Foto: Angélica Lüersen/Especial |
Marcelo
Recktenvald faz um balanço de seu primeiro mandato à frente da reitoria da
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
O currículo do
professor Marcelo
Recktenvald foi construído com foco na gestão universitária. Ele é
doutor em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
mestre em Administração pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB),
possui especialização em Gestão Estratégica Empresarial pela Universidade de
Passo Fundo (UPF) e especialização em Avaliação Institucional pela Universidade
de Brasília (UnB).
Ainda assim, ao
ser nomeado reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), há um ano,
em Chapecó, Recktenvald encontrou uma série de resistências. Um pequeno grupo
de militantes ocupou a reitoria. Na sequência, parte do Conselho Universitário
pediu sua destituição, que acabou não sendo aprovada. Ainda assim, o reitor
prossegue seu trabalho e busca implementar mudanças importantes para a
universidade fundada em 2009.
Na entrevista,
concedida à equipe do movimento Docentes pela Liberdade, Marcelo Recktenvald
comenta suas motivações para disputar o cargo, descreve as dificuldades que
enfrentou e faz um balanço de seu primeiro ano de gestão.
[Em tempo: A
conversa com o professor faz parte de um esforço do movimento Docentes pela
Liberdade (DPL) em trazer pensadores competentes e capazes de agregar análises
relevantes para o cenário nacional. As opiniões expressas na entrevista não
reproduzem, necessariamente, as posições do DPL ou Conexão Política.]
Quando e por
que o senhor decidiu se apresentar como candidato?
Me apresentei
como candidato quando percebi que as possíveis candidaturas na universidade
teriam um perfil ideológico enviesado em detrimento do perfil técnico requerido
de um gestor. No início de 2019, ainda antes do lançamento do edital para a
consulta prévia informal, cogitavam-se quatro candidaturas, todas com relação,
direta ou indireta, com movimentos sociais e partidos políticos de esquerda.
Houve um tempo
em que as universidades admitiam a pluralidade de pensamentos, eram espaço de
todas áreas e correntes, da esquerda à direita, do progressismo ao
conservadorismo, enfim, áreas que enriqueciam o debate e a ciência. Porém, o
tesouro da pluralidade de ideias foi esquecido em muitas universidades, que
perderam seus tesouros, chegando a escravizar a ciência à ideologia.
Particularmente, acredito que deve haver liberdade para que os membros da
comunidade acadêmica tenham posições políticas e convicções ideológicas da
forma como desejarem, mas não se pode misturar isso com a gestão de uma
universidade, tampouco para pautar o ensino, pesquisa e extensão.
Então, entre
fevereiro e março de 2019, depois de muitos contatos com pessoas de diferentes
setores e campi, e de algumas reuniões presenciais, percebemos que havia espaço
para uma candidatura com perfil conservador, comprometida com uma gestão eficiente,
e aberta para todos. Foi só no penúltimo dia de inscrições das candidaturas que
conseguimos fechar a chapa Nova UFFS.
Como foi o
processo eleitoral? O senhor foi ameaçado em algum momento?
Para a
candidatura Nova UFFS, o processo eleitoral foi muito rápido. As demais chapas
estavam articuladas há bastante tempo, e a nossa se consolidou na última semana
do edital. Quatro chapas disputaram a consulta prévia informal, uma vez que um
dos pretensos candidatos acabou por não confirmar a sua candidatura. Foram
menos de 20 dias de campanha, período em que rodamos em todos os campi da UFFS.
Temos três campi no Rio Grande do Sul, em Cerro Largo, Erechim e Passo Fundo;
um em Santa Catarina, em Chapecó; e dois no Paraná, em Laranjeiras do Sul e
Realeza.
Para muitos, a
Nova UFFS era apenas uma aposta de alto risco, uma candidatura improvável. Não
tínhamos base nos campi; não tínhamos apoio da gestão; não contamos com nenhum
financiamento, coisa que, em alguns casos, é assumido por partidos políticos;
não conseguimos articular candidaturas para os diretores de campus (exceto no
campus Erechim), o que verticalizaria votos pelo efeito de sinergia;
praticamente não éramos conhecidos nos campi. E, é claro, não usamos de
artifícios eleitoreiros, como loteamentos de cargos ou promessas populistas
e/ou que não pudessem ser cumpridas.
