© AFP Portugal
precisou de um resgate financeiro e de medidas
de austeridade para se recuperar da crise
financeira em que o
país estava
mergulhado.
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Em Lisboa,
capital de Portugal, o incorporador imobiliário Pedro Vicente teme que o
volume de negócios de sua empresa esteja prestes a sofrer um baque.
"Perderíamos 30% do nosso negócio se os vistos dourados fossem
abolidos", calcula ele, referindo-se ao visto que tem atraído cada vez
mais dinheiro ao país, principalmente de chineses e brasileiros, e ao risco que
vê no horizonte de essa via - que tem o setor imobiliário como o maior
beneficiado - estar com os dias contados.
Na prática, um
projeto de lei pede a extinção desse tipo de visto, apontando supostos riscos
associados ao sistema de concessão e pondo em dúvida os reais benefícios que os
investimentos decorrentes dele têm gerado para a economia.
Mas o que
motiva a polêmica e quais são os argumentos contra e a favor?
Os vistos
dourados
O chamado
regime de Autorização de Residência para Atividade de Investimento, por meio do
qual os vistos dourados são concedidos, foi criado em 2012 para atrair
investidores estrangeiros a Portugal e movimentar o mercado interno do país,
então mergulhado em uma crise.
O mecanismo
exige que os investidores aportem milhares de euros - o equivalente a milhões
de reais - em áreas como imóveis, fundos de investimento, pesquisa científica
ou no apoio, por exemplo, à produção artística. Em contrapartida, eles podem
obter residência permanente no território português e, depois de seis anos, a
cidadania.
No total, esse
regime já atraiu ao país mais de 3,9 bilhões de euros (R$ 18,76 bilhões) em
investimento estrangeiro, segundo o governo. E isso levou a um boom imobiliário
em Lisboa e na cidade do Porto.
Os
investimentos
Um total de
6.416 pessoas já solicitaram com sucesso um dos chamados vistos dourados.
Apenas em 2017
os investimentos superaram 840 milhões de euros (o equivalente a mais de R$ 4
bilhões) e neste ano, entre janeiro e agosto, eles somaram 555,84 milhões de
euros (R$ 2,67 bilhões).
Os brasileiros
estão em segundo lugar no ranking dos estrangeiros que mais investem no país
por meio desse regime - atrás dos chineses -, com desembolsos que representaram
21% do bolo total dos investimentos no ano passado e 15% neste ano.
África do Sul,
Turquia e Vietnã completam as nacionalidades principais em 2018.
Cerca de 95%
dos pedidos de residência feitos por meio do regime envolvem investimentos
voltados ao setor de imóveis.
Entre as vias
que os interessados podem escolher estão, por exemplo, a compra de casas ou
apartamentos com valor igual ou superior a 500 mil euros (o equivalente a R$
2,4 milhões); o desembolso de 1 milhão de euros (R$ 4,81 milhões) ou mais em
outras áreas da economia, ou criar um negócio que empregue 10 ou mais pessoas.
Outra
possibilidade é a aquisição de bens imóveis, cuja construção tenha sido
concluída há, pelo menos, 30 anos ou localizados em área de reabilitação
urbana, e realização de obras de reabilitação dos imóveis adquiridos no
montante global igual ou superior a 350 mil euros (R$ 1,68 milhão).
O investidor
também tem outros caminhos, como aplicar cifra semelhante - 350 mil euros ou
mais - em pesquisa científica, em fundos de investimento ou fundos de capitais
de risco; criar empresas sediadas em Portugal com cinco postos de trabalho
permanentes; ou reforçar o capital social de uma empresa nacional já existente,
com a criação ou manutenção de pelo menos cinco empregos por um período mínimo
de três anos.
A transferência
de 250 mil euros (R$ 1,20 milhão) ou mais, para investimento ou apoio à
produção artística, recuperação ou manutenção do patrimônio cultural nacional é
também uma possibilidade.
O que se
questiona e os argumentos contra o sistema
A crítica ao
sistema está sendo liderada pelo Bloco de Esquerda, partido político português
de extrema-esquerda socialista, que faz parte da coalizão não oficial de apoio
ao governo minoritário.
O partido
argumenta que os candidatos aos vistos dourados não são suficientemente
investigados no processo de avaliação, o que acaba abrindo caminho para que
criminosos estrangeiros também obtenham o documento.
O partido
também argumenta que esses investimentos não criaram empregos o bastante, apontando
que, dos 6.416 estrangeiros que receberam o visto dourado, apenas 11 (0,2%)
escolheram a opção de criar um negócio que empregue mais de 10 pessoas. A lista
não inclui brasileiros.
O Bloco
elaborou um projeto de lei que propõe abolir esse regime de concessão de
vistos.
No documento,
argumenta que eles são uma porta de entrada para "práticas de corrupção,
tráfico de influência, peculato e lavagem de dinheiro, entre outras
ilegalidades fiscais e criminais".
"Precisamos
de investimento estrangeiro, mas não a qualquer custo", diz o deputado
José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda.
"Precisamos
de investimento que crie empregos, que não esteja associado à corrupção, e
O que se diz a
favor
De volta ao
escritório de Pedro Vicente, em Lisboa, ele está preocupado com a proposta do
partido.
Sua empresa se
prepara para inaugurar um novo projeto residencial de luxo com 55 apartamentos
no centro de Lisboa, onde "cerca de 40% das aquisições foram feitas por
compradores com visto dourado".
