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Images Camacho foi recebido e aclamado em La Paz
por agricultores, indígenas e produtores de
coca
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"A Bíblia
vai voltar ao Palácio do Governo". Cercado pela multidão, Luis Fernando
Camacho repetiu essa frase durante as últimas três semanas.
Seis meses
atrás, poucos na Bolívia conheciam esse líder da oposição de 40 anos,
mas hoje ele é um dos principais protagonistas da mobilização que forçou a
renúncia de Evo Morales no domingo (10/11).
Evo decidiu
sair horas depois de o comandante das Forças Armadas da Bolívia, general
Williams Kaliman, declarar que o presidente deveria deixar o cargo, no intuito
de resolver o impasse da crise política que assola o país desde as controversas
eleições presidenciais, em 20 de outubro.
Nas eleições,
que tiveram denúncias de fraudes a favor de Evo, Camacho não se candidatou. No
entanto, ele conseguiu entrar no antigo Palácio do Governo, em La Paz, e
depositou uma Bíblia em cima da bandeira boliviana alguns minutos antes do
anúncio da renúncia do presidente.
Gestos como
esse e suas constantes menções ao "poder de Deus" não passaram
despercebidos no país e, em meio a uma enorme crise política, Camacho já foi
chamado de "Bolsonaro boliviano", em referência ao presidente do
Brasil e seus discursos de cunho religioso.
Camacho é um
político que diz não fazer política. Conservador e ao mesmo tempo carismático,
ele é proveniente das elites empresariais. Toda vez que se dirige às multidões
que o apoiam, ele faz uma "oração ao Todo-Poderoso".
'O presidente'
Camacho atua
como presidente do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, uma entidade que, na cidade
mais populosa da Bolívia, Santa Cruz de la Sierra, é chamada de "governo
moral". Nos últimos anos, a cidade se transformou em uma espécie de
quartel-general da oposição a Evo.
Durante as
últimas três semanas de protestos em todo o país, o líder da oposição foi
apresentado em Santa Cruz como "o presidente".
Filho de
empresários, o esforço de Camacho para obter reconhecimento nas instituições de
Santa Cruz foi rápido, assim como sua irrupção no cenário nacional.
Em sua última
aparição na cidade, em um dos vários conselhos organizados contra Evo Morales,
Camacho entrou em cena acompanhado de uma imagem da Virgem Maria e com uma cruz
como pano de fundo.
Os comitês
cívicos da Bolívia reúnem diferentes setores das principais cidades do país,
incluindo empresas, sindicatos e comunidades.
Essa oposição
centralizada em Santa Cruz foi uma constante dor de cabeça para Morales em seus
13 anos, nove meses e 18 dias de mandato..
O mais radical
Quando as
eleições na Bolívia começaram a ser questionadas por múltiplos setores da
sociedade, o ex-presidente e candidato Carlos Mesa era considerado o principal
nome do meio político para mobilizar a oposição a Evo.
A princípio,
todos os grupos bolivianos de oposição e detratores de Evo se alinharam com a
reclamação de Mesa sobre possíveis fraudes nas eleições.
Na noite do
pleito, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) suspendeu a transmissão da contagem
dos votos com 83% das urnas apuradas, quando o resultado indicava segundo turno
entre Morales e Mesa.
No dia
seguinte, o sistema de contagem de votos, chamado Transmissão de Resultados
Eleitorais Preliminares (TREP), foi subitamente reativado com 95% das urnas
apuradas, indicando uma vitória apertada de Morales já no primeiro turno.
As suspeitas
suscitadas pela interrupção da divulgação da contagem dos votos e a súbita
guinada na tendência do resultado levaram a oposição a denunciar uma
"fraude escandalosa".
Até as missões
de observação eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da União
Europeia pediram um segundo turno das eleições presidenciais.
Enquanto parte
da oposição pedia um segundo turno, Camacho aumentou a aposta.
O líder civil
passou a reivindicar a renúncia de Evo. Muitos nomes da oposição, incluindo
apoiadores de Mesa, criticaram o "radicalismo" de Camacho,
acreditando que seria impossível pressionar Evo até uma renúncia.
Uma cruz em La
Paz
Após o ultimato
e a elaboração inédita de uma carta de demissão "para Evo Morales
assinar", Camacho anunciou que chegaria a La Paz para entregar o documento
ao governo.
Quase três dias
de suspense cercaram a tentativa do líder da oposição até que ele finalmente
pousou na capital.
Milhares de
pessoas o receberam no aeroporto na quarta-feira e, um dia depois, ele foi a
estrela de cenas raramente vistas na história da Bolívia.
Camponeses,
produtores indígenas e produtores de coca receberam Camacho e o aplaudiram de
forma entusiasmada.
Santa Cruz de
La Sierra historicamente desempenhou um papel de contrapeso político contra o
povo de La Paz, cidade mais ligada a Evo. Esse antagonismo causou atritos
regionais que marcaram a agenda do país em mais de uma ocasião.
Dessa vez, e
apesar de seu discurso conservador, Camacho abraçou mulheres e aceitou um colar
feito com folhas de coca.
Por outro lado,
o apelido que ele recebeu de grupos de apoio, "Macho Camacho", acabou
sendo repudiado por organizações sociais e coletivos feministas, que o chamam
de misógino e ultradireitista.
O 'Bolsonaro
boliviano'
"Como
outros representantes da nova direita regional, como o presidente brasileiro
Jair Bolsonaro, Camacho usa um discurso com forte teor religioso", diz a
jornalista Mariela Franzosi.
Em uma análise
sobre Camacho, ela afirma que o líder usa "um discurso que, embora tente
associar à paz e unidade do povo boliviano, acaba sendo repleto de racismo,
ódio de classe e provocações".
Julio Cordova,
sociólogo boliviano especializado em movimentos evangélicos, disse que Camacho
"legitima sua posição autoritária com o discurso religioso no estilo
Bolsonaro".
O pesquisador
argumenta que o líder civil é "uma expressão da direita protofascista
boliviana".
Em seu momento
de vitória, minutos após a renúncia de Morales, ele voltou a mostrar um
crucifixo nas mãos.
Camacho diz que
não será candidato à Presidência e que, quando terminar sua liderança no âmbito
civil, ele retornará aos seus negócios particulares.
Mas, neste
momento na Bolívia, é difícil esconder que um novo líder popular de direita
surgiu às margens da esquerda que governou o país por 13 anos.
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