Emendas parlamentares têm sido
usadas até para pagar taxas obrigatórias do Brasil à ONU (Organização das
Nações Unidas) e financiar colaboradores de consulados do país no exterior,
incluindo psicólogos e advogados que atendem principalmente imigrantes
brasileiras em cidades como Miami, Nova York e Boston.
Com uma parcela do Orçamento cada
vez maior na mão do Congresso, o Itamaraty e o Ministério do Planejamento e
Orçamento —responsável
pelos pagamentos a organizações internacionais— também têm
buscado verbas do Legislativo para ações fora do
país.
Desde 2020, deputados e senadores
destinaram R$ 19 milhões a essas ações, considerando os valores já pagos e
corrigidos pela inflação, segundo dados da plataforma Central das Emendas. Elas
foram executadas tanto na gestão de Jair Bolsonaro (PL) quanto na de Lula (PT).
A reportagem analisou esses
repasses, cuja existência surpreendeu pesquisadores, técnicos e assessores
parlamentares consultados que lidam diariamente com emendas. Normalmente, os
congressistas costumam mandar os recursos para obras e projetos em suas bases
eleitorais.
Especialistas criticam, de forma
geral, a dimensão que as emendas tomaram na última década com mudanças na
Constituição feitas pelo Congresso, o que gerou uma alocação fragmentada e por
vezes sem critérios dos recursos federais.
As emendas usadas no exterior são
uma parte pequena do total de R$ 118 bilhões pago nos últimos cinco anos, mas
também quintuplicaram na comparação entre 2020 e 2024. Nesse caso, os valