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Sem marqueteiros, recursos, alianças relevantes e contando com uma estrutura
improvisada, ex-capitão deixou rivais milionários para trás e virou de cabeça
para baixo receita de sucesso das campanhas presidenciais.
Quatro anos
após a campanha presidencial mais cara da história, em que centenas de milhões
de reais de empresas irrigaram as duas principais candidaturas da disputa, o
vencedor do pleito de 2018 é um candidato que não contou com marqueteiro, tempo
relevante de TV, estrutura partidária e que declarou ter arrecadado apenas 2,5
milhões de reais em sua campanha.
Jair Bolsonaro
(PSL) marcou o início de uma nova era nas campanhas presidenciais brasileiras,
em que a estrutura partidária, a figura dos marqueteiros milionários e o tempo
de TV perderam importância, e as redes sociais passam a ter um papel central na
eleições – seja para divulgar candidaturas ou para espalhar mentiras sobre os
adversários.
Some-se isso ao
fato de que o próprio candidato foi considerado por anos um pária entre o
establishment político e esteve ausente de atos públicos de campanha por quase
dois meses, após levar uma facada no início de setembro, e se pode concluir que
Bolsonaro conduziu uma das campanhas improvisadas mais bem-sucedidas em relação
aos recursos disponíveis da história das eleições presidenciais desde a
redemocratização.
"Sem
grande partido, sem fundo partidário, sem tempo de TV, mas tendo a verdade e a
sinceridade, desbancamos figurões que achavam que, fazendo parcerias e acordos
com grandes partidos, via televisão, ganhariam a eleição", disse o próprio
Bolsonaro no final do primeiro turno.
Ao vencer,
Bolsonaro subverteu o que pelas últimas décadas vinha sendo considerada a
receita para o sucesso em uma campanha presidencial. Primeiro, ele se filiou a
uma sigla at[e então nanica, o PSL, que não contava com capilaridade pelo país
e recursos relevantes. Seu tempo de TV no primeiro turno também foi raquítico:
apenas oito segundos –bem atrás dos 2 minutos e 23 segundos da chapa liderada
pelo PT e dos mais de cinco minutos do PSDB.
A sigla também
só conseguiu fechar uma aliança, com o também inexpressivo PRTB, de Levy
Fidelix. Nos pleitos presidenciais entre 1989 e 2014, todos os candidatos
vitoriosos contaram com o apoio de uma ou mais siglas de peso em suas chapas.
Mesmo no segundo turno, Bolsonaro também seguiu solitário em comparação com os
vencedores de eleições anteriores. Nenhum dos 11 candidatos derrotados na
primeira rodada declarou apoio ao capitão reformado.
Na sua última
prestação de contas, o candidato do PSL declarou ter arrecadado 2,5 milhão de
reais. Deste valor, 2,1 milhão tem como origem plataformas de financiamento
coletivo na internet, que são uma das novidades desta eleição. Fernando Haddad
(PT), seu adversário no segundo turno, por exemplo, recebeu 31 milhões do PT –
verba que veio principalmente do fundo público de campanhas.
Os gastos
oficiais de Bolsonaro nos dois turnos alcançaram até agora 1,7 milhão de reais.
De verba da sua sigla, que tem como origem principal os fundos partidário e de
campanhas, o candidato contou com apenas 339 mil reais.
Esse quadro
ainda deve sofrer alterações, mas os gastos de campanha de Bolsonaro também
contrastam com o que foi declarado por candidatos que foram derrotados ainda no
primeiro turno. Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, que obteve menos de 5% dos
votos válidos, declarou ter gasto cerca de 53 milhões de reais.
Fernando Haddad
(PT), por sua vez, declarou despesas contratadas de 34,4 milhões de reais –
combinadas com os gastos iniciais do ex-presidente Lula, que teve a candidatura
barrada em setembro, o valor gasto chega a 53,3 milhões de reais.
A própria
campanha de Bolsonaro admitiu que sua estrutura era amadora. Sem contar com
marqueteiro, as principais decisões foram tomadas pelo próprio candidato, pelos
seus filhos e pelo presidente em exercício do PSL, Gustavo Bebianno. Desde que
recebeu alta, no final de setembro, Bolsonaro comandou a campanha de casa, no
Rio de Janeiro. No local, recebeu políticos e figuras da sociedade civil que
declararam apoio. O tom informal dos encontros lembrou mais o de uma campanha
para vereador ou deputado do que o de uma corrida presidencial.
