O presidente
peruano Pedro Pablo Kuczynski apresenta sua
defesa na sessão do Congresso na qual foi
votado seu
processo de
impeachment, em Lima, na quinta-feira (21)
(Foto:
Reuters/Mariana Bazzo)
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Acusado de
receber propina da construtora brasileira Odebrecht enquanto era ministro de
estado, em meio ao menor nível de popularidade de seu governo e com apenas 18
congressistas em um Parlamento de 130, Pedro Pablo Kuczynski sobreviveu quase
que 'por um milagre'.
Como em um
"perdão de Natal" dado a presos condenados, o presidente do Peru,
Pedro Pablo Kuczynski, escapou de ser afastado do cargo pelo Congresso do país.
Sua saída
parecia iminente: eram necessários 87 votos para a destituição em um Parlamento
com 130 membros, no qual apenas 18 integram o partido do presidente.
No último
minuto, porém, um grupo parlamentar de esquerda, crítico do governo, decidiu
deixar o Congresso sem votar.
Ainda mais
surpreendente é que a posição até então unificada do fujimorismo - grupo ligado
às políticas e à ideologia do ex-presidente Alberto Fujimori e que lidera o
principal partido da oposição, o Força Popular - foi quebrada.
Isso porque
membros-chave do partido não apoiaram a destituição de Kuczynski.
Foram 79 votos
a favor da vacância, 19 contra e 21 abstenções.
O resultado
surpreendeu porque, apenas uma semana antes, 93 deputados colocaram a corda no
pescoço do chefe de Estado ao aprovar o pedido de destituição sob a acusação de
"incapacidade moral".
Mas então o que
motivou esse perdão no último minuto?
A sombra da
Odebrecht
"A
Constituição e a democracia estão sob ataque. Estamos diante de um golpe
disfarçado de interpretações legais supostamente legítimas", afirmou Pedro
Pablo Kuczynski em uma mensagem transmitida pela TV na noite de quarta-feira.
Poucas horas
depois, o presidente foi ao Congresso para se defender antes do início do
debate sobre sua destituição.
Com apenas 17
meses no cargo (de um período total de cinco anos), ele parecia estar com o
afastamento garantido.
Além da sua
pequena representação parlamentar, Kuczynski chegou ao menor nível de
popularidade de sua administração: apenas 18% dos peruanos o apoiam, de acordo
com o instituto de pesquisas Ipsos.
A acusação que
levou ao pedido de vacância do cargo é a mesma que havia derrubado vários
políticos influentes da região: receber dinheiro da empreiteira brasileira
Odebrecht para favorecê-la em licitações estatais.
O partido Força
Popular, que controla 71 assentos no Congresso peruano, revelou em 13 de
dezembro que a empresa Westfield Capital, de propriedade de Kuczynski, recebeu
dinheiro da construtora brasileira quando o atual chefe de Estado era ministro
do ex-presidente Alejandro Toledo (2001-2006).
Por causa da
suspeita de que esse contato, que ocorreu há mais de uma década, implicasse
corrupção, foi iniciado um processo rápido de afastamento que, em apenas oito
dias, poderia levar à troca na Presidência e, com isso, mudar a história do
país.
Milagre de
Natal
Para evitar uma
destituição que parecia certa, Kuczynski usou uma estratégia arriscada na
mensagem que transmitiu à nação na véspera.
Ele disse que,
se fosse afastado, seus vices também renunciariam, o que deixaria o país nas
mãos do presidente do Legislativo.
Segundo a
Constituição, o titular do Congresso deveria convocar novas eleições.
"Foi assim
que o presidente deu a última cartada", disse à BBC Mundo, o serviço em
espanhol da BBC, o cientista politico local Fernando Tuesta.
A possibilidade
de uma eleição geral que implicaria também em novas eleições parlamentares pode
ter desencorajado legisladores a apoiar o afastamento de Kuczynski.
