Delegada Fernanda Fernandes investiga o caso (Foto: Henrique Coelho / G1) |
Segundo depoimentos,
adolescente ficou com escoriações pelo corpo. Delegacia investiga 'curadores'
de jogo virtual que lista desafios que podem levar ao suicídio.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro
ouviu nesta quinta-feira (20) mais uma adolescente vítima do jogo "Baleia
Azul" – disputa virtual que inclui desafios que podem induzir ao suicídio.
Segundo a investigação, uma das vítimas ouvidas na Delegacia de Repressão aos
Crimes de Informática (DRCI) foi impedida de se matar pela mãe, que percebeu
que a filha tinha escoriações pelo corpo.
No jogo, disputado pelas redes
sociais, em que um grupo de organizadores, chamados "curadores", são
propostos 50 desafios macabros aos adolescentes. Algum deles incluem bater
fotos assistindo a filmes de terror, automutilar-se e ficar doente. A última
missão do jogo é se matar.
De acordo com a delegada Fernanda
Fernandes, uma adolescente estava num estágio intermediário do jogo, mas quis
adiantar a última tarefa que consiste no atentado contra a própria vida.
A delegada contou que a vítima ia
sair de casa e que pretendia pular de um prédio, mas foi impedida pela mãe, que
percebeu escoriações no corpo da menor. Mesmo em casa, a adolescente tentou
outras formas de se matar, mas novamente foi impedida.
Este é o segundo caso confirmado na Região
Metropolitana do Rio, de cinco investigados pela DRCI.
Como a investigação está em
processo inicial, a delegada explicou que suspeitas sobre a autoria do crime
ainda não podem ser reveladas. A quantidade de curadores do "jogo"
também não pôde ainda ser determinada. A certeza, no entanto, é que são vários
os moderadores.
Ameaças
A delegada explica que
participantes, ao tentarem sair do jogo, são ameaçados virtualmente, inclusive
com as famílias envolvidas. No entanto, todas as vítimas que deixaram de
participar não mais foram procuradas pelos curadores.
"As vítimas tentam sair e não
conseguem. As crianças recebem algumas ameaças de morte ou até um tipo de
pressão psicológica mesmo, e acabam cedendo (...) Alguém fala: 'se você não se
matar, a gente tem seus dados e vamos atrás de você e da sua família'",
relatou.
Investigadores acreditam que o
perfil dos administradores do jogo seja de maiores de idade que tentam coagir crianças
e adolescentes a participarem.
Preocupação e alcance
O jogo ganhou visibilidade e vem
se alastrando pelo mundo. Em alguns países, como Inglaterra, França e Romênia,
as escolas têm feito alertas às famílias, depois que adolescentes apareceram
com cortes nos braços, queimaduras e outros sinais de mutilação. As informações
são do blog de Andrea Ramal no G1.
O fenômeno começou na Rússia, mas
está se espalhando – inclusive no Brasil, como sugerem o caso da jovem de 16
anos morta no Mato Grosso e uma investigação policial em andamento na Paraíba.
Na Rússia, em 2015, uma jovem de 15 anos se jogou do alto de um edifício; dias
depois, uma adolescente de 14 anos se atirou na frente de um trem. Depois de
investigar a causa destes e outros suicídios cometidos por jovens, a polícia
ligou os fatos a um grupo que participava de um desafio com 50 missões, sendo a
última delas acabar com a própria vida.
A preocupação aumentou ano
passado, quando fontes diversas chegaram a divulgar, sem confirmação, 130
suicídios supostamente vinculados a comunidades online identificadas como
“grupos da morte”.
Jogos com apelos de riscos letais
têm virado moda entre os adolescentes. Um exemplo é o jogo da asfixia, que
gerou vítimas no Brasil. Outro é o “desafio do sal e gelo”, no qual, para serem
aceitos no grupo, os adolescentes devem queimar a pele e compartilhar as
imagens nas redes sociais. Embora exista há anos, o desafio voltou com força
recentemente. Sem falar no “Jogo da Fada”, que incita crianças o gás do fogão
de madrugada, enquanto os pais dormem.
Recomendações
As recomendações para as famílias
são: monitorar o uso da internet, frequentar as redes sociais dos filhos,
observar comportamentos estranhos e, sobretudo, conversar e conscientizar os
adolescentes a respeito das consequências de práticas que nada têm de
brincadeira. Atenção redobrada com os jovens que apresentem tendência a depressão,
pois eles costumam ser especialmente atraídos por jogos como o da Baleia Azul.
