Chilenos
protestam contra sistema de previdência
(Foto:
Martin Bernetti/AFP)
|
Enquanto o rombo brasileiro ameaça
as contas públicas, no país vizinho, a situação está inviável para os
aposentados. Conheça a experiência chilena.
Enquanto o Brasil busca mudar a
sua Previdência para, segundo o governo Michel Temer, combater um rombo fiscal
que está se tornando insustentável para as contas públicas, o Chile, o primeiro
país do mundo a privatizar o sistema de previdência, também enfrenta problemas
com seu regime.
Reformado no início da década de
80, o sistema o país abandonou o modelo parecido com o que o Brasil tem hoje (e
continuará tendo caso a proposta em tramitação no Congresso seja aprovada) -
sob o qual os trabalhadores de carteira assinada colaboram com um fundo público
que garante a aposentadoria, pensão e auxílio a seus cidadãos.
No lugar, o Chile colocou em
prática algo que só existia em livros teóricos de economia: cada trabalhador
faz a própria poupança, que é depositada em uma conta individual, em vez de ir
para um fundo coletivo. Enquanto fica guardado, o dinheiro é administrado por
empresas privadas, que podem investir no mercado financeiro.
Trinta e cinco anos depois, porém,
o país vive uma situação insustentável, segundo sua própria presidente,
Michelle Bachelet. O problema: o baixo valor recebido pelos aposentados.
A experiência chilena evidencia os
desafios previdenciários ao redor do mundo e alimenta um debate de difícil
resposta: qual é o modelo mais justo de Previdência?
Impopular
Como as reformas previdenciárias
são polêmicas, impopulares e politicamente difíceis de fazer, não surpreende
que essa mudança profunda - inédita no mundo - tenha sido feita pelo Chile em
1981, durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
De acordo com o economista
Kristian Niemietz, pesquisador do Institute of Economic Affairs ( IEA,
Instituto de Assuntos Econômicos, em português), o ministro responsável pela
mudança, José Piñera, teve a ideia de privatizar a previdência após ler o
economista americano Milton Friedman (1912-2006), um dos maiores defensores do
liberalismo econômico no século passado.
MAIS: Entenda o cálculo da
aposentadoria pelo texto aprovado na Comissão da Câmara
Hoje, todos os trabalhadores
chilenos são obrigados a depositar ao menos 10% do salário por no mínimo 20
anos para se aposentar. A idade mínima para mulheres é 60 e para homens, 65.
Não há contribuições dos empregadores ou do Estado.
Agora, quando o novo modelo começa
a produzir os seus primeiros aposentados, o baixo valor das aposentadorias
chocou: 90,9% recebem menos de 149.435 pesos (cerca de R$ 694,08). Os dados
foram divulgados em 2015 pela Fundação Sol, organização independente chilena
que analisa economia e trabalho, e fez os cálculos com base em informações da
Superintendência de Pensões do governo.
O salário mínimo do Chile é de 264
mil pesos (cerca de R$ 1,226.20).
No ano passado, centenas de
milhares de manifestantes foram às ruas da capital, Santiago, para protestar
contra o sistema de previdência privado.
Como resposta, Bachelet, que já
tinha alterado o sistema em 2008, propôs mudanças mais radicais, que podem
fazer com que a Previdência chilena volte a ser mais parecida com a da era
pré-Pinochet.
'Exemplo de livro'
De acordo com Niemietz, o modelo
tradicional, adotado pela maioria dos países, incluindo o Brasil, é chamado por
muitos economistas de "Pay as you go" (Pague ao longo da vida).
Ele foi criado pelo chanceler
alemão Otto von Bismarck nos anos 1880, uma época em que os países tinham altas
taxas de natalidade e mortalidade.
"Você tinha milhares de
pessoas jovens o suficiente para trabalhar e apenas alguns aposentados, então o
sistema era fácil de financiar. Mas conforme a expectativa de vida começou a
crescer, as pessoas não morriam mais (em média) aos 67 anos, dois anos depois
de se aposentar. Chegavam aos 70, 80 ou 90 anos de idade", disse o
economista à BBC Brasil.
"Depois, dos anos 1960 em
diante, as taxas de natalidade começaram a cair em países ocidentais. Quando
isso acontece, você passa a ter uma população com muitos idosos e poucos
jovens, e o sistema 'pay as you go' se torna insustentável", acrescentou.
Segundo Niemietz, a mudança
implementada pelo Chile em 1981 era apenas um exemplo teórico nos livros de
introdução à Economia.
"Em teoria, você teria um
sistema em que cada geração economiza para sua própria aposentadoria, então o
tamanho da geração seguinte não importa", afirmou ele, que é defensor do
modelo.
Para ele, grande parte dos
problemas enfrentados pelo Chile estão relacionados ao fato de que muitas pessoas
não podem contribuir o suficiente para recolher o benefício depois - e que essa
questão, muito atrelada ao trabalho informal, existiria qualquer que fosse o
modelo adotado.
No Brasil, a reforma proposta pelo
governo Temer mantém o modelo "Pay as you go", em que, segundo
economistas como Niemietz, cada geração passa a conta para a geração seguinte.
