Angela
Merkel disse que Macri 'abriu a Argentina' e que com
ele 'as condições da economia argentina têm
agora mais
credibilidade' (Foto: Reuters/Marcos
Brindicci)
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Analistas debatem se Buenos
Aires ocupa vácuo deixado pelo Brasil em política externa, em meio a
expectativas de quando a mudança estratégica trará retornos concretos à
economia argentina.
A Argentina voltou a entrar na
rota de viagem de líderes internacionais e recebeu, desde a posse do presidente
Mauricio Macri, em dezembro de 2015, ao menos uma visita por mês de chefes de
Estado ou de líderes de organismos internacionais.
A lista inclui mandatários de EUA
(na época, Barack Obama), Itália, Japão e Alemanha - que não passaram pelo
Brasil em suas turnês recentes pela América do Sul.
Na semana passada, a Casa Branca
informou que o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, visitará Colômbia,
Argentina, Chile e Panamá. O Brasil não foi citado no comunicado.
Ao mesmo tempo, Macri tem
participado de eventos internacionais aos quais antes a Argentina não
comparecia, como o Fórum Econômico Mundial de Davos, e realizado viagens
frequentes, para destinos como Vaticano (esteve duas vezes com o papa
Francisco), EUA e China, além dos países vizinhos - esteve no Chile na última
semana.
Para completar a abertura
argentina ao exterior, Buenos Aires será sede neste ano da reunião da
Organização Mundial do Comércio (OMC) e, no ano que vem, do encontro dos países
do G20.
O país também presidirá o
organismo internacional de combate à lavagem de dinheiro, Gafi (Grupo de Ação
Financeira contra a Lavagem de Dinheiro), - que entre 2011 e 2014 chegou a
repreender a própria Argentina por "deficiências" nessa área.
Esse conjunto de fatos tem gerado,
de um lado, debates sobre a tomada, pela Argentina, de um possível vácuo
deixado pelo Brasil na política internacional. De outro, há expectativas no
país sobre quando essa "volta da Argentina ao cenário internacional",
como dizem os especialistas, surtirá efeitos práticos na economia e para os
argentinos.
Fator novidade
Para analistas consultados pela
BBC Brasil, a Argentina passou a ser uma "novidade" que está, no
mínimo, despertando a curiosidade de líderes mundiais.
"Ocorre aqui agora o mesmo
que ocorria quando Lula era presidente (do Brasil). Lula era um sindicalista que
chegava à Presidência e era uma novidade que outros líderes e investidores
queriam ver e entender de perto", diz o cientista político e consultor
Sergio Berensztein, de Buenos Aires. "Com Macri, apesar de ele ser
pró-mercado e de sua trajetória ser muito diferente da de Lula, acontece a
mesma coisa."
Com o Brasil imerso em crise,
líderes internacionais têm deixado de incluir Brasília em suas turnês - fato
que é considerado "previsível", segundo diplomatas brasileiros
ouvidos pela BBC Brasil sob condição de anonimato.
"É naturalmente complicado
porque o Brasil vive uma crise política e econômica inédita, e a impressão que
temos é de que alguns líderes esperam que essa fase passe (para realizar visita
ao país)", disse um diplomata.
Para o ex-embaixador da Argentina
no Brasil Juan Pablo Lohlé, do Centro de Estudos Políticos Estratégicos
Internacionais (Cepei), a chegada de Macri representou, por sua vez, uma
"guinada política-ideológica na política exterior" do país e a
Argentina passou "de um nacionalismo sub-regional expressado pelo
kirchnerismo a uma visão global-liberal".
Lohlé acredita que o fato de o
Brasil estar em uma situação política delicada contribui para o maior interesse
pela Argentina. "Mas isso deve mudar quando a economia brasileira voltar a
crescer e ocorrer uma renovação política no Brasil", opina.
O economista Dante Sica, da
consultoria Abeceb, de Buenos Aires, especializada na relação dos dois países,
concorda com Berensztein ao afirmar que a Argentina é "a novidade" do
momento.
"A Argentina é hoje uma
novidade internacional, e muitos vêm aqui para ver isso de perto. E talvez não
viajem ao Brasil pela instabilidade política, mas o Brasil é um país
fundamental para os grandes investimentos", afirma.
Em resposta por e-mail à BBC
Brasil, a Secretaria de Imprensa da Presidência do governo Temer diz que
"um país continental como o Brasil não produz vácuos e a defesa da
política externa que atenda aos anseios concretos da sociedade brasileira é a
melhor forma de defender nossos interesses reais".
Pêndulo
Já em Buenos Aires, analistas
admitem que apesar da "guinada" na política externa de Macri,
investidores ainda veem a Argentina com "cautela".
Nos governos de Cristina Kirchner
(2007-2015) e de seu antecessor e marido, Néstor Kirchner (2003-2007), eram
raras as visitas de autoridades estrangeiras a Buenos Aires e as participações
do país em fóruns internacionais.
"Macri é o oposto de Cristina
Kirchner, que demonstrava inconstância e prepotência (na política externa) e,
em alguns casos, até falta de educação", opina o professor de comércio
internacional Raúl Ochoa, das universidades de Buenos Aires e Católica.
