© Cláudio
Kbene Analistas dizem que teria sido melhor
se Haddad
tivesse se lançado como candidato mais cedo
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Na reta final
do período eleitoral, a campanha do PT conseguiu reduzir a diferença entre os candidatos Fernando
Haddad e o adversário Jair Bolsonaro (PSL). Ainda assim, não foi
o bastante para evitar a vitória do candidato do PSL.
Em discurso
após a derrota, Haddad disse que o partido precisa "se reconectar com as
bases, com os mais pobres, para retecer um plano."
A BBC News
Brasil conversou com cientistas políticos e um marqueteiro para levantar
possíveis erros da campanha que podem ter colaborado para a derrota.
Entre os
principais problemas citados estão o fato de não ter sido criada uma frente
única de esquerda, a demora para lançar Haddad e a aposta na candidatura do
ex-presidente Lula, hoje preso em Curitiba por corrupção e lavagem de dinheiro.
Além disso, foram citados o papel das redes sociais e do WhatsApp, mudança de
discurso do primeiro para o segundo turno e a autocrítica tímida e tardia que
Haddad fez na reta final.
Frente com
outros partidos fracassou
Jaques Wagner,
ex-governador da Bahia, senador eleito e coordenador da campanha de Haddad,
defendia que o candidato da esquerda fosse Ciro Gomes (PDT), mas a
proposta não deu certo. Wagner disse que sempre defendera um acordo com Ciro
pois a campanha de Bolsonaro se resumia a uma postura contra o PT. "O que
eles têm a dizer? É anti-PT. É anti-PT".
Antes da prisão
de Lula, informações de bastidores davam conta de que o próprio Haddad defendia
uma frente de esquerda, mesmo sem candidato próprio do PT. No entanto, com a
prisão, essa ideia se desfez, pois o foco do partido passou a ser a defesa
pública do ex-presidente.
No segundo
turno, o candidato do PT tentou compor uma frente com Ciro, Marina Silva (Rede)
e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas as conversas não
avançaram. Fernando Henrique se manteve neutro, Marina declarou voto crítico na
reta final e o PDT disse que daria apoio crítico a Haddad. Ciro se manifestou
repetidas vezes contra Bolsonaro em redes sociais, mas sem mencionar Haddad.
Ao declarar
"apoio crítico" ao PT, Marina disse que o partido "mantém o jogo
do faz de conta do desespero eleitoral, segue firme no universo do marketing,
sem que o candidato inspire-se na gravidade do momento para virar a própria
mesa, fazer uma autocrítica corajosa e tentar ser o eixo de uma alternativa
democrática verdadeira".
Autocrítica foi
tímida e veio tarde
Para o
cientista político Claudio Gonçalves Couto, da FGV, o partido deveria ter
reconhecido que membros estiveram envolvidos com corrupção anos antes da
eleição. "A campanha foi apenas o ponto culminante desse erro", diz
ele.
Pensador ligado
à esquerda, mas forte crítico do PT, o filósofo Ruy Fausto acha que Haddad deu,
no final da campanha, passos importantes em direção a um mea culpa, mas uma
autocrítica mais incisiva poderia ter reforçado sua candidatura.
"Teria que
admitir que no governo do PT houve, sim, corrupção, e se apresentar como
herdeiro do lado bom, e não do lado ruim. Houve promiscuidade entre o governo e
o poder econômico. É melhor que ele diga. Mas o partido não quer que ele diga,
porque quer alimentar o mito do Lula".
"Somado,
foi tudo muito tardio, e também insuficiente", diz ele.
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Ilustração: Kako Abraham/BBC A presidente do PT, Gleisi Hoffmann,
disse em
entrevista coletiva que, na avaliação dela, o partido subestimou
o papel do
WhatsApp na campanha eleitoral.
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Ambos citam
também como exemplo a forma como o candidato tratou o tema da Venezuela.
"Há um fetichismo na esquerda de não criticar governos apenas porque eles
são de esquerda", diz Couto.
"Quando a
Gleisi Hoffmann (presidente do PT) defende Nicolás Maduro (presidente da
Venezuela), é um desastre para a campanha", afirma Fausto. "É uma
arma na mão da direita. Alimenta a ideia de que o Brasil vai virar uma
Venezuela, quando não tem o menor risco de isso acontecer com o Haddad",
opinou em entrevista à BBC News Brasil.
Paulo de Tarso
Santos, que já foi responsável pelo marketing de campanhas do PT e de Marina
Silva, acha que fazer essa autocrítica no programa de televisão poderia ter
melhorado o desempenho. "(Poderia) falar do petrolão, que as pessoas
diziam que seria suicídio político, mas eu não acho. Ao mesmo tempo em que a
população votou no Bolsonaro, ela tem medo do Bolsonaro. Mas teria que ter uma
mão política muito fina para fazer uma autocrítica sem cometer suicídio."
A questão de
como fazer a autocrítica sem cometer suicídio político limitou, para Santos, a
margem de manobra de Haddad. "Ele trabalhou com muito pouco [espaço
político] e foi bem dentro do que tinha, mas houve coisas que não ficaram bem
respondidas."
Demora a lançar
Haddad como candidato
Foi surfando na
onda lulista que Haddad conseguiu se tornar relevante no primeiro turno, ao
receber votos que iriam para o ex-presidente. No entanto, a associação com Lula
também teve efeito negativo, segundo pessoas ouvidas pela BBC News Brasil, pois
alavancou Haddad, que era pouco conhecido, mas ao mesmo tempo impôs a ele um
teto de crescimento.