Também as escolas devem colocar o
assunto em pauta e incorporar no currículo, cada vez mais, a educação para a
valorização da vida, o respeito pela vida dos outros e o uso consciente das
mídias e tecnologias.
O G1 ouviu
especialistas que dão dicas de como lidar com o tema:
1. Fique atento à mudança de
comportamento
Uma mudança brusca de
comportamento pode ser sinal de que a criança ou o adolescente esteja sofrendo
com algo que não saiba lidar, segundo Elizabeth dos Reis Sanada, doutora em
psicologia escolar e docente no Instituto Singularidades.
“Isolamento, mudança no apetite, o
fato de o adolescente passar muito tempo fechado no quarto ou usar roupas para
se esquivar de mostrar o corpo são pistas de que sofre algo que não consegue
falar”, diz.
2. Compartilhe projetos de vida
Para entender se a criança ou
adolescente está com problemas é fundamental que os pais se interessem por sua
rotina. Elizabeth reforça que este deve ser um desejo genuíno, e não momentâneo
por conta da repercussão do “Jogo da Baleia”.
“Os pais devem conhecer a rotina
dos filhos, entender o que fazem, conhecer os amigos”, afirma a Elizabeth. Ela
lembra que muitos adolescentes “falam” abertamente sobre a falta de motivação
de viver nas redes sociais. Aos pais cabe incentivar que os filhos tenham
projetos para o futuro, tracem metas como uma viagem, por exemplo, e até algo
mais simples, como definir a programação do fim de semana.
3. Abra espaço para diálogo
Filhos devem se sentir acolhidos
no âmbito familiar, por isso, Elizabeth reforça que é necessário que os pais
revertam suas expectativas em relação a eles. “É preciso que o adolescente se
sinta à vontade para falar de suas frustações e se sinta apoiado. Se ele tiver
um espaço para dividir suas angústias e for escutado, tem um fator de
proteção”, afirma Elizabeth.
Angela Bley, psicóloga
coordenadora do instituto de psicologia do Hospital Pequeno Príncipe, diz que o
adolescente com autoestima baixa, sem vínculo familiar fortalecido é mais
vulnerável a cair neste tipo de armadilha. “O que tem diálogo em casa, não é
criticado o tempo todo, tem autoestima melhor, tem risco menor. Deixe que ele
fale sobre o jogo, o que sente, é um momento de diálogo entre a família.”
Angela reforça que muitas vezes o
adolescente não tem capacidade de discernir sobre todo o conteúdo ao qual é
exposto. “Por isso é importante o diálogo franco. Não pode fingir que esse tipo
de coisa não existe porque ele sabe que existe.”
4. Adolescentes devem buscar
aliados
O adolescente precisa buscar as
pessoas em que confia para compartilhar seus anseios, seja no ambiente escolar
ou familiar, segundo as especialistas. “Que ele não ceda às ameaças de quem já
está em contato com o jogo e entenda que quem está a frente deles são
manipuladores”, diz Elizabeth.
5. Escolas podem criar
iniciativas pela vida
Assim como a família, as escolas
podem ajudar a identificar situações de risco entre os alunos. “Não é qualquer
criança que vai responder ao chamado de um jogo como esse, são os que têm
situações de vulnerabilidade. A escola ajuda a construir laços e tem papel
fundamental de perceber como os alunos se desenvolvem”, afirma Elizabeth.
Alguns colégios, já cientes da
viralização do jogo, começaram a pensar em alternativas para aumentar a
conscientização sobre a importância de cuidade da vida. No Colégio Fecap, que
fica na Região Central de São Paulo, essa ideia virou projeto escolar: a turma
de alunos do ensino médio técnico de programação de jogos digitais começou a
criar uma espécie de “contra-jogo” da Baleia Azul. “O jogo ainda está sendo
produzido pelos alunos. Eles estão se reunindo e debatendo a questão. Serão 15
desafios de como desfrutar melhor da vida e celebrá-la”, conta o professor
Marcelo Krokoscz, diretor do colégio.
Durante o curso, os estudantes
aprender a aplicar linguagens de programação para criar jogos para
computadores, videogame, internet e celulares, trabalhando desde a formação de
personagens, roteiros e cenários até a programação do jogo em si. Segundo
Krokoscz, a ideia é que o jogo, ainda sem prazo de lançamento, esteja
disponível on-line para o público em geral.
Ele afirma que o objetivo é a
ajudar os jovens a verem o lado bom da vida. “Impacta mais fortemente nossos
alunos a partir do momento que eles mesmos criam um jogo a favor da vida.”
Por Nicolás Satriano, G1 Rio
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