Fizemos uma
campanha modesta e apaixonada, assumida por valentes que acreditam no
verdadeiro papel da universidade. Tínhamos pouquíssimas pessoas na linha de
frente da campanha, mas com muito amor pelo projeto de uma Nova UFFS, e que
encontraram receptividade naquilo que chamamos de maioria silenciosa. Ou seja,
muitas pessoas da comunidade acadêmica tinham um desejo de mudança, e o desafio
foi mobilizá-las para votar.
A campanha foi
acirrada, e o resultado do embate das urnas demonstrou a igualdade (ou
proximidade) das forças, em que a chapa mais votada ficou com 33,5% dos votos e
a menos votada ficou com 18%. A Nova UFFS ficou em terceiro lugar, com 21,4%
dos votos. A chapa que encabeçou a lista tríplice teve 27,1%, ou seja, apenas
5,7% a mais que a nossa chapa, e isso com o apoio da máquina pública em quatro
dos nossos seis campi, onde eles tinham os diretores.
Não houve
ameaça durante a campanha, mas sofri retaliações, diferentemente dos demais
candidatos. Eu ocupava o cargo de pró-reitor de gestão de pessoas, e, no
primeiro dia útil após protocolarmos a inscrição da candidatura, fui exonerado
pelo reitor. Foi diferente com os demais candidatos que tinham cargos, eles
permaneceram em seus postos durante toda a disputa. Outros tipos de ameaça
durante a campanha, não aconteceram. Talvez porque poucos acreditavam que
poderia ser nomeado um segundo ou terceiro da lista.
Mas assim que a
campanha terminou, antes da nomeação, sofremos bastante pressão, por todos os
lados. A chapa mais votada no segundo turno, que encabeçou a lista tríplice,
chegou a comemorar a sua vitória com uma feijoada, com a participação de
membros da comissão eleitoral, que, em tese, jamais poderia se manifestar
contra ou a favor de alguma candidatura. Nós, porém, acreditamos na coerência
do sistema democrático representativo da República, e, por isso, havíamos
admitido durante a campanha que, se nomeados pelo Presidente, independentemente
de qual fosse a posição da nossa chapa na lista tríplice, assumiríamos. A
verdade é que, quem, com perfil conservador, se propõe a disputar a reitoria de
uma universidade pública, não pode ter medo de assédio ou qualquer outro tipo
de ameaça.
Logo após a
nomeação do senhor, a militância dificultou seu trabalho, ocupando a reitoria e
tentando evitar que o senhor cumprisse sua agenda. Como a situação foi
contornada?
A militância
dificultou o meu trabalho, e, de certo modo, ainda dificulta, porque,
aparentemente, é a única coisa que sabe fazer. Quando retornei de Brasília, da
cerimônia de posse, eu e minha família precisamos de escolta do aeroporto até
em casa, pela Polícia Federal, pois a comitiva preparou uma ‘recepção’
afrontosa, com gritos, faixas e cartazes. Eu não teria dificuldade de conversar
com eles, não tenho medo de diálogo e/ou enfrentamento com qualquer pessoa que
seja, mas não quis expor minhas filhas adolescentes e a minha esposa àquela
situação.
Ainda,
mobilizaram estudantes e os coletivos dos mais variados para invadir a
reitoria, impediram o acesso dos servidores, impondo restrições ao trabalho e
ao acesso, de modo vexatório aos nossos colegas servidores. Cartazes com nossas
fotos foram parar em vários lugares da cidade, como se fôssemos criminosos
procurados. Teve até outdoor. Para ter uma ideia, trabalhamos duas semanas em
local cedido pela AGU, antes de acessar o nosso espaço. Ainda, tentaram impedir
a composição da equipe de pró-reitores, secretários especiais, diretores e
demais cargos. Sempre que alguém era convidado a assumir algum cargo, era
exposto e ridicularizado.