Após o ataque,
Bolsonaro também não viajou mais pelo país. Ele se deslocou no máximo no Rio de
Janeiro para gravar vídeos da sua campanha na TV e para prestar um depoimento à
Polícia Federal - outro contraste com candidatos à Presidência que normalmente se
deslocam milhares de quilômetros pelo país durante a campanha.
Sem contar com
os recursos milionários de outros candidatos e o tempo de TV, Bolsonaro se
voltou para táticas mais espartanas para fazer campanha, como o financiamento
coletivo e as redes sociais.
Foram as redes
sociais que se revelaram o pilar central da campanha do militar da reserva.
Muito antes de a campanha começar, Bolsonaro já era o pré-candidato com mais
curtidas no Facebook e contava com dezenas de páginas de apoio, várias delas em
tom humorístico que divulgam ataques contra a esquerda. Seu perfil nesta rede
tem 7,9 milhões de seguidores. Haddad só contava com 1,7 milhão neste domingo.
Uma pesquisa do
Datafolha mostrou que os eleitores de Bolsonaro também são aqueles que mais
usam redes sociais. Neste grupo, 81% participam de alguma rede social. O número
está acima dos 59% que disseram apoiar Fernando Haddad.
Ainda de acordo
com o Datafolha, os eleitores de Bolsonaro também se informam mais sobre
política e eleições pelo Whatsapp do que em relação a apoiadores de outros
candidatos. O percentual dos apoiadores que usam o Whatsapp para ler notícias
chega a 57%. No caso de Haddad, o índice é de 38%. Os brasileiros que usam a
plataforma somam mais de 120 milhões de usuários.
As redes de
Whatsapp que apoiam Bolsonaro se estruturaram especialmente durante o processo
de impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e da greve dos caminhoneiros em 2018.
Até agora, pesquisadores têm encontrado dificuldade para determinar se elas são
administradas por membros diretos da campanha de Bolsonaro ou por voluntários.
Pouco mais de
uma semana antes do segundo turno, o jornal Folha de S.Paulo revelou que
empresários que simpatizam com causas de extrema-direita financiaram
ilegalmente mecanismos de impulso de publicações em redes sociais de apoio a
Bolsonaro ou que atacavam adversários do ex-capitão.
Segundo o
jornal, alguns desses contratos alcançaram até 12 milhões de reais. Uso de
caixa 2 em campanhas presidenciais não é uma novidade. Neste caso, o fato novo
é que a suspeita é de que foi direcionado especialmente para a redes sociais -
ao contrário de candidatos de eleições passadas que canalizaram a maior parte
dos recursos para a televisão ou ferramentas de campanha mais tradicionais.
Os apoiadores
de Bolsonaro também transformaram as redes em um terreno fértil para a
propagação de boatos e mentiras sobre os candidatos, especialmente os
adversários de Bolsonaro – elevando a estratégia de campanha negativa a uma
nova escala desde a redemocratização.
A família do
candidato não pareceu demonstrar nenhum problema com esse tipo de tática suja,
e atuou até mesmo na propagação de mentiras em outras redes, como o Twitter e o
Facebook. Dois filhos do candidato, por exemplo, chegaram a reproduzir em suas
contas uma informação falsa de que Haddad teria sido o criador de um "kit
gay" para distribuição em escolas quando era ministro da Educação. Um dos
filhos de Bolsonaro chegou a ter sua conta no Whatsapp suspensa por suspeita de
"comportamento de spam" na divulgação de mensagens.
Essa linha de
ataques também permitiu que Bolsonaro desviasse a atenção do tom vago das suas
propostas para a área econômica e social do país. Nesse ponto, não foi
diferente da sua atuação em quase três décadas no Congresso. Desde 1990, ele só
conseguiu aprovar dois projetos. Durante sua carreira legislativa, ele se
notabilizou – e ganhou popularidade – sobretudo, pelos embates com colegas da
Câmara e por declarações bombásticas – várias delas de tom machista, homofóbico
e racista.
Jean-Philip
Struck
DW
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