Para reduzir o rombo fiscal, Temer
busca convencer o Congresso a aumentar a idade mínima e o tempo mínimo de
contribuição para se aposentar.
No parecer do deputado Arthur Maia
(PPS-BA), relator da proposta, mulheres precisariam ter ao menos 62 anos e
homens, 65 anos. São necessários 25 anos de contribuição para receber
aposentadoria. Para pagamento integral, o tempo sobe para 40 anos.
Na prática
De acordo com o especialista Kaizô
Beltrão, professor da Escola de Administração Pública e de Empresas da FGV Rio,
várias vantagens teóricas do sistema chileno não se concretizaram.
Segundo ele, esperava-se que o
dinheiro de aposentadorias chilenas poderia ser usado para fazer investimentos
produtivos e que a concorrência entre fundos administradores de aposentadoria
fariam com que cada pessoa procurasse a melhor opção para si.
Ele explica que, como as
administradoras são obrigadas a cobrir taxas de retornos de investimentos que
são muito baixas, há uma uniformização do investimentos. "A maior parte
dos investimentos é feita em letras do Tesouro", diz.
Veja os principais pontos da
reforma da Previdência aprovados em comissão
Além disso, segundo Beltrão,
"as pessoas não têm educação econômica suficiente" para fiscalizar o
que está sendo feito pelas administradoras, chamadas AFPs (administradoras de
fundos de pensão).
Essas cinco empresas juntas cuidam
de um capital acumulado que corresponde a 69,6% do PIB do país, de acordo com
dados de 2015 da OCDE (Organização para Desenvolvimento e Cooperação
Econômica), grupo de 35 países mais desenvolvidos do qual o Chile faz parte.
As maiores críticas contra o
sistema chileno se devem às AFPs, que abocanham grande parte do valor das
aposentadorias das pessoas. De acordo com Beltrão, o valor pago às
administradoras não é muito transparente, pois é cobrado junto ao valor de
seguro em caso de acidentes.
Justo ou injusto?
A BBC Brasil perguntou ao
especialista em desigualdade Marcelo Medeiros, professor da UnB (Universidade
de Brasília) e pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e
da Universidade Yale, qual modelo de previdência é o mais justo - o brasileiro
ou o chileno.
"Justo ou injusto é uma
questão mais complicada", disse. "O justo é você receber o que você
poupou ou é reduzir a desigualdade? Dependendo da maneira de abordar esse
problema, você pode ter respostas distintas."
De acordo com Medeiros, o que
existe é uma resposta concreta para qual modelo gera mais desigualdade e qual
gera menos desigualdade.
"A previdência privada só
reproduz a desigualdade ao longo do tempo", explicou.
O sistema "Pay as you
go" brasileiro é comumente chamado de "solidário", pois todos os
contribuintes do país colocam o dinheiro no mesmo fundo - que depois é
redistribuído.
Mas Medeiros alerta para o fato de
que a palavra "solidária" pode ser enganosa, pois um fundo comum não
é garantia de que haverá redução da desigualdade.
"Esse fundo comum pode ser
formado com todo mundo contribuindo a mesma coisa ou ele pode ser formado com
os mais ricos contribuindo mais", explicou. "Além disso, tem a
maneira como você usa o fundo. Você pode dar mais dinheiro para os mais ricos,
você pode dar mais dinheiro para os mais pobres ou pode dar o mesmo valor para
todo mundo", acrescentou.
Atualmente, o Brasil possui um
fundo comum, mas tende, segundo o professor, a replicar a distribuição de renda
anterior. "Ele dá mais mais dinheiro para quem é mais rico e menos para
quem é mais pobre", disse.
"Se é justo ou injusto, isso
é outra discussão, mas o sistema brasileiro replica a desigualdade passada no
presente".
Reformas no Chile e no Brasil
As diferentes maneiras de se
formar e gastar um fundo comum deveriam ser, segundo Medeiros, o foco da
discussão da reforma no Brasil, cujo projeto de reforma enviado ao Congresso
mantém o modelo "solidário", ou "pay as you go".
O pesquisador aponta que há quase
um consenso de que o país precisa reformar sua Previdência. "A discussão é
qual reforma deve ser feita."
No Chile, Bachelet já tinha em
2008 dado um passo rumo a um modelo que mistura o privado e o público - criou
uma categoria de aposentadoria mínima para trabalhadores de baixa renda
financiada com dinheiro de impostos.
Agora, ela propõe aumentar a
contribuição de 10% para 15% do salário. Desse adicional de 5%, 3 pontos
percentuais iriam diretamente para as contas individuais e os outros 2 pontos
percentuais iriam para um seguro de poupança coletiva. De acordo com o plano
divulgado pelo governo, a proposta aumentaria as pensões em 20% em média.
Bachelet também propõe maiores
regulamentações para as administradoras dos fundos, em sintonia com as demandas
dos movimentos que protestaram no ano passado. Um dos grupos, por exemplo,
chama-se "No+AFP" (Chega de AFP, em português).
Por BBC
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentario.
Fique sempre ligado do que acontece em nossa cidade!