A primeira vez
que estive na reitoria, fui hostilizado em um corredor polonês. Também o
pessoal da nossa equipe de gestão foi hostilizado. Nos assediaram
insistentemente nos espaços institucionais, houve muita desconstrução de
imagem, pois mentiam, manipulando os mais ingênuos do seu bando e fazendo-os
acreditar que, por exemplo, éramos contra a ciência, que éramos terraplanistas,
e outras besteiras mais. Depois tentaram uma destituição. Quando não
conseguiram obter os votos suficientes para aprovar a matéria no Conselho
Universitário, que exigia uma maioria qualificada de dois terços dos votos,
tentaram impor votação por maioria simples para mudar o resultado de uma
resolução já publicada.
Diante disso
tudo, tivemos que partir para o enfrentamento, inclusive judicialmente. Nossa
equipe de transição ingressou com pedido de reintegração de posse da reitoria,
que foi mediada pela Justiça Federal. Os pedidos de destituição foram
enfrentados com mandado de segurança, acolhido parcialmente ainda no ano
passado, e agora, recentemente, a sentença nos foi favorável. A Justiça Federal
reconheceu o desvio de finalidade da proposição de destituição. Respondemos
cada ataque e cada armadilha dessa oposição com trabalho e resultados. Nossos
passos se dão sempre pelo caminho da institucionalidade, e isso traz segurança
para todos.
O senhor
conseguiu cumprir suas metas até agora?
Algumas, sim,
conseguimos cumprir. Mas, no geral, ainda estamos trabalhando para alcançá-las,
pois foram projetadas para quatro anos de gestão. A verdade é que não tivemos
ainda nenhum mês “normal” de gestão. No início enfrentamos a invasão da
reitoria e o pedido de destituição. Daí tivemos o recesso de dezembro e férias
de janeiro. Conseguimos trabalhar em fevereiro na preparação do ano acadêmico e
para avançar na governabilidade, mas em meados de março fomos surpreendidos por
uma situação que praticamente paralisou o país, que, inclusive, suspendeu
temporariamente o calendário acadêmico na universidade.
O caráter
emergencial das atividades para a retomada do calendário suspenso apresentou
novas demandas para a universidade, as quais, naturalmente, receberam nossa
atenção. Mas estamos avançando nas metas. Como, por exemplo, no pilar da
infraestrutura e sustentabilidade, já aprovamos a construção de duas usinas
fotovoltaicas, e temos uma em vias de aprovação. Todas sem comprometer o
orçamento da universidade. Quando concluirmos essas obras, reduziremos o custo
anual de energia elétrica em aproximadamente R$ 1 milhão.
Quais são os
próximos passos até o fim do mandato?
Pretendemos
cumprir todos os compromissos assumidos durante a campanha. Mas, de modo
específico, nossos próximos passos terão foco no reposicionamento da relação da
universidade com a comunidade, valorizando o segmento produtivo, e nos
programas de melhoria de eficiência pública, especialmente nos indicadores de
qualidade e eficiência. Isso significa entregar à sociedade resultados
condizentes com as suas expectativas, com a modernização dos currículos e
projetos pedagógicos, desenvolvimento de pesquisas integradas com as
necessidades do entorno da instituição, e investimento em tecnologia e
inovação.
O senhor
ainda encontra resistência para fazer seu trabalho e implementar mudanças?
Toda pessoa que
deseja fazer o bem pelo nosso país encontrará resistência. Temos observado todo
um sistema, ideologicamente alinhado, que tomou conta das estruturas de muitas
instituições brasileiras, incluídas as universidades públicas. Eles têm um
pacto, “ninguém solta a mão de ninguém”, que, aparentemente, envolve até
financiamento entre os coletivos, sindicatos, partidos de determinado espectro
político, movimentos sociais, alguns segmentos da grande imprensa, etc.
Entendo que,
pela característica da universidade pública, tais grupos continuarão atuantes
e, de certo modo, é importante que tenham seu espaço para desenvolver seu
trabalho. Mas vejam, estou falando de trabalho. Não podem, de forma alguma,
utilizar das estruturas institucionais para impor agendas desalinhadas do
interesse público e/ou dos seus financiadores, que é a população brasileira. Ou
seja, não se pode desvirtuar a essência de ensino, pesquisa e extensão que nos
caracteriza. Com resistência ou não, a verdade é que as mudanças necessárias
serão implementadas na universidade pública brasileira, com liberdade
acadêmica, para o bem de todos nós.
Por Rodolfo
Haas / Conexão Política
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