"É
indiscutível que Lula é a grande liderança na esquerda brasileira. É
compreensível atacar o julgamento e a prisão dele. Defender o Lula é
perfeitamente cabível", diz Claudio Couto. "Daí não se depreende, no
entanto, que você deva mantê-lo candidato sabendo, de antemão, que ele não vai
ser candidato." Por ter sido condenado em segunda instância, Lula se
enquadra na Lei da Ficha Limpa, aprovada em seu próprio governo.
"Isso
poderia ser importante para a própria defesa dele, e ele, como líder, poderia
alavancar outra candidatura, o que de fato aconteceu, mas por outro lado, é um
limitador. É positivo para o eleitorado petista e lulista, mas depois passa a
ser um problema. Haddad passa a ser visto como um candidato sem vida própria.
Você mata o candidato. Além disso, transfere a rejeição - é aquele discurso do
'candidato do presidiário'".
O marqueteiro
Paulo de Tarso Santos, responsável pelas campanhas de Lula nas eleições
presidenciais de 1989 e de 1994, diz que o projeto da campanha se baseou no
ex-presidente, mas, para ele, "o povo não acha o Lula uma vítima."
Pesquisa Datafolha feita em outubro indica que 51% da população acredita que o
ex-presidente deve continuar preso.
Na visão do
marqueteiro, teria sido melhor se Haddad tivesse descolado sua imagem de Lula
mais cedo ou que o partido tivesse escolhido outro candidato. "Essa ideia
do 'poste dois' é quase uma ofensa ao povo", diz ele.
Santos acredita
que o PT errou ao acreditar que a população escolheria o candidato de Lula
lembrando das melhorias vistas no país no seu governo - redução da pobreza e da
desigualdade, por exemplo. "Não há gratidão na política. O PT fez uma
campanha com base na gratidão, mas isso não existe", afirma.
Ele diz ainda
que a mudança no discurso e na postura de Haddad em relação a Lula e ao PT do
primeiro para o segundo turno foi drástica demais e pareceu pouco crível.
Haddad passou o
início da campanha visitando o ex-presidente na prisão em Curitiba e
defendendo, em debates e entrevistas, os governos do PT. Após passar para o
segundo turno, interrompeu as visitas e reconheceu em entrevistas erros do
partido ligados a corrupção, além de recuar na proposta de fazer uma nova
Constituinte, mas não sem antes se encontrar-se com Lula novamente, logo na
segunda-feira após a votação do primeiro turno. Esse encontro, segundo
analistas, enviou sinais de que seu afastamento repentino do ex-presidente era
apenas tática de campanha, não um ato sincero.
'Subestimamos o
WhatsApp'
A presidente do
partido, Gleisi Hoffmann, disse em entrevista coletiva que, na avaliação dela,
o PT subestimou o papel do WhatsApp na campanha. "A gente já tinha isso
mais ou menos no radar por conta da campanha do (presidente dos EUA Donald)
Trump, mas não nos preparamos devidamente. Acho que aí tem um erro do PT, de
nós termos subestimado, não a força das redes sociais tradicionais, mas não nos
preparamos para a questão do WhatsApp", afirmou.
Sérgio Amadeu
da Silveira, professor e pesquisador da Universidade Federal do ABC, concorda,
e, para ele, não foi por falta de aviso. "Já se sabia que o WhatsApp seria
a principal rede social da campanha porque cerca de 90% dos brasileiros com
acesso à internet usam a rede", diz ele.
Para ele,
Bolsonaro teve vantagem por basear sua campanha nesse meio de comunicação e por
ter começado esse trabalho anos antes do PT. Lembrou que há indícios de que esse
trabalho teve o apoio de empresas.
Na reta final
da campanha, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma reportagem afirmando que
empresários que apoiavam Bolsonaro pagaram, por meio de caixa 2, o envio de
milhões de mensagens no WhatsApp contra o PT. Em resposta, o capitão reformado
afirmou que não há provas contra ele, que não pode controlar empresários, que
tem uma militância orgânica sem impulsionamento inflado e que sofre perseguição
da imprensa.
Para Amadeu, no
entanto, "o PT e outros partidos foram pegos de surpresa em 2013 (época em
que protestos irromperam pelo país), não conseguiu entender o processo, a
dinâmica das redes, assimilado pela direita, com algumas iniciativas sendo
financiadas por empresas. As forças de esquerda melhoraram, começaram a usar as
redes, claro, mas não de maneira tão profissional quanto a direita."
Na descrição do
especialista, "a rede é impossível de controlar por ser ampla e
subterrânea": é possível disparar mensagens para muitas pessoas ao mesmo
tempo e os grupos ali são fechados e sem transparência.
A opinião é
similar à de Maurício Moura, fundador da consultoria Ideia Big Data, que
realiza pesquisas de opinião, e pesquisador da George Washington University,
nos Estados Unidos, que analisou o uso do aplicativo nas eleições de 2014 e
2018.
"A
campanha do PT foi a que melhor integrou rua, TV, rádio e meios digitais. Foram
um exemplo de coordenação de campanha", diz ele, e cita como exemplo o
momento em que Haddad virou candidato: "As campanhas do PT em todo o
Brasil passaram a trazer a frase 'Haddad é Lula', mas falharam em termos de
WhatsApp''.
Ele afirma que
"o PT foi pego de surpresa. Eles não colocaram energia e recursos no
WhatsApp, tanto para disseminar conteúdos através de grupos, como para coletar
números de celular para aumentar o cadastro deles. Não deram a atenção que o
WhatsApp merecia. O WhatsApp era uma tendência, baseado no histórico das
eleições do México e da Colômbia. O PT se prendeu à velha forma de fazer
campanha. Se por um lado foram bem na integração, não deram foco ao
WhatsApp." * Colaborou Amanda Rossi
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