Crise
econômica do estado do Rio de Janeiro
prejudica cenário cultural carioca
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Bibliotecas, museus,
patrimônios históricos, teatros – todos os setores culturais foram atingidos
pela situação financeira fluminense. Situação não melhorou desde a decretação
do estado de calamidade
O setor cultural não passou imune
pelo terremoto que lançou o Rio de Janeiro em um abismo financeiro – situação
que atingiu o ponto mais crítico com a decretação do estado de calamiade, há
pouco mais de um ano.
Segundo dados da própria
Secretaria de Estado de Cultura, entre 2016 e 2017, o orçamento da pasta caiu
de R$ 82,1 milhões para R$ 70,2 milhões – destes, R$ 14,3 milhões haviam sido
empenhados até o momento da publicação deste texto.
Bibliotecas, museus, patrimônios
históricos, teatros – todos os setores culturais foram atingidos pela situação
financeira fluminense. Sobrou até para um dos maiores símbolos na cultura do
estado, o Theatro Municipal.
"Não perguntem. Está
fechado!!". O aviso, curto e direto – que pode ser visto pelo pedestre
mais atento ao passar pelo acesso traseiro da Biblioteca Parque Estadual, na
Rua da Alfândega, Centro do Rio –, foi escrito com dois pontos de exclamação. A
frase e o excesso na pontuação têm autor desconhecido, mas traduz de forma
precisa não apenas o não funcionamento do espaço, mas também a sensação de
urgência e preocupação de alguém que conhece de perto a situação de crise da
cultura no Estado.
Bens culturais, que deveriam ser
preservados, estão em avançado estado de deterioração. O projeto da Biblioteca
Parque, anunciado com estardalhaço pelo governo, naufragou. O Theatro
Municipal, um dos maiores orgulhos da cultura fluminense, está à míngua, com
funcionários sem receber e espetáculos cancelados ou adaptados para formatos
reduzidos.
E mesmo a Escola de Teatro Martins
Penna – mais antigo centro de preparação teatral da América Latina – também
teve problemas e chegou a ser ocupada pelos alunos como forma de protesto.
Imóvel fantasma
Os 15 mil metros quadrados de área
do prédio da Biblioteca Parque, localizado na Presidente Vargas, se transformou
em um imóvel fantasma desde o dia 30 de dezembro de 2016, quando o contrato
firmado entre a Secretaria de Estado de Cultura e o Instituto de
Desenvolvimento e Gestão (IDG), que cuidava do gerenciamento do espaço, foi
encerrado.
Desde então, o prédio de linhas
minimalistas está vazio e seu entorno se transformou em dormitório e banheiro
para moradores de rua. Ao se aproximar das portas de vidro, é possível ver os
corredores escuros e o aviso do fim do convênio. Uma realidade bem diferente
dos tempos nos quais seu acervo de 260 mil itens atraíam, em média, 2,2 mil
pessoas por dia. O conjunto de obras contava com 2,8 mil títulos em braile ou
audiolivros. Os R$ 20 milhões anuais necessários à manutenção do projeto se
tornaram uma realidade inviável.
Das quatro unidades da Biblioteca
Parque – Centro, Manguinhos, Rocinha e Niterói – apenas esta última continua em
operação, graças a um convênio firmado com a prefeitura.
"Alguns equipamentos que
funcionavam no modelo Organização Social foram fechado e têm dificuldades para
serem reabertos. É o caso das Bibliotecas Parque Estadual, que são muito
importantes para a cultura e hoje não têm a possibilidade de
funcionamento", explicou o presidente da Comissão de Cultura da Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Zaqueu Teixeira (PDT).
Por meio de sua assessoria, a
Secretaria de Estado de Cultura informou que está em negociações com coletivos
locais para reabrir a unidade Manguinhos até agosto.
Patrimônio em ruínas
Longe de ser um problema restrito
a espaços fechados, como uma biblioteca, a crise na cultura do Rio de Janeiro
pode ser percebida com facilidade por qualquer um que ande pelas ruas da
cidade. Basta olhar para as más condições de preservação de alguns patrimônios
imóveis cariocas.
Um exemplo claro pode ser visto na
Praça Tiradentes. Depredada, a estátuta de João Caetano, ator e encenador cujo
nome batiza o teatro no mesmo local, já se encontra desgastada – a lâmina da
espada que empunha foi quebrada e roubada.
Localizado na esquina das ruas
Riachuelo e Inválidos, na Lapa, o Solar do Visconde é outro exemplo evidente.
Construído no século XVIII, o prédio em estilo colonial português foi
residência de Francisco Targine, o Visconde de São Lourenço, conselheiro de Dom
João VI. Mesmo tombado desde 1938 pelo Instuto do Patrimônio Histórico Nacional
(Iphan), o local entrou em decadência e hoje preserva apenas a fachada antiga,
mesmo assim, em condições bastante precárias.
