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Sair da PM tem sido uma alternativa cada vez mais comum para policiais. Reprodução |
Entre 2015 e 2016, houve um
aumento de 69,5% no número de baixas voluntárias
RIO - Enquanto estavam na Polícia
Militar, os ex-soldados X. e Y. só pensavam em sair da fila. A cada notícia de
um colega de farda morto, ambos tinham a sensação de que a posição deles estava
cada vez mais próxima do que chamam de “fila invisível”. Os dois abandonaram a
corporação com cinco anos de serviços. X. largou a carreira e o país. Este ano,
foi morar nos Estados Unidos. Y. resolveu ficar no Rio, mas fez faculdade e foi
atuar na área médica.
Sair da PM tem sido uma
alternativa cada vez mais comum para policiais. Violência, má remuneração e
desvalorização profissional são citados pelos agentes como motivos que levaram
a um aumento de 69,5% nas baixas da Polícia Militar entre 2015 e 2016, segundo
dados fornecidos ao GLOBO pela própria corporação. Em 2015, foram 59 pedidos de
baixa. No ano passado, o número pulou para cem. Nesses dois anos, de acordo com
a Secretaria de Planejamento, 2.919 servidores da PM se aposentaram. Desde
2012, nunca houve biênio com tantas aposentadorias.
— Há um descontentamento
generalizado. Toda essa violência impacta na decisão dos policiais que saíram
ou estão deixando a corporação, principalmente aqueles de Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs). Muitos vieram com a ideia de que algo novo seria
construído para a sociedade, mas se desencantaram ao ver colegas sendo
baleados, morrendo — afirmou o ex-comandante da Polícia Militar, o coronel da
reserva Ibis Teixeira.
Segundo ele, a morte da soldado
Fabiana Aparecida de Souza, de 30 anos, na UPP Nova Brasília, no Complexo do
Alemão, em julho de 2012, serviu de alerta e abalou a moral da tropa.
— Não vemos nada de concreto para
reverter este quadro de violência. Isso causa desesperança. Os indicadores de
criminalidade nos mostram que homicídios, roubos de rua, além das mortes
decorrentes de intervenção policial (autos de resistência) vêm crescendo. O meu
temor é que a vitimização dos policiais continue, assim como as mortes de
inocentes. Quando se mata muito, fomenta-se atos de barbárie. Isso funciona
como locomotiva para outros crimes — analisou Ibis.
O próprio comandante da PM,
coronel Wolney Dias, tem repetido em enterros de policiais que a corporação
perdeu mais de dois mil homens, por ano, nos últimos dois exercícios. Para
agravar a situação do efetivo, das seis mil vagas que seriam preenchidas pelo
concurso de 2014, só foram chamados 1.179 homens, ficando de fora 4.821.
Números da Secretaria estadual de Planejamento mostram ainda que a tropa de
PMs, que chegou a ter 48,8 mil servidores em junho de 2014, caiu para 46,03 mil
em junho deste ano. Há ainda os PMs afastados por problemas psicológicos. No
ano passado, o número chegou a 1.400, de acordo com o Núcleo Central de
Psicologia da corporação.
“NÃO SOU CORRUPTO"
Antes de decidir deixar a PM, X.
tentou fugir dos serviços de rua para atividades administrativas.
— Não adiantou. Tiraram os
policiais dos serviços burocráticos para o policiamento ostensivo. Não
aguentava mais ir, toda semana, a enterro de colegas. Percebi que era o próximo
dessa fila invisível. E, o pior, a sociedade só lembra da gente quando se sente
incomodada por uma blitz ou nos casos de corrupção. Não sou corrupto. Desde
criança, quis ser policial — disse X, que hoje gerencia um restaurante.
Com Y. foi diferente. Ele acha que
recebeu um aviso, um sinal. Havia acabado de chegar à base de uma UPP na Zona
Norte do Rio e disse a um amigo que estava se sentindo angustiado, sem ânimo e
cansado por causa da crise da segurança. Logo depois dessa conversa, o colega
de farda o chamou para instalar uma fiação de ar-condicionado no andar térreo
da unidade, mas ele não foi. Minutos depois soube que um tiro de fuzil
atravessou a parede e poderia tê-lo atingido.
— O meu colega ainda disse :
“Tenho certeza que aquele tiro era para você” — lembra Y.
Y. trabalhou em UPPs desde que
entrou na corporação, em 2011. Conta que foi em pelo menos 15 enterros de
colegas nesses seis anos, “só os mais íntimos”. A namorada sempre pedia que ele
deixasse a PM. Agora que finalmente decidiu largar a corporação, quer ser
médico.
DESISTÊNCIA A PEDIDO DA FAMÍLIA
Um dos 4.821 candidatos que
passaram no concurso da PM de 2014, Z. disse que não quer mais ser policial.
Embora tenha se preparado, disse que a própria família o desencorajou por causa
das muitas mortes registradas entre a tropa.
— Era um sonho. Eu me empenhei
para passar no concurso, mas não dá para investir e morrer depois — diz.
Falta reconhecimento
Pesquisadora da Escola de Saúde
Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Cecilia Minayo há anos estuda o impacto da
atividade policial sobre a saúde dos agentes. Ela também acha que o principal
motivo da descrença de policiais na instituição é a falta de reconhecimento:
tanto por parte da sociedade civil quanto da própria corporação.
— Um ponto importante é o reconhecimento
da sociedade pelo trabalho deles. Eles sentem uma tristeza muito grande. Porque
estão trabalhando muito, se empenhando, apesar de ganharem muito pouco. Mas,
dificilmente, há esse reconhecimento do trabalho. O reconhecimento é sempre do
policial que deixou se corromper — afirma Cecilia.
A falta de diálogo dentro da
corporação, segundo Cecilia, gera comandantes e subordinados estressados. Não
há válvula de escape. Os que estão mais acima na hierarquia, ressalta a
pesquisadora, muitas vezes têm que exigir que seus comandados se arrisquem
diante da falta absoluta de segurança na atividade policial.
EM 2017, UM SUICÍDIO POR MÊS
Entre janeiro e maio deste ano,
cinco PMs atentaram contra a própria vida, o que daria um suicídio por mês. O
dado é da coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção
(Gepesp), Dayse Miranda.
— A corporação está doente. A
perda de colegas em serviço afeta muito os agentes, seja na parte física, com
dores na coluna; seja na emocional, quando muitos têm choros convulsivos,
ansiedade, dificuldade de dormir — explicou.
Chefe do Núcleo Central de
Psicologia da PM, o tenente-coronel Fernando Derenusson afirma que a sensação
de risco aparece muito nos relatos dos policiais de licença médica:
— As más condições de trabalho vêm
causando sofrimento mental. Há muita queixa de insegurança devido às mortes de
colegas, escala de trabalho apertada e falta de condições físicas das UPPs.
POR VERA ARAÚJO / CARINA BACELAR
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