Dois mil prisioneiros tinham membros faltando por causa das torturas sofridas
Os sobreviventes recebidos na
Coreia do Sul disseram que familiares morreram nos campos de prisioneiros sem
receber tratamento para queimaduras de frio ou desnutrição | Foto: Desenho de
Kim Kwang-il
A Coreia do Sul divulgou novo
relatório que detalha as alegações de execuções e torturas que ocorrem na
Coreia do Norte, enquanto o presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, tenta
colocar mais pressão sobre Pyongyang por causa das violações de direitos
humanos.
O documento foi divulgado nesta
quinta-feira, 30, e inclui alegações de que seis adolescentes foram executados
por um pelotão de fuzilamento apenas por assistirem a vídeos sul-coreanos e
usar ópio, em 2015.
Uma mulher grávida também foi alvo das ações ditatoriais de Kim Jong-Un em 2017.
A gestante foi executada por apontar o dedo para um retrato do fundador do
país, Kim Il Sung; e os líderes de uma igreja clandestina foram executados em
2019.
Os relatórios são produzidos a
partir das denúncias e relatos de refugiados do país comunista. O ex-presidente
da Coreia do Sul, Moon Jae-in, classificou os relatórios, citando a necessidade
de proteger a privacidade dos desertores entrevistados.
“A realidade das terríveis
violações dos direitos humanos contra o povo norte-coreano deve ser totalmente
revelada à comunidade internacional”, disse Yoon.
O ditador Kim Jong-un negou as
acusações de violação e abuso de direitos e atacou os críticos, dizendo que
eles estão tentando desafiar a soberania do país.
O relatório de 450 páginas
incluiu entrevistas com mais de 500 desertores norte-coreanos
que escaparam do país entre 2017 e 2022 e detalhou violações
generalizadas, incluindo execuções públicas e incidentes de tortura, em um
dos regimes mais repressivos e isolados do mundo.
“As coisas só pioraram e o
relatório ajuda os desertores a perceberem que podem ser ouvidos”, disse Seo
Jae-pyong, um desertor norte-coreano que lidera um grupo ativista com sede em
Seul.
Para conter a migração, desde
2020, a Coreia do Norte ordenou que os guardas atirassem em pessoas que
tentavam cruzar a fronteira, disse o relatório. A maioria dos desertores
entrevistados para o relatório escapou de 2017 a 2019. Dos desertores
entrevistados, apenas nove fugiram no ano passado.
O relatório descreveu 11 campos
de concentração, incluindo cinco atualmente em operação, onde prisioneiros
políticos foram submetidos a trabalhos forçados, espancamentos, violência
sexual e fome.
Os prisioneiros são torturados,
sendo colocados em posições fixas ou forçados a assistir às execuções, visando
instaurar o medo, disse o relatório. Os sobreviventes recebidos na Coreia do
Sul disseram que familiares morreram nos campos de prisioneiros sem receber
tratamento para queimaduras de frio ou desnutrição.
Alguns desertores disseram ter
testemunhado pessoas com deficiência mental sendo submetidas a experimentos
médicos em hospitais sem seu consentimento.
Os exilados norte-coreanos
disseram que suas casas ou celulares podem ser revistados pelas autoridades a
qualquer momento. Muitas vezes, as pessoas são detidas ou presas sem um
julgamento justo. As presidiárias passaram por exames genitais durante
revistas íntimas, enquanto estupros e abortos forçados também ocorreram, disse
o relatório.
Kim intensificou a supressão do
regime de conteúdo e discurso estrangeiro e expandiu os esforços para impedir
que as influências da Coreia do Sul cheguem às pessoas na Coreia do Norte, de
acordo com desertores entrevistados pelo The Wall Street Journal e autoridades
sul-coreanas.
Em 2020, o regime genocida impôs
uma nova lei de “pensamento antirreacionário” que exige punição e prisão de
pessoas pegas em posse de mídia sul-coreana.
Até mesmo se vestir ou falar
como os sul-coreanos, empregando termos e estilos de roupas comuns por lá, foi
proibido. Aqueles que distribuem o material podem enfrentar a pena de morte,
disse a agência de espionagem de Seul. Os norte-coreanos enfrentam punições
severas, como a prisão, por possuir ou distribuir conteúdo sul-coreano, disse
Seo.
Yoon disse que espera que as
violações dos direitos humanos da Coreia do Norte sejam amplamente divulgadas
durante a Cúpula para a Democracia organizada pelos EUA e durante a sessão
contínua do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
“Revelar a realidade da situação dos
direitos humanos na Coreia do Norte também é importante para a segurança
nacional porque mostra onde a legitimidade de um Estado pode ser encontrada”,
disse Yoon na reunião de gabinete na terça-feira.
As denúncias de violação,
execuções e torturas são antigas na Coreia do Norte
Em 2014, Ahn Myong-Chol,
ex-guarda do campo de prisioneiro, deu um depoimento em Genebra, durante a
Inquérito de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre a Coreia do Norte.
O guarda era testemunha de todas
as experiências de maus tratos que presenciou quando atuava no campo de prisão
14, entre os anos 1987 e 1994. Entre as histórias mais abjetas, Myong-Chol
relembra de como os guardas “premiavam” os cachorros quando atacavam crianças,
matando-as.
“Certa vez, vi cinco crianças
sendo atacadas pelos cães dos guardas. Três delas ficaram em pedaços e as
outras duas, apesar de muito feridas, sobreviveram, mas foram enterradas vivas
junto das outras”.
Myong-Chol só descobriu de que os
encarcerados não mereciam estar presos e sendo torturados quando se tornou
motorista, levando prisioneiros que diziam “não fazer ideia do motivo pelo qual
estavam sendo presos”. Ele também contou que famílias inteiras, de várias
gerações, eram presas.
O sofrimento era sinônimo de
diversão, e o campo servia exatamente para esse propósito. Segundo o ex-guarda
Ahn Myong-chol, o governo os ensina que os prisioneiros são inimigos da classe,
que devem ser destruídos através de punição e tratamento escravo, pois não são
“seres humanos”.
Cerca de 30% dos prisioneiros,
incluindo crianças, possuíam deformidades, e uma média de 2 mil tinham membros
faltando por causa das torturas sofridas. Shin teve a ponta de um dos dedos
mutilada como punição por quebrar acidentalmente uma máquina enquanto
trabalhava.
No Campo 22, alguns métodos de
tortura envolviam deixar o prisioneiro na ponta dos pés em um tanque cheio de
água até o nariz por 24 horas; colocá-lo em um quarto-caixa sem espaço para
sentar-se ou agachar por três dias, ou uma semana; fazê-lo ficar ajoelhado com
uma barra de madeira inserida perto dos joelhos para impedir a circulação
sanguínea — a maioria deles não podia mais andar depois disso e acabava
morrendo.
Também foram relatados
experimentos humanos com câmaras de gás e cirurgias mirabolantes realizadas por
médicos em formação, em uma reprodução das experiências feitas por Josef
Mengele, em campos nazistas.
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