Luis Lima,
secretário-geral da maior associação de agências imobiliárias de Portugal, a
APEMIP, diz que "a tão necessária renovação de Lisboa e do Porto
(realizada nos últimos anos) foi feita devido ao investimento via vistos
dourados".
Ele acrescenta
que, ante a falta de disponibilidade de capital local, o regime de vistos
dourados gerou milhares de empregos, abrangendo de trabalhadores da construção
civil aos que fazem serviços de limpeza.
"Sem
vistos dourados, o setor de construção teria entrado em colapso", diz
Lima.
'Sucesso
econômico'
O economista
João Duque também vê o regime de vistos dourados em Portugal como um sucesso
econômico.
Ele diz que,
embora um número pequeno de novos negócios tenha sido criado, os investidores
estrangeiros pagaram aos donos de imóveis portugueses "milhões de
euros" que provavelmente foram reinvestidos internamente, criando milhares
de empregos ou salvando empresas existentes da beira do abismo.
Enquanto isso,
outra economista, Ana Santos, da Universidade de Coimbra, alerta que o regime
de vistos dourados fez dispararem os preços no mercado imobiliário residencial
português. E que esses preços exorbitantes acabarão tornando os vistos dourados
portugueses menos atraentes.
O governo
português foi procurado pela reportagem da BBC, mas não quis comentar o
assunto. Se apoia ou não o projeto de lei do Bloco de Esquerda é uma incógnita.
Brian Morgan,
professor de empreendedorismo da Cardiff Metropolitan University, do País de
Gales, e especialista em investimento interno, diz que outra preocupação em
relação aos vistos dourados emitidos por Portugal e outros países da União
Europeia (UE) é que os detentores desses vistos não necessariamente
permanecerão no país que concedeu o documento.
Eles podem
migrar para outros países da região.
No caso de
vistos dourados portugueses, uma vez que o obtenham, os titulares podem viajar
imediatamente em torno do Espaço Schengen - acordo que permite a livre
circulação de pessoas dentro dos países signatários, sem a necessidade de
apresentação de passaporte nas fronteiras -, o qual inclui 22 Estados-membros
da União Europeia, além da Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. E se o
portador do visto conquistar a cidadania portuguesa após seis anos, poderá se
mudar permanentemente para outro país da UE.
"No caso
de Portugal, seu sistema de vistos dourados tinha aspectos positivos como uma
solução de curto prazo", diz o professor Morgan. "O mercado
imobiliário do país estava estagnado em 2012, e isso deu a ele um enorme
impulso. No entanto, agora há sinais de que o mercado está superaquecido, e
teme-se que não tenha havido a devida auditoria sobre quem obteve vistos."
A versão
britânica do regime de vistos dourados de Portugal é oficialmente chamada de
visto Nível 1 (Investidor). Ele difere de forma significativa do português, na
medida em que os requerentes não podem investir no mercado imobiliário do Reino
Unido. Além disso, o investimento mínimo é de 2 milhões de libras (R$ 10,82
milhões), mais de quatro vezes superior.
No ano passado,
o governo do Reino Unido emitiu 355 desses vistos, um aumento de 56% em relação
ao ano anterior. O Ministério do Interior diz que não tem planos de conceder
mais vistos dourados pós-Brexit (processo de saída do Reino Unido da UE), ou de
reduzir o valor mínimo de investimento exigido.
Uma porta-voz
explicou que em 2015 esse valor foi elevado de 1 milhão de libras (R$ 5,41
milhões) para 2 milhões (R$ 10,82 milhões), para garantir que os vistos não
estivessem sendo vendidos por menos do que realmente valem.
Vistos dourados
no mundo
De acordo
com a organização anticorrupção Transparência Internacional, mais de 20 países
ou territórios em todo o mundo oferecem vistos dourados, com regras variadas.
Veja abaixo alguns exemplos de investimentos mínimos exigidos aos candidatos de
vistos:
- Reino
Unido: US$ 2,6 milhões (R$ 10,8 milhões) em títulos ou ações através
de bancos britânicos;
- Espanha: US$
580 mil (R$ 2,4 milhões) em propriedades imobiliárias, US$ 1,1 milhões (R$ 4,77
milhões) em depósitos ou US$ 2,3 milhões (R$ 9,55 milhões) em títulos do
governo;
- Antígua e
Barbuda: US$ 100 mil (R$ 415,3 mil) para o Fundo Nacional de Doações.
Ou US$ 400 mil (R$ 1,66 milhão) no setor imobiliário ou, ainda, US$ 1,5 milhão
(R$ 6,22 milhões) em investimentos aprovados;
-
Chipre: 2 milhões de euros (R$ 9,63 milhões) em empresas, propriedades
imobiliárias ou títulos do governo;
- Estados
Unidos: US$ 1 milhão (R$ 4,15 milhões) em empresas que criam ao menos
10 postos de trabalho ou US$ 500 mil (R$ 2,07 milhões) se o investimento for em
uma área rural ou em uma área com alta taxa de desemprego;
-
Lituânia: Gerenciar e manter pelo menos um terço das ações de uma
empresa com pelo menos três trabalhadores em tempo integral e um valor de
capital de US$ 32,5 mil (R$ 134,9 mil).
Colaborou
Renata Moura, da BBC News Brasil em Londres
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