetária. Nesse momento, temos que fazer alguns
ajustes como o que fizemos em 2011. Não é nenhum retrocesso à política
ortodoxa, em nenhuma circunstância. Fazer ajuste fiscal não é uma medida
ortodoxa. Você manter a solidez fiscal é, digamos, o princípio de qualquer
política, seja ela ortodoxa ou heterodoxa. Temos que preparar a economia pra
que ela possa voltar a ter uma política monetária mais flexível, para
restabelecer o crédito no Brasil.
BBC Brasil: E como exatamente
seriam esses ajustes, como eles vão fazer o crescimento deslanchar?
Mantega: Na verdade, nós
precisamos da recuperação da economia internacional. O crescimento da economia
internacional em 2014 foi decepcionante. Então nós temos que… esperamos um
cenário melhor. No Brasil, tivemos que combater em 2014 uma seca forte, uma
pressão inflacionária, tivemos o período da Copa do Mundo, tivemos eleições,
tudo isso atrapalha um pouco a economia.
Agora, sem isso, e mais os
ajustes, nós teremos condição de retomar o crescimento. Por quê? Porque a
economia brasileira mantém fundamentos sólidos. Nós temos um mercado interno
poderoso. O Brasil continua se expandindo, porque apesar de um crescimento
menor, nós aumentamos o emprego e aumentamos o salário. A massa salarial, que é
poder de consumo, continua crescendo no Brasil. Basta reconstituir o crédito
que você vai ter uma reativação.
Além disso, os programas de
investimento que lançamos nos últimos anos estão amadurecendo. É o pacote de
concessões, de infraestrutura... as rodovias estão recebendo investimentos. O
setor de gás e energia está tendo bons investimentos. Com isto, nós temos
condições de recuperar a taxa de crescimento em 2015, especialmente se formos
ajudados por uma recuperação da economia internacional.
BBC Brasil: O que leva a essa
mudança [na política econômica], a realidade econômica ou a necessidade de
controlar as contas públicas?
Mantega: Essa mudança se deve
ao fato de que nós saímos desse período de política anticíclica para [entrar
em] um período em que acreditamos que a crise está no fim e que vai começar uma
outra fase da economia. Não estamos mais dando estímulos, temos que reduzir
alguns gastos, e reconstituir a política monetária mais favorável ao consumo da
população.
BBC Brasil: Como foi a sua
relação com a presidente Dilma durante o governo? O sr. tinha autonomia, ou
havia muita interferência [no ministério]?
Mantega: Bom, é uma relação
normal do ministro da Fazenda com a presidente. Ela sempre [nos] deu autonomia,
para que nós fizéssemos e apresentássemos os programas econômicos, os programas
de ajuste.
Nós já tínhamos uma grande
sintonia, porque antes de ela ser presidente, ela era ministra. Minha colega no
ministério. E nós trabalhávamos juntos na política econômica. Fazenda com Casa
Civil. Então, não houve nenhuma mudança porque estávamos sempre sintonizados.
As iniciativas que tomamos
sempre foram aprovadas e apoiadas pela presidente.
BBC Brasil: O sr. tem sido alvo
de críticas não somente da oposição, mas também internas. Ao mesmo tempo, tem
que anunciar a mudança da política econômica, que de certa forma vai na direção
contrária a que foi adotada até aqui. Não é uma situação incômoda?
Mantega: Não tenho [sido alvo
de] críticas [de] dentro do governo. Se tivesse crítica, essa pessoa seria
rapidamente desqualificada. Ninguém tem autoridade para a crítica além da
presidente. Agora se tem gente... se algumas pessoas comentaram isso [contra a
política econômica], aí é outra coisa.
Sempre tive autoridade, sempre
estive sintonizado com a presidente. A política que eu faço é aprovada por ela
e, o que nós temos agora é uma continuação desta política dentro de um outro
cenário econômico. Portanto, isso exige mudanças. Não é uma mudança na
estratégia principal.
A nossa estratégia não é
ortodoxa, é uma estratégia desenvolvimentista. É uma estratégia que visa a
criar mais empregos, que visa a diminuir as disparidades sociais e de renda — e
isso vai continuar. Agora adaptado a uma outra fase da economia. Nós saímos da
fase de crise e estamos nos preparando para a retomada do crescimento.
Se você olhar a política que eu
fazia antes da crise, ela era diferente da que nós fizemos durante a crise.
Agora trata-se de voltar ao que nós fazíamos. Antes da crise tínhamos o
superávit primário maior, uma estabilidade maior das contas [públicas]. Num
período de crise isso fica comprometido. Então, trata-se de uma mesma estratégia
em fases diferentes. Não é uma mudança da estratégia econômica.
BBC Brasil: O Brasil chegou
nesse G20 com a economia bem mais fraca do que em 2008 (quando a reunião do
grupo foi essencial para responder aos desafios colocados pela crise). Teve
algo a ganhar e a contribuir nas reuniões deste final de semana em Brisbane?
Mantega: Na verdade a maioria
dos países está crescendo pouco no G20, e esse foi um dos temas da discussão.
Por que, com as medidas tomadas, não estamos tendo uma reativação [de nossas
economias]? Chegamos à conclusão de que falta estimular a demanda nos países
avançados. Os EUA estão indo razoavelmente bem, o Reino Unido também está em
uma certa recuperação, mas nós temos a União Europeia, temos o Japão, que não
estão contribuindo para a retomada da economia mundial.
Muitos países estão buscando
disputar mercados externos — e o que nós estamos precisando hoje é de
reconstituir o comércio internacional. Ele está crescendo pouco porque tem
pouca demanda nesses países. Essa é uma questão chave. Os países emergentes
estão sofrendo porque falta mercado para eles exportarem seus produtos.
BBC Brasil: O que foi discutido
na reunião dos Brics?
Mantega: Discutimos a
consolidação [dos projetos do grupo]. Criamos em Fortaleza duas instituições
importantes, o Banco de Desenvolvimento dos Brics e o fundo contingente de
reservas. Então, agora temos que colocá-los para funcionar.
Combinamos de tomar algumas
iniciativas, como, por exemplo, criar uma diretoria provisória para o Banco de
Desenvolvimento, criar um conselho de administração, tomar as últimas
providências para que, na reunião de julho do próximo ano, na Rússia, já
tenhamos esses dois instrumentos importantes funcionando.
É importante ter um banco de
desenvolvimento para financiar investimentos nos países emergentes,
principalmente nos Brics, e um fundo de reservas para a eventual necessidade de
membros do nosso grupo. Então, vamos apressar os trabalhos. Foi combinado que
até julho nós estaremos com esses instrumentos prontos para funcionar.
Fonte: BBC Brasil

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