A imagem despojada, de boné e jaqueta, e uso de militares são marcas de Bukele. Rodrigo Sura / EFE - arquivo |
Ele já se
autoentitulou o "presidente mais bonito do mundo". Tirou
uma selfie antes de discursar na Assembleia Geral das
Nações Unidas. Colocou militares dentro do Parlamento para forçar a
aprovação de um projeto de lei. Agora, aproveita a pandemia do novo
coronavírus para tentar consolidar seu poder.
Nayib Bukele,
38, presidente de El Salvador, é uma das autoridades mundiais mais controversas
da atualidade. Suas medidas ajudaram o país a ter alguns dos números mais
baixos de contaminações e mortes por covid-19 no continente, mas podem comprometer
a frágil democracia salvadorenha.
Na madrugada
deste domingo (17), ele passou por cima do Congresso do país e decretou, sem
votação, a ampliação do estado de emergência por conta da pandemia por mais 30
dias. A medida pode ampliar ainda mais uma crise entre os poderes.
Houve
especulação de que o governo poderia decretar um estado de exceção para não
precisar de aprovação parlamentar, mas o secretário de Justiça negou. A queda
de braço entre os poderes deve continuar durante a semana. Bukele conta com
apenas 10 dos 84 votos do Legislativo e precisa negociar.
Antes dominada
por dois grupos que se enfrentaram durante 12 anos de guerra civil e depois se
alternaram no poder durante quase três décadas, a cena política de El Salvador
foi sacudida com a subida de Bukele ao poder. Fora dos grupos tradicionais, ele
venceu a eleição de 2019 no primeiro turno.
De cara,
mostrou sua face 'folclórica', como quando disse que era o presidente
"mais bonito do mundo" e quando tirou uma foto de si mesmo no púlpito
da ONU, em setembro do ano passado. Essa atitude pitoresca, no entanto, não
iria durar muito.
Militares armados nas ruas se tornaram comuns no país.Rodrigo Sura / EFE - 30.4.2020 |
Em fevereiro,
antes mesmo da pandemia, ele chocou o país ao colocar militares dentro do
prédio do Parlamento, numa tentativa de intimidar os congressistas a aprovar o
orçamento de seu plano de segurança nacional.
Prisões
ilegais
Semanas depois,
quando o coronavírus começava a chamar a atenção nos EUA, ele fechou
imediatamente a fronteira, decretou uma quarentena obrigatória em todo o país e
ordenou que policiais e militares prendessem todo e qualquer cidadão que fosse
pego nas ruas. A justificativa é que o governo não teria condições para fazer
os testes na quantidade necessária.
O projeto
previa que essa violação fosse punida com um mês de detenção, mas na prática
colocou pessoas comuns em centros que já estavam previamente lotados e sem
condições sanitárias para prevenir que as pessoas presas por violar a
quarentena fossem expostas ao coronavírus lá dentro. Ninguém fazia exames antes
de entrar, nem do lado de dentro. Não tardou para começarem as mortes.
Em meados de
abril, segundo a Human Rights Watch, havia nesses centros mais de 4,2 mil
pessoas. Nos locais, detidos por violar a quarentena obrigatória dividiam
espaço com outros que vinham do exterior e tinham suspeita de ter contraído a
covid-19, sem água, comida, remédios ou atendimento médico. Além disso, a
medida era um decreto presidencial que não passou pelo Parlamento.
Contra a
Sala Constitucional
A Sala
Constitucional (Suprema Corte do país) emitiu uma decisão proibindo essas
prisões, no fim de março, e Bukele decidiu ignorá-la. No mês passado, quando o
tribunal reforçou a proibição, ele reclamou publicamente e disse que estava
"salvando a vida dos salvadorenhos", mas reduziu as prisões.
Presos foram colocados amontoados nas celas. Rodrigo Sura / EFE - 27.4.2020 |
"Bukele
age como se a pandemia da covid-19 justificasse a remoção do papel crítico da
Suprema Corte como fiscal dos abusos de direitos pelo Poder Executivo",
criticou Jose Miguel Vivanco, diretor das Américas na Human Rights Watch, no
Twitter. "No mundo dele, ele decide quem é culpado ou inocente".
Para piorar, no
fim de abril houve um aumento no número de homicídios em Salvador, que vinha em
queda nos meses anteriores, com 60 pessoas mortas em um fim de semana. A reação
do governo de Bukele foi brutal. Em diversas prisões do país, membros de gangue
foram fotografados juntos e sem proteção contra a covid-19.
O presidente
deu ordem aos militares e policiais para usar força letal contra quem fosse
necessário e colocou os membros de gangues rivais em celas conjuntas. Além
disso, diante do boato de que as ordens para os assassinatos teriam vindo de
dentro dos presídios, mandou que as portas das celas fossem tapadas e que os
prisioneiros passassem 24 horas por dia sem sequer ver a luz do sol.
Cerco a La
Libertad
Também em
abril, Bukele mandou que o exército e a polícia cercassem a cidade de La
Libertad, a cerca de 30km da capital, San Salvador, para obrigar que o comércio
fechasse e as pessoas não pudessem sair para a rua. Foram registradas dezenas
de queixas por violência policial.
É muito comum
que o presidente salvadorenho nem ao menos publique um decreto formal de suas
ordens. No caso de La Libertad, ele mandou, pelo Twitter, que os militares
fossem até a cidade. Isso após ver um vídeo com lojas abertas e pessoas nas
ruas. As imagens, assim como as respostas dos subordinados foram todas
veiculadas pela mesma rede social.
A abordagem de
Bukele gerou protestos da oposição, conseguiu unir contra ele os dois partidos
que passaram décadas sem conseguir negociar nada em conjunto (o Arena, de
direita, e o FNMR, de esquerda), e fez com que ele perdesse o apoio de vários
empresários que o ajudaram na campanha e agora se afastaram.
Desgaste
para o presidente
Com bandeiras brancas, moradores de San Salvador pedem ajuda. Rodrigo Sura / EFE - 12.5.2020 |
Presidentes de
associações de comércio e indústria deixaram, nas últimas semanas, um conselho
criado pelo presidente, que supostamente iria supervisionar os gastos
emergenciais durante a pandemia. Em uma carta, eles alegaram que os recursos
não são usados adequadamente, que o governo toma decisões unilaterais e
rejeitaram o uso de militares para conter quem rompe o isolamento, além do
desrespeito à Justiça.
Por enquanto, o
presidente ainda tem boa aprovação popular e El Salvador tem apenas 1.112 casos
confirmados de covid-19 e 20 mortes. Com cerca de 6 milhões de habitantes, é
aparentemente um bom resultado para a brutal quarentena à qual os salvadorenhos
estão submetidos, mas pode ser fruto da subnotificação. Menos de 50 mil
diagnósticos foram feitos no país.
Mas os sinais
de desgaste já começam a aparecer. Em comunidades de San Salvador, moradores
estão pedindo socorro om bandeiras brancas nas portas e janelas, porque os alimentos
estão se esgotando e eles não têm como comprar mais. Salvadorenhos de classe
média já começam a fazer panelaços e apitaços contra as medidas de governo e o
desemprego, que continua crescendo.
Bukele surgiu
apontando que levaria o país para o futuro, mas sua preferência pelo uso da
força pode levar El Salvador de volta para um passado sombrio, que muitos
achavam ter se encerrado.
Fábio
Fleury, do R7
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