Havia planos para recuperar a
construção e transformá-la no Centro de Referência da Arqueologia do Rio de
Janeiro. Pretensão que parece muito distante diante da escassez de recursos
destinados à cultura. Hoje, um estacionamento funciona no interior do imóvel.
"A preservação do patrimônio
sofre muito mais. Verificamos que não há os aportes necessários para que os
bens materiais sejam preservados. Testemunhamos todos eles se perderem",
admitiu Zaqueu. "Nos últimos dois anos, a Secretaria de Estado de Cultura
teve uma redução muito grande em seu orçamento e não há perspectiva de
melhoras", concluiu o parlamentar.
Em 2015, um grupo de trabalho, que
reunia representantes dos setores público e privado, foi formado junto à
Comissão de Cultura. O objetivo era elaborar políticas de preservação de pelo
menos 40 bens culturais que estão em situação de abandono pelo poder público.
Diante da árida paisagem financeira fluminense, as intenções de recuperação do
patrimônio nunca ultrapassaram o papel.
Sonhos frustrados
Uma das principais referências
para artistas na cidade, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro também enfrenta
a pior crise em seus 108 anos de existência. Músicos, bailarinos e funcionários
da Casa fazem o que podem para continuar as produções. O problema é que, com
três folhas salariais em atraso, tem sido difícil até sair de casa para ir
trabalhar.
Para quem dedicou a vida inteira
em função da arte e sempre sonhou em trabalhar no Theatro Municipal, é difícil
acreditar que a situação chegou a esse nível.
“É como se tivessem tirando a
nossa capacidade de viver e isso é muito angustiante. A gente vai ao banco e vê
que não tem nada na conta. Tem até menos. E chegar aqui, não poder dançar,
completar as seis horas diárias que a gente tem só dentro do Theatro, isso vai
matando a gente”, lamentou a primeira bailarina Claudia Mota.
Integrante do corpo de baile há 21
anos, ela afirmou nunca ter visto situação semelhante ao que ela e seus colegas
têm passado. Sem salário, muitos chegaram a deixar de lado o sonho que
conquistaram de estar no palco do Municipal e optaram por profissões
alternativas.
“É chocante. Alguns passaram a
fazer até faxina, marmita, vender roupa em casa pela internet, fazer Uber. Eu
trabalho com carnaval, mas uma hora o dinheiro acaba, então, eu comecei a fazer
roupa de cena de ballet, que eu já fazia pra vender e é uma coisa que eu gosto
muito, e que eu comecei ativamente a fazer porque eu estava precisando”, disse
Claudia Mota.
Diante da situação atual, o
vice-presidente do Municipal, Ciro Pereira da Silva, acredita que para que tudo
volte ao normal, é preciso apenas que os salários estejam em dia.
“O que a gente pensa é que o
Theatro volte à normalidade e ele só precisa dos funcionários receberem em dia
pra isso voltar a funcionar, porque público tem, o público quer, os artistas
querem, os técnicos querem, os administrativos querem”, disse Ciro, que está a
40 anos na Casa.
Público protestou
No último domingo (18), o público
que foi ao Municipal e assistiu o espetáculo "Carmina Burana", de
Carl Orff, também se manifestou com gritos como “Fora Pezão”, logo após um
anúncio feito antes da apresentação explicando sobre a situação do atraso do
pagamento dos servidores do teatro. No fim do espetáculo, a plateia aplaudiu de
pé e voltou a protestar contra os políticos.
Devido à situação financeira do
theatro, muitos espetáculos, como "O lago dos cisnes", de
Tchaikovsky, precisaram ser cancelados. A ópera 'Norma', de Vincenzo Bellini,
teve de ser transformada apenas em concerto. Outras tiveram que ser adiadas para
o segundo semestre.
O corpo de funcionários do Theatro
Municipal é formado por 550 pessoas, entre artistas e técnicos. A exemplo do
que aconteceu em todos os setores da cultura estadual, o orçamento dedicado à
casa também acabou reduzido. Em 2016, o local recebeu R$ 69,8 milhões. Este
ano, o valor caiu para R$ 62,9 milhões. No entanto, quase metade desse total
foi contingenciado e R$ 31 milhões ainda não foram repassados.
"A Secretaria de Estado de
Cultura está contando com a dedicação e abnegação de muitos artistas, como os
valorosos corpos artísticos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, para manter
os equipamentos em pleno funcionamento e levando programação de qualidade à
população, como acabou de acontecer com a estreia de 'Carmina Burana'",
afirmou o órgão por meio de nota.
Por Carlos Brito e Fernanda Rouvenat, G1 Rio
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