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“O regime
bolivariano controla a sociedade de forma violenta”
Professor
universitário há 16 anos, fundador do Núcleo de Políticas e Estratégias da
Universidade de São Paulo (NAIPPE/USP), Marcelo Suano transita bem entre o
mundo acadêmico e o da comunicação. Já foi articulista do Broadcast da Agência
Estado e da Revista Voto Política & Negócios. Também circula com
tranquilidade entre diferentes grupos políticos. E vê com muito bons olhos o
nascimento do grupo Docentes pela Liberdade (DPL). “É uma iniciativa que tende
a ampliar a diversidade no debate acadêmico”, afirma.
Atualmente
professor do Ibmec, Marcelo Suano está lançando um livro, resultado de dez anos
de pesquisa. Como Destruir um País: Uma Aventura Socialista na
Venezuela é prefaciado pelo vice-presidente da República, Antonio
Hamilton Martins Mourão. Na entrevista, ele explica como o projeto do livro
surgiu e analisa a situação política da Venezuela, marcada pela oposição entre
o sucessor de Hugo Chávez, Nicolás Maduro, e o líder da oposição, Juan Guaidó.
Como surgiu
a ideia de escrever este livro?
Esse processo
começou pouco antes de 2009. Naquela época, foi criado o portal CEIRI News,
dedicado a análises independentes na área de relações internacionais, com
análises dos fatos contemporâneos. Desde 2009 eu me concentrava em escrever
sobre a Venezuela. Eu via as falhas estruturais que existiam naquele regime. O
regime chavista era destinado ao fracasso, não tinha como dar certo por culpa
de sua estrutura política e de seu modelo econômico. Em 2017, ocorreu a
Assembleia Constituinte no país. Um conhecido me pediu para escrever um livro
sobre o tema, mas ele não publicou. Guardei como estava. Em 2019, com a
proclamação do Juan Guaidó, atualizei o livro e entrei em contato com algumas
editoras.
Quem é o
presidente da Venezuela neste momento?
Alguns jornais
afirmam que Juan Guaidó se autoproclamou presidente, o que não é correto. Ele
foi empossado pela Assembleia Nacional, que não reconheceu as eleições
presidenciais de 2018, consideradas fraudulentas em todos os sentidos. Tendo
declarado vago o cargo do presidente Nicolás Maduro, assumiria interinamente o
presidente da Assembleia Nacional, com a missão de realizar uma nova eleição.
Guaidó foi eleito presidente da Assembleia Nacional porque é a principal
liderança política do seu partido, o Vontade Popular – cujo presidente,
Leopoldo López, estava preso e não tinha cargo. Mas Guaidó tinha um prazo de 30
dias para convocar novas eleições. Não conseguiu. Então agora temos uma
situação inconstitucional na Venezuela. O Maduro não tomou posse e o Guaidó não
convocou a eleição em 30 dias. A Venezuela inteira está numa situação de
nebulosidade jurídica.
Como se
explica que o regime bolivariano se mantenha no controle do país?
A Venezuela
está dividida, e o regime só sobrevive com base em fraudes constantes, que
garantem o desvio de recursos da sociedade para alguns estratos do governo, em
especial as forças armadas bolivarianas. As instituições militares, que
deveriam garantir o equilíbrio da sociedade, garantem a sobrevivência do regime
bolivariano porque Chávez, primeiro, e depois Maduro, garantiram recursos e
benefícios. As forças armadas venezuelanas têm 3 mil generais para 125 mil
soldados! No Brasil, em que nós temos quase o triplo de militares na ativa,
temos 24 generais de quatro estrelas! Por que 3 mil? Para garantir um conjunto
de indivíduos que sejam dependentes do regime. Esse regime está estruturado
unicamente na forma violenta como controla a sociedade.
Por que
Chávez escolheu Nicolás Maduro como sucessor?
A figura do
vice-presidente não era eletiva, era uma escolha pessoal do presidente. Chávez
elegeu o Maduro como herdeiro político porque o estilo de dominação
característico da Venezuela é a dominação carismática. E líderes carismáticos,
como Chávez, se cercam de pessoas medianas, que não tenham características de
liderança, precisamente para evitar a concorrência. O Maduro é uma consequência
da escolha do Chávez, que por sua vez construiu seu próprio sistema, que
destruiu a sociedade, a economia e as lideranças locais. O regime bolivariano
não é resultado de uma falha pessoal do Maduro. Ele é um homem limitado,
pessoal e intelectualmente, mas ele é produto da estrutura construída por
Chávez.
Como o
senhor avalia o trabalho da Assembleia Constituinte, de 2017?
A Constituinte
era uma demanda de todos os setores da sociedade, que pediam que o país
deixasse de ser um estado bolivariano, socialista, e se tornasse livre. Mas o
governo erigiu a assembleia com outro objetivo, o de calar a voz da Assembleia
Nacional. Em 2015, o governo perdeu o controle sobre ela, e por isso precisava
calá-la.
Foi o senhor
que convidou o general Mourão a assinar o prefácio?
Recebi ameaças,
fui acusado, chamado de agente pago da CIA, porque o vice-presidente assina o
prefácio. Conheci o general em 2014, quando ele era comandante militar do sul.
Ele me convidou para dar uma palestra sobre a missão brasileira no Haiti, para
o centro de formação de oficiais da reserva de Porto Alegre. Começamos a
conversar sobre Venezuela, e ele deu para mim uma aula, foi um show. Ele sabe
muito sobre a Venezuela. Quando escrevi o livro, o general ficou sabendo e se
prontificou a fazer o prefácio. Foi um gesto de grande gentileza. Foi um
presente que ele me deu em reconhecimento, porque no momento em que ele foi
atacado, em 2015 e 2017, eu fui na mídia explicar os absurdos que estavam
falando contra ele. Ele reconheceu a sinceridade e a honestidade da minha
parte. Temos um contato esporádico, de carinho e respeito.
O que
esperar do futuro da Venezuela?
Muitos países
relevantes no cenário internacional, especialmente China e Rússia, ainda não
aceitam Guaidó, como presidente, ainda que ele tenha sido reconhecido pelo
Estados Unidos e por países importantes da União Europeia. Guaidó depositou
confiança excessivamente nas ações dos Estados Unidos e do Trump. Mas é preciso
negociar com a China e a Rússia, negociar a dívida venezuelana com os chineses.
Já os russos vendem armas, têm empresas atuando com petróleo, e têm interesses
geopolíticos expressivos na região. Eles não podem permitir que a Venezuela
migre definitivamente par ao espectro de influência dos Estados Unidos – até
porque, ao perder o acesso ao gás da Venezuela, eles passariam a ganhar um
concorrente capaz de fornecer o produto para a Europa. A Rússia apoia Maduro
pensando em termos estratégicos e geopolíticos. O Putin é pragmático, ele
cederia caso percebesse que suas salvaguardas seriam garantidas. A Rússia não é
comunista, o Putin não é comunista. Guaidó pode negociar, alcançar apoio e,
assim, concretizar seu papel, o de agir como um instrumento para a reinstitucionalização
do país.
Por Tiago Cordeiro
[Em tempo 1:
A conversa com o professor faz parte de um esforço do movimento Docentes pela
Liberdade (DPL) em trazer pensadores competentes e capazes de agregar análises
relevantes para o cenário nacional. As opiniões expressas na entrevista não
reproduzem, necessariamente, as posições do DPL ou Conexão Política.]
[Em
tempo 2: Essa entrevista foi publicada originalmente no site Terça Livre, no dia
11/06/2020.]
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