Alexandre,
Gabriel e Fátima cuidam dos pés
de Cannabis
sativa (Foto: Carlos Brito)
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Canabidiol é utilizado no
tratamento da doença. Família é o terceiro caso no Estado do Rio de habeas
corpus preventivo concedido pela Justiça para o plantio.
A esperança do taxista Alexandre
Meirelles e da dona de casa Maria de Fátima Pereira de Araújo está próxima, no
chão de ardósia da casa que dividem em um bairro da Zona Norte da cidade. Os
seis pés de Cannabis sativa serão utilizados na produção do
Canabidiol, medicamento usado no combate a epilepsia – distúrbio que acomete o
filho do casal, Gabriel, de 14 anos. É só uma questão das flores, com as quais
o óleo é feito, desabrocharem. A família, uma das três em território fluminense
autorizada da Justiça para cultivar a erva, celebra os bons resultados.
"Os efeitos do Canabidiol são
impressionantes. O Gabriel tinha, em média, 30 crises por mês. Depois de
iniciar o consumo do remédio, esse número caiu pela metade. Além disso, ele
passou a ficar muito mais calmo, mais focado. Tomamos essa decisão porque a
importação do remédio é complicada, cheia de burocracia, e o preço final aqui
no Brasil é caro demais. Dois frascos de 60 mililitros custam quase R$ 3 mil.
Não temos dinheiro para isso. E essa quantidade não é o suficiente nem para um
mês. Tentamos uma série de outras alternativas para tratar nosso filho, mas o
Cannabidiol foi a melhor alternativa", afirmou Fátima.
Casal consegue liberação judicial
para plantar Cannabis sativa
Ela e Alexandre – que dizem nunca
ter usado maconha – entraram na Justiça pedindo que o Governo do Estado
fornecesse o remédio de forma gratuita, o que não aconteceu. Diante da
situação, entraram com novo processo, pedindo um habeas corpus preventivo para
que eles mesmos pudessem plantar os pés de maconha e, a partir deles, produzir
o Canabidiol. Desta vez, a decisão judicial foi favorável.
"Concedo salvo-conduto em
favor dos pacientes a fim de que as autoridades encarregadas, Polícia Civil
e/ou Polícia Militar, sejam impedidas de proceder à detenção dos pacientes pela
produção artesanal de Cannabis sativa para fins medicinais,
vedando-se, ainda, a apreensão das plantas em questão, cultivadas para fins de
tratamento do paciente Gabriel Meirelles de Araújo", determinou a decisão
da juíza Cláudia Bartholo Suassuna, proferida em 26 de novembro de 2016.
Foi o momento mais importante de
uma batalha que começou quase seis anos antes.
Era dia 26 de dezembro de 2010.
Gabriel, então com oito anos de idade, ainda estava eufórico por conta do
presente de Natal que, 48 horas antes, recebera dos pais – uma bicicleta. Havia
passado o dia anterior se divertindo com os amigos, pedalando em inúmeras idas
e voltas sobre o chão da vila onde fica a casa dos pais. Apesar da felicidade,
naquela data, uma febre súbita, persistente e muito elevada o atingiu.
Assustados, Alexandre e Fátima
decidiram levar o filho a um hospital. O médico o examinaria, receitaria um
remédio e o liberaria em seguida. Não foi o que aconteceu – o menino sairia da
unidade médica apenas dois meses e 15 dias depois de um coma induzido. No
laudo, duas constatações: encefalite bacteriana – possivelmente contraída por
conta de uma inflamação na garganta - e epilepsia refratária bitemporal.
"Ele saiu do coma e voltamos
para casa, mas as crises começaram a ocorrer de forma constante. As mudanças de
humor eram muito súbitas. Em um instante, ele estava bem. Logo em seguida,
tinha convulsões e ficava muito agressivo. Uma vez, o Gabriel quebrou o vidro
de uma janela aqui de casa com um soco. Além disso, a noção da realidade se
perdeu. Por exemplo: se ele olha pela janela, vê um prédio e decide ir até lá,
ele não descerá as escadas e caminhará pela rua até chegar ao edifício. Não.
Como não possui mais noção do que é real e correto, ele não pensará duas vezes
em se jogar pela janela. Temos que vigiá-lo o tempo todo ", explicou
Alexandre.
A situação piorou em pouco tempo:
Fátima, que trabalhava no setor financeiro de uma empresa petrolífera, foi
demitida. Alexandre perdeu o emprego de professor de Educação Física em uma
escola técnica onde trabalhou por mais de 20 anos. Com o dinheiro da rescisão,
comprou um táxi e passou a viver das corridas diárias. Fátima decidiu ficar em
casa para se dedicar de forma exclusiva aos cuidados de Gabriel. A renda
familiar caiu em razão inversa aos gastos crescentes com as necessidades
apresentadas pelo filho.
"Além dos medicamentos,
pagamos psiquiatra e terapia ocupacional . A alimentação dele também é
controlada, o Gabriel tem que se alimentar dentro de uma dieta de baixo índice
glicêmico. Quando soubemos do Canabidiol, ficamos animados mas, como disse, o
custo é muito elevado. Por isso, essa decisão judicial foi um presente dos
céus. Agora poderemos, nós mesmos, produzir o óleo e continuar ajudando nosso
filho", explicou Fátima.
Desde 2014, a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) vem autorizando
a importação do Canabidiol após análise de cada caso. Ainda assim,
o processo é demorado e o preço do produto importado – na maioria das vezes
produzido nos Estados Unidos - torna seu consumo proibitivo para boa parte dos
pacientes que necessitam dele.
"A Constituição é clara: a
saúde é um dever do Estado e um direito do cidadão. Se o Estado não garante o
remédio, não pode impedir que um casal de cidadãos se mobilize para garantir a
saúde do filho. Trata-se da legítima defesa de uma vida e nenhum direito é mais
importante que esse", avaliou o advogado Ricardo Nemer Silva, da Abra
Cannabis - associação dedicada à inclusão social de pessoas que utilizam a
maconha para fins medicinais.
"Nós lutamos pela saúde de
nosso filho. Não há nada mais importante que ele. E sabemos que, no fim, essa
luta vai ter valido não apenas para ele, mas para todos que dependem desse tipo
de medicação", finalizou Alexandre.
Por Carlos Brito, G1 Rio
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