"O desenho
constitucional peruano é de correspondência, o que significa que o Congresso e
o Executivo têm o mesmo prazo, do início ao fim", acrescenta Tuesta,
ex-chefe do Escritório Nacional de Processos Eleitorais.
Alguns
congressistas de bancadas de esquerda, que uma semana atrás aprovaram debater a
destituição, se abstiveram de apoiá-la frente ao novo cenário.
Apoiadores de
Kuczynski se reúnem perto do Congresso antes da votação de seu impeachment, na quinta-feira
(21) (Foto: Guadalupe Pardo/Reuters)
O presidente do
Congresso faz parte do Força Popular, o movimento de Keiko Fujimori, filha do
ex-presidente Alberto Fujimori, condenado por corrupção e crimes contra a
humanidade.
"Esse
cenário abriu os olhos da esquerda", observa o analista político Juan
Carlos Tafur.
"Kuczynski
levantou a possibilidade de o fujimorismo praticamente controlar o país, e os
movimentos de esquerda mudaram de opinião para apoiar sua permanência no
cargo", afirma Tafur.
Diversas
organizações sociais e movimentos de cidadãos marcharam nos últimos dias em
repúdio à possibilidade de vacância da Presidência - não tanto por acreditarem
na inocência do presidente, mas por defenderem o respeito às normas da
democracia.
Os
congressistas de oposição são criticados por promoverem uma "vacância
express", sem dar tempo e oportunidade para Kuczynski se defender
adequadamente.
Negociação
desesperada
O Força Popular
também sofreu uma ausência significativa.
O congressista
Kenji Fujimori, irmão de Keiko, decidiu não apoiar o impeachment de Kuczynski.
"A
previsão é de turbulência política em detrimento da população", disse o
mais novo dos Fujimori em um vídeo que compartilhou em suas redes sociais.
Em frente às
câmeras de TV, era evidente a tentativa de integrantes da Força Popular de
convencê-lo a mudar de posição.
Votação
apertada
Durante o curto
intervalo de tempo entre o pedido de impeachment e o debate sobre o tema, houve
negociações políticas desesperadas e intensas para garantir apoio de um e outro
lado.
"As
negociações devem ter envolvido ofertas políticas concretas, como fazer parte
de um novo gabinete ministerial", diz Tafur.
Mas o que foi
negociado exatamente é uma questão ainda sem resposta.
Após as 23h, 14
horas depois de iniciados os trabalho do Congresso peruano, o placar eletrônico
terminou com um angustiante jogo de somas e subtrações.
Apenas oito
votos de diferença impediram a queda do presidente.
Fortalecido?
Pedro Pablo
Kuczynski continuará no cargo, mas isso não significa que seus problemas
acabaram.
A verdade é que
talvez eles fiquem ainda mais complexos.
"Superar o
afastamento com uma margem pequena não deixa o presidente fortalecido",
afirma o cientista politico Fernando Tuesta.
"Para
sobreviver daqui em diante, ele deverá enfrentar a oposição com outra atitude,
com mais firmeza", acrescenta o analista.
Na mensagem
transmitida ao país antes da votação, o presidente confrontou o fujimorismo
como ainda não havia feito em toda a sua gestão.
Ou seja: o ano
novo traz presságios de aumento da tensão entre Executivo e Legislativo.
No entanto, o
ditado "o que não mata, fortalece" não se aplica à imprevisível
política peruana.
Apenas dez dias
atrás, ninguém teria suspeitado de um cenário de afastamento do presidente na
véspera do Natal.
E o fato de
Kuczynski ter mantido o posto não interrompe as investigações que o Congresso
faz sobre sua ligação com a empreiteira - procurada pela BBC Brasil antes da
votação, a Odebrecht Peru informou que "não fará comentários sobre
tema".
À luz de novas
evidências, a ameaça de impeachment pode surgir novamente, e o resultado pode
ser diferente.
Por BBC
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