"A política do presidente é
de claramente devolver a Argentina ao cenário internacional, com abertura
comercial e aos investimentos. Mas os resultados disso não acontecem da noite
para o dia."
As desconfianças do mercado
internacional ainda se devem ao histórico argentino: o calote da dívida externa
em 2001 - na época, o maior da história do capitalismo - e as idas e vindas nas
políticas interna e internacional não estariam contribuindo para efeitos
imediatos da abertura na economia real.
Entre historiadores, a Argentina
costuma ser definida como um país "pendular", por suas mudanças
radicais a cada novo governo.
"Hoje, são duas fotos do
mesmo filme. Investidores e governantes têm esperança de que a Argentina, com
Macri, possa atrair investimentos, porque aqui existem muitas oportunidades.
Mas também questionam se as mudanças (em curso atualmente) serão mesmo de longo
prazo", analisa Ochoa.
Para o economista e consultor de
empresas Orlando Ferreres, empresários nacionais e estrangeiros sinalizam que
querem esperar o resultado das eleições legislativas de outubro para definir
possíveis investimentos.
O pleito é visto como um
plebiscito em relação ao governo, por cair na metade do mandato presidencial e
porque definirá se Macri continuará tendo minoria no Congresso Nacional ou se
conseguirá a maioria que precisa para aprovar seus projetos no Parlamento.
"Existe muito interesse (de
investidores), mas também muitas dúvidas", diz Ferreres. "Em termos
práticos, o que vemos hoje é um maior volume (de transações) no setor
financeiro, mas cautela nos investimentos de longo prazo."
Segundo ele, a queda no índice
oficial de inflação, "que foi de cerca de 40% no ano passado e seria de
pelo menos 20% neste ano", e a perspectiva de retomada do crescimento
econômico - recessão em 2016 e de alta do PIB em 2017 - são considerados
positivos.
'Mais credibilidade'
Na viagem que fez à Argentina em
junho, a chanceler alemã Angela Merkel disse que o país "se abriu" e
que "as condições da economia têm agora mais credibilidade, caminho
essencial para que cheguem os investimentos de grandes, médias e pequenas
empresas".
Foi a primeira vez que Merkel
visitou Buenos Aires, apesar de ter ido à América Latina em sete ocasiões,
anteriormente, incluindo o Brasil - que desta vez não fez parte do roteiro da
alemã.
Na capital argentina, ela abordou
temas como a reunião do G20 e as negociações para o acordo entre Mercosul e
União Europeia, que se arrastam há anos. Merkel também alimentou expectativas
de apoio à filiação da Argentina à OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, grupo chamado de "clube dos ricos").
Foi aventada uma reunião bilateral
entre Merkel e Michel Temer em julho na Alemanha, onde será realizada a cúpula
do G20. Mas o encontro não ocorrerá, e Temer sequer deverá ir à cúpula.
Fontes do governo brasileiro dizem
que, apesar da crise brasileira, o comércio bilateral e a presença de empresas
da Alemanha no Brasil "não permitem que a relação seja distante", mas
agregam que a confirmação da viagem de Temer pode ocorrer só no último momento.
A ida à Alemanha, se confirmada, faria parte das poucas viagens internacionais
que Temer realizou até aqui, incluindo Japão, Rússia e Noruega.
Primeiros resultados
De volta à Argentina, para Sica,
algumas medidas de política internacional do atual governo já começaram a dar
resultados, como um acordo com a Colômbia para exportação de automóveis.
"Mas não é só nessa área. Há
negociações avançadas em outros setores, como o de agronegócios, que antes não
existiam. O fim do isolamento internacional da Argentina significa ainda maior
facilidade de acesso a financiamentos (para governos locais e empresas), o que
também antes não ocorria", diz Dante.
Para ele, a "dinâmica"
de incluir a Argentina no cenário internacional "já começou", mas seu
seus efeitos serão de longo prazo e não necessariamente vinculados à eleição
legislativa deste ano.
"As eleições serão um bom
termômetro, mas não serão decisivas", opina.
Ao mesmo tempo, o deputado do
Parlasul Oscar Laborde, da Frente para a Vitória (kirchnerista), publicou
artigo no jornal Página 12 chamando de "desastrosa" a política
exterior do atual governo - citando a suspensão da Venezuela do Mercosul por
"preconceitos ideológicos", a suposta troca da integração regional
latino-americana "por um alinhamento incondicional aos EUA" e a falta
de "resultados" de visitas líderes internacionais.
Para Lohlé, por sua vez, Macri
passou a simbolizar previsibilidade que não existe hoje na Venezuela, por
exemplo.
Neste mês de junho, a então
ministra das Relações Exteriores do governo Macri, Susana Malcorra, foi
substituída por um embaixador de carreira, mas segundo analistas a mudança não
alteraria a linha política do governo Macri - "definida pelo próprio
presidente", que está "decidido a colocar a Argentina no mapa
internacional", dizem diplomatas argentinos.
Por BBC
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