O advento do Pix, a digitalização das transações e
aumento da capacidade de movimentações financeiras
chamaram a atenção dos bandidos.
Johnny Morais/Futura Press/Estadão Conteúdo - 09/09/2021
Aumento da circulação de pessoas
nas ruas atrai os criminosos; autoridades apostam no setor de inteligência para
coibir venda de aparelhos roubados
O roubo e o furto de celulares são crimes difíceis de controlar: podem ser executados de forma rápida, tanto na abordagem quanto na fuga, e estão espalhados por todos os cantos de São Paulo. A restrição de circulação durante a pandemia fez com que os números despencassem, mas, agora, essa modalidade criminal volta a aumentar na capital com o retorno das atividades econômicas ao ritmo comum. Segundo dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado, entre janeiro e agosto de 2019, todos os meses tiveram mais de 10 mil registros de boletins de ocorrência por roubos de celulares na capital. Os números caminhavam de forma parecida até março de 2020, mas despencaram pela metade em abril e maio, quando a quarentena começou, tendo um ligeiro aumento nos meses seguintes. Em 2021, os registros do período entre janeiro e março caíram em relação aos do ano anterior. Porém, nos meses seguintes, acompanhando o avanço da vacinação e queda das mortes por Covid-19, as estatísticas sobre roubos e furtos de telefones móveis voltaram a crescer. Em agosto de 2021, o mês mais recente com os dados disponíveis, houve 1.837 registros de roubos e 2.883 de furtos a mais em relação ao mesmo mês de 2020.
Casos ouvidos pela Jovem
Pan demonstram bem como o aumento da circulação impacta nesse crime. A
assistente jurídica Amanda Serroni, de 24 anos, foi furtada em agosto, enquanto
estava em uma rua de Pinheiros (zona oeste de São Paulo) cheia de bares e
baladas. “Eu tinha acabado de colocar o celular no bolso. Uma mulher esbarrou
em mim e um cara pegou. Eles não saíram correndo, porque é uma rua fechada. Na
mesma hora eu fui atrás e falei: ‘Você pegou meu celular’. Ele foi me
entregando, dizia que pegou no chão. Um segurança de um dos bares viu e levou o
rapaz para a polícia”, relata. Ela contou ter visto na mesma noite algumas
mulheres fugindo de algo. Quando passou por elas, ouviu que era um assalto. A
jovem não se sente mais segura como antes. Tanto é que não voltou a nenhum
estabelecimento da região e deu preferência a lugares fechados como
restaurantes.
Patrick Silva, jornalista de 22
anos, tem uma história parecida. “Estava pedindo Uber perto da estação
Portuguesa-Tietê para encontrar com alguns amigos na Barra Funda (zona oeste),
à noite. “Dois sujeitos passaram de bicicleta e pegaram meu celular. Uma mulher
tentou ir atrás, mas não conseguiu alcançar. Outra senhora me emprestou o
celular dela para pedir o Uber e voltar para casa”, conta. “Desde então, eu me
sinto inseguro quando ando na rua, olhando para os lados. Sempre suspeito das
pessoas, evito pegar o celular na rua. É a sensação de que pode acontecer a
qualquer momento. E, se acontecer, eu não vou poder fazer nada”. Caso mais
violento foi vivenciado em abril pela tradutora Milena Almeida, de 23 anos, na
zona leste da capital. “Estava voltando para casa do trabalho, já perto do
condomínio onde moro, perto do Parque do Carmo, quando apareceram dois caras
numa moto. O que estava atrás e portava uma arma parecia uma criança, algo em
torno de 11 anos. Isso foi algo que mexeu bastante comigo e me deixou muito
mais insegura, embora eu nunca tivesse me sentido realmente tranquila andando
na cidade.”
Em entrevista à Jovem Pan,
o delegado Albano David Fernandes, do Decap (Departamento de Polícia Jurídica
da Capital) destaca os esforços da polícia para tentar evitar o crime através
da ação na “outra ponta”: a venda dos celulares. No último dia 28 de setembro,
Fernandes comandou uma megaoperação da Polícia Civil que
prendeu 320 pessoas e apreendeu 1.680 aparelhos. “Os crimes patrimoniais sempre
são alimentados por quem comercializa esses produtos. Os fomentadores são os
receptadores. Logicamente, a polícia ostensiva também flagra esses ladrões, e é
função da Polícia Civil prendê-los. Mas temos que usar formas inteligentes, a
investigação, para atacar receptadores e diminuir a incidência de furtos e
roubos”, explica o delegado. O número de latrocínios indica que também há um
crescimento na violência, embora em números menores que 2019, período
pré-pandêmico. Em todo o ano de 2019, foram 64 latrocínios; no ano passado, 46;
até meados de outubro deste ano, 44, de acordo com informações fornecidas pela
delegada Erica Campos, também do Decap. Ou seja, é praticamente certo que este
ano vai superar 2020.
“A atuação em campo visita esses
estabelecimentos [de vendas e conserto de celulares], principalmente no centro.
Nós observamos a movimentação de pessoas. Se chegamos numa loja em que o
indivíduo trabalha com celulares, verificamos aparelho por aparelho através do IMEI
[número de identificação existente em todo celular]. Se for roubado, é
necessário que a pessoa tenha feito um boletim de ocorrência para podermos
rastrear o aparelho. Se houver dúvida, não estiver na lista de celulares
roubados, mas o comerciante também não conseguir provar que a procedência foi
legal, nós apreendemos para verificação”, conta Fernandes. Segundo ele, foi
possível identificar até outros crimes e bloquear uma transferência de R$ 150
mil que havia sido feita para a conta de um criminoso através de aplicativos
bancários. Foi a quarta de uma série de operações, e novas rodadas deverão ser
realizadas no futuro.
Tecnologia atraiu criminosos
Dennis Pacheco, pesquisador do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ressalta que a criação do Pix, em 2020,
pode ter estimulado esse tipo de crime. “Roubo e furto de celulares são crimes
de oportunidade. Então, o aumento da circulação tende a implicar no aumento
dessas oportunidades. Mas há toda uma dinâmica que interfere: o advento do Pix,
a digitalização das transações e aumento da capacidade de movimentações
financeiras. Tudo isso acabou aumentando o valor agregado do aparelho, de forma
que existe uma nova valoração dele dentro dos mercados criminais”, analisa
Pacheco. A responsabilidade de evitar os crimes recai principalmente no setor
de segurança. “Não somente através da capacidade de ação no policiamento
ostensivo, mas principalmente no setor de inteligência, para entender como se
articulam essas redes de revenda”, acrescentou o pesquisador.
Pacheco ainda cita que é difícil
para o consumidor identificar um aparelho que seja fruto de um crime, correndo
o risco de alimentar a rede e ainda se tornar um receptador. “[É recomendado]
Apenas se comprar aparelhos novos, em lojas físicas ou virtuais”, aconselhou o
pesquisador. Já o delegado Albano pede que as pessoas prestem atenção em alguns
sinais que podem indicar a origem inadequada. “É importante que as pessoas não
façam negociações com preço muito abaixo do valor de mercado nem comprem
celulares usados sem saber a procedência”, diz. Assim como a polícia fortalece
a vigilância sobre os roubos e furtos, os criminosos acham maneiras de
burlá-la: apagam o IMEI e tentam cadastrar um novo; desmontam e revendem as
peças para assistências técnicas; e chegam a levar aparelhos para o Paraguai
para despistar as forças de segurança e evitar apreensões.
Por Luis Filipe Santos
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