Fraudadores usaram necessidade de respiradores para assaltar os cofres públicos. Kai Pfaffenbach/Reuters |
Operação que
apura atuação do governador do Pará, Helder Barbalho, deflagrada quarta-feira
(10), tem similares em vários pontos do país
A operação da
Polícia Federal (PF) deflagrada quarta-feira (10) no Pará, que investiga
supostas fraudes na compra de respiradores, essenciais para o tratamento de
vítimas em estado grave da covid-19, dá sequência a uma série de ações
similares vistas em vários pontos do país desde o início da pandemia.
Para ser
preciso, quinze Estados e o Distrito Federal apuram irregularidades no uso de
verbas que deveriam ser destinadas ao combate à pandemia.
A urgência da
situação sanitária, com o avanço do número de infectados pelo novo coronavírus,
fez com que o Congresso Nacional aprovasse uma medida provisória do governo
federal que dispensava licitação, durante o período de calamidade pública, na
compra de equipamentos necessários para o combate aos casos da covid-19.
Assim, ficou
mais fácil e rápido a governadores e prefeitos de todo o Brasil adquirir
máscaras, luvas, álcool gel, ventiladores pulmonares (respiradores) e outros
itens hospitalares. Porém, como um ônus à medida, também abriu-se uma brecha
para falcatruas.
Prepare-se
para a guerra
No Pará, um dos
alvos da Operação
"Para Bellum" (prepare-se para a guerra, em latim) é o
governador do Estado, Helder Barbalho (MDB), que não é o único chefe de Estado
suspeito. No Rio, acontece o mesmo com Wilson Witzel (PSC), e, em Santa
Catarina, Carlos Moisés (PSL) também faz parte da investigação.
Barbalho
assinou a compra dos equipamentos no valor de R$ 50,4 milhões ao Pará. Desse
total, metade do pagamento foi feito de forma antecipada à empresa fornecedora,
a SKN
do Brasil.
Os
respiradores, além de demorarem para chegar, mostraram-se inúteis porque eram
de um modelo diferente do contratado e não serviam para o tratamento da covid-19.
Foram
devolvidos, mas o estrago já estava feito. Em nota, o governo disse que os
cofres foram ressarcidos e a empresa, processada.
O relator do
caso no Ministério Público Federal (MPF), ministro Francisco Falcão, autorizou
ainda o bloqueio de R$ 25 milhões do governador e de outros sete envolvidos.
No Rio, um
alerta ignorado
No Rio de
Janeiro, a Operação
Placebo, da PF, chegou no dia 26 de maio ao Palácio das Laranjeiras,
residência oficial do governador Wilson Witzel.
As suspeitas e
o desgaste na imagem de Witzel levaram a Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro a abrir ontem o processo
de impeachment do governador.
A suspeita,
levantada pela Polícia Civil, com ajuda do Ministério Público Estadual e o
Ministério Público Federal (MPF), era de um esquema montado entre integrantes
do governo, principalmente da área de saúde, e a organização social Iabas
(Instituto de Atenção Básica e Atenção à Saúde) para desviar recursos públicos
destinados à instalação de hospitais de campanha.
Witzel não pode
nem declarar que não sabia que o contrato lhe traria dores de cabeça. Conforme
o R7 revelou, a
Procuradoria Geral do Estado o alertou em abril sobre o risco de
problemas.
O governo não
só ignorou o parecer como, além de manter o contrato integral com o instituto
para construir e administrar sete hospitais de campanha, pagou antecipadamente
oito vezes mais que o valor previsto.
O Iabas deveria
receber de forma antecipada pouco mais de R$ 8 milhões, ou cerca de 1% do total
das obras. Mas antes do início das obras, o governo já havia dado quase R$ 70
milhões ao instituto.
No início de
junho, Witzel
rompeu o contrato com o Iabas e fez uma denúncia contra a empresa,
ao afirmar que ela estava importando carrinhos de anestesia em vez de respiradores.
O Iabas, por
sua vez, alegou que a administração pública tinha conhecimento dos equipamentos
comprados. E que já havia decidido encerrar o contrato porque em 40 dias o
governo fez mais de 20 mudanças nos projetos.
CPI aberta
em Santa Catarina
A desconfiança
com a utilização de verbas públicas para a contenção da doença levou à abertura
de uma CPI
(Comissão Parlamentar de Inquérito) em Santa Catarina.
A CPI investiga
a compra emergencial de 200 respiradores, com o pagamento antecipado de R$ 33
milhões (R$ 165 mil a unidade). Uma força-tarefa investiga suspeitas de fraude,
uso de laranjas e superfaturamento. Dois secretários estaduais já deixaram os
cargos desde que surgiram as denúncias.
O governador
Carlos Moisés passou a ser investigado com a divulgação de que no final de
março fez a compra de respiradores de uma outra empresa por R$ 70 mil cada,
menos da metade do gasto nos contratos alvo da comissão parlamentar.
Farra na
Região Norte
Além da
operação no Pará, quarta-feira, os agentes da PF foram a mais três Estados do
Norte do país no mesmo dia: Acre, Amazonas e Rondônia. Amapá e Roraima
completam a lista de denúncias da região.
No Acre, 46
agentes da PF dois mandados de prisão temporária e sete de busca e apreensão em
endereços de envolvidos em uma manobra irregular para a compra de máscaras e
álcool em gel pela Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco, capital do
Estado. Seis pessoas foram intimadas para prestar esclarecimentos.
Segundo a
investigação, mais de 70 mil litros de álcool em gel e quase 1 milhão de
máscaras foram comprados pelo preço de R$ 7 milhões com um esquema fraudulento
de superfaturamento que envolvia uma simulação forjada de pesquisa de preços e
falsidade na assinaturas da empresa contratada.
Em Manaus (AM),
na Operação Apneia, os policiais cumpriram 14 mandados de busca e apreensão
atrás de provas de que foi criminosa escolha da empresa responsável pela
entrega de respiradores ao Amazonas.
O Ministério
Público diz ainda que encontrou indícios de que os aparelhos foram adquiridos
por preços superfaturados.
O Tribunal de
Contas local já apontou sobrepreço na compra de 28 respiradores que a
Secretaria Estadual de Saúde (Susam) adquiriu da empresa FJAP Cia Ltda.
Em abril, a
Corte determinou que a Susam suspendesse o pagamento, no valor de R$ 2,97
milhões, e buscasse o ressarcimento de quantias pagas a mais. Além disso,
recomendou que a secretária de Saúde, Simone Papaiz, fosse afastada do cargo.
Mas isso não ocorreu.
O Governo do
Amazonas nega irregularidade e diz que os equipamentos foram adquiridos abaixo
do preço de mercado.
Em Rondônia,
foram cumpridos dois mandados de prisão temporária e 15 de busca e apreensão na
Operação Dúctil, que apura a suspeita de fraudes na aquisição emergencial de
materiais e insumos médicos e hospitalares para as unidades de saúde do Estado.
No Amapá,
investigações da PF, ao lado da MPF e CGU (Controladoria Geral da União),
apontaram fortes indícios de superfaturamento na aquisição de equipamentos de
proteção individual, em pelo menos seis dos 15 itens comprados pelo Fundo
Estadual de Saúde do Amapá (FES).
Alguns valores
eram descaradamente mais altos. Algumas máscaras chegaram a custar 814% a mais
do que as fornecidas por outras empresas.
Em Roraima, 30
respiradores comprados pela Secretaria de Saúde custaram R$ 6 milhões
levantaram a suspeita de fraude. O valor foi pago antes mesmo de o Estado
receber a entrega.
A Polícia Civil
de Roraima vasculhou cinco departamentos da Secretaria no início de maio em
busca de documentos para a investigação.
Empresa
fantasma no Recife
Em Pernambuco,
uma elaborada estratégia foi traçada para fornecer ventiladores pulmonares à
Prefeitura de Recife.
Segundo as
investigações da PF, empresas com débitos com a União superiores a R$ 9 milhões
e que não poderiam, portanto, fechar qualquer acordo com a administração
municipal, utilizaram uma microempresa fantasma para firmar contratos de R$ 11
milhões com a Prefeitura de Recife.
A empresa
chegou a fornecer 35 respiradores, mas o contrato foi desfeito no dia 22 de
maio, um dia após notícias sobre as irregularidades serem divulgadas.
A operação
descobriu que apenas 25 respiradores estavam nos depósitos municipais, sem uso,
e há a suspeita de que os outros tenham sido revendidos.
Máscaras de
grife, ventiladores e hospital no estádio
No Maranhão, a
suspeita é de superfaturamento
de R$ 2,3 milhões na compra de 320 mil máscaras cirúrgicas pela
Secretaria Municipal de Saúde da capital, São Luís.
Segundo a
Controladoria Geral da União, o Maranhão contratou duas empresas sem capacidade
técnica necessária e comprovada para fornecer as máscaras e uma delas ainda
estaria em nome de laranjas.
Também por
temor de superfaturamento na compra de máscaras ocorreu em Tocantins uma
operação no dia 3 de junho. Doze mil unidades foram adquiridas por R$ 35 cada,
um valor exorbitante considerando-se que concorrentes da empresa escolhida
ofereciam-nas por cerca de R$ 2.
Em Fortaleza
(CE), o prefeito Roberto Cláudio (PDT) teria pagado até quatro vezes mais que o
preço médio nacional em respiradores. Oito
mandados de busca e apreensão foram cumpridos na Operação Dispneia
no fim de maio em empresas e órgãos públicos da cidade e em São Paulo.
A empresa
contratada para fornecer os ventiladores não teria condições técnicas de
cumprir o contrato.
Em Brasília
(DF), O Ministério Público e a PF fizeram em 15 de maio a Operação Gabarito
para investigar supostas irregularidades na construção do hospital de campanha
do estádio Mané Garrincha.
A obra foi
contratada com dispensa de licitação e teria custado um valor que chamou a
atenção dos órgãos de controle: R$ 79 milhões.
Equipamentos
que não chegam
Em São Paulo, o
Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou a investigação de irregularidades
por por parte do governo do estado de São Paulo na compra sem licitação de 3
mil respiradores da China ao valor de R$ 550 milhões para o combate à pandemia
do coronavírus.
A apuração do
TCE foi determinada a partir de uma denúncia do senador Major Olímpio (PSL-SP),
que pediu à Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo os documentos referentes
ao contrato emergencial para a compra dos aparelhos.
O governador
João Doria (PSDB) negou qualquer irregularidade e falou que se viu obrigado a
procurar a China porque o governo federal ficou de entregar ao Estado 14.100
respiradores e só havia entregue 56.
O Ministério
Público da Bahia (MP-BA) instaurou procedimento preparatório de inquérito civil
para apurar a possibilidade de irregularidades na compra de respiradores pelo
governo do Estado e prefeitura de Salvador.
No início do
mês de junho, após denúncias do Consórcio Nordeste, criado com o intuito de
fornecer os ventiladores pulmonares aos nove estados da região, a polícia
baiana deflagrou a Operação
Ragnarok, que cumpriu três mandados de prisão e 15 de busca e apreensão
em Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e no Distrito Federal, contra uma
quadrilha que fraudou a venda dos equipamentos hospitalares.
Os estados
nordestinos pagaram quase R$ 49 milhões por 300 respiradores, que não foram
entregues.
Leilão
viciado
No dia 4 de
junho, a PF de Mato Grosso do Sul cumpriu cinco mandados de busca e apreensão
para apurar crime contra a economia popular em cotação eletrônica efetuada pela
Polícia Rodoviária Federal (PRF) do Estado.
A PRF-MS queria
garantir a prevenção de seus agentes contra o novo coronavírus, anunciou a
intenção de comprar 100 mil máscaras, mas percebeu que todas as empresas que
ofereceram os itens de higienização e proteção utilizavam preços muito acima do
mercado. A PF foi informada e deu-se início à operação TNT.
Segundo o
órgão, máscaras que eram comercializadas por R$ 0,12 a unidade, foram
oferecidas por até R$ 20.
Marcos
Rogério Lopes, do R7
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