Rivaldo Barbosa tentou fazer
com que miliciano assumisse autoria do crime a mando do
ex-vereador Marcello Siciliano
As investigações da Polícia
Federal sobre o caso
do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, que aconteceu
em 2018, mostraram que um inquérito de 2015 pela Divisão de Homicídios da
Polícia Civil do Estado do Rio
de Janeiro teria sido utilizado para forçar uma confissão falsa
sobre a autoria
das mortes.
No entendimento dos
investigadores, o então chefe da corporação, Rivaldo Barbosa, e o delegado
Giniton Lages queriam que o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, conhecido
como Orlando Curicica, afirmasse que participou do assassinato da parlamentar a
mando do então vereador e rival dos irmãos Brazão, Marcelo Siciliano.
Para realizar a suposta fraude
processual, Lages contou com uma testemunha-chave: o ex-policial militar
Rodrigo Jorge Ferreira, conhecido como Ferreirinha. Ele seria o responsável por
apontar indícios que distanciariam as apurações sobre a morte de Marielle dos
verdadeiros responsáveis do crime. O suposto plano incluía a resolução de um
inquérito "hibernado" pela Divisão, o assassinato do sócio de
Ferreirinha, Rafael Freitas Pacheco Silva, em 2015.
A PF conseguiu recuperar
conversas entre a então testemunha-chave e Marco Antônio de Barros Pinto,
integrante da equipe de Lages, que mostram um alinhamento de versões para que,
segundo os investigadores, a denúncia contra Curicica pelo assassinato fosse
viável.
Em um áudio, Barros Pinto chega a
dizer que Ferreirinha teria que se "concentrar" para narrar uma
versão dos fatos previamente combinada. "O que você soube do Rafael
Pacheco a partir da tua ida na casa dele [Orlando Curicica] lá, que ele te
chamou, te obrigou a ir né, e a partir daí você passou a trabalhar com ele, que
foi obrigado a trabalhar com ele. Mas sem se vitimizar, sem se vitimizar,
aquela coisa que a gente já conversou tá, então se concentra nesse
sentido", diz a transcrição de um áudio enviado ao ex-policial militar
antes do testemunho.
Com a versão, Lages e sua equipe
se dirigiram ao presídio onde Curicica estava preso, e apresentaram a denúncia.
A ideia, segundo o PF, era conseguir uma confissão que indicasse a participação
de Siciliano.
"Imputar o delito em tela ao
então vereador Marcelo Siciliano teria o condão não só de garantir-lhes a
impunidade, mas também fulminaria politicamente um dos concorrentes eleitorais
da Família Brazão nos bairros da Zona Oeste carioca", ressalta o relatório
da PF.
De acordo com a corporação, o
plano só não deu certo porque a então Procuradora-Geral da República à época,
Raquel Dodge, requisitou à PF a abertura de inquérito visando apurar suposta
interferência de autoridades policiais responsáveis pelo caso na tentativa de
embaraçar ou dificultar a apuração do crime envolvendo os homicídios de
Marielle e Anderson.
A PF diz que, mesmo com o
Ministério Público e o Poder Judiciário tendo identificado o movimento dos
dois, Lages afirmou em depoimento ao MP que Ferreirinha "jura de pé
junto" que foi torturado ao ser interrogado pela superitendência da PF no
Rio de Janeiro, o que o faz ainda acreditar na hipótese de que o mando dos
homicídios esteja atrelado a Siciliano e Curicica.
Segundo a PF, a tentativa de
Rivaldo e Lages de imputar os crimes a terceiros "foi o ápice das
diligências obstrutórias emanadas pela dupla". A instituição afirma que
"Giniton foi escalado para obstruir os trabalhos investigativos e o fez
com esmero". Além disso, de acordo com a PF, "os trabalhos de
sabotagem se iniciaram no momento mais sensível da apuração do crime, as horas
de ouro, o que ensejou a perda de elementos de convicção importantes para a sua
resolução a contento como, por exemplo, a captação das imagens dos circuitos
internos de televisão dos imóveis adjacentes ao local do crime".
"A orquestração dessa
deflexão na investigação, a origem da chegada de Rodrigo Jorge Ferreira [...],
bem como os exemplos de impropriedades perpetradas pela equipe da DHC
[Delegacia de Homicídios da Capital] durante os meses que sucederam os fatos,
são indícios robustos de que Giniton Lages cumpriu à risca a missão que lhe
fora outorgada, sobretudo por suas condutas terem sufocado diversos meios eficazes
de obtenção de prova que, agora, não mais podem ser alcançados pela persecução
penal", diz a corporação.
Rafaela Soares, do R7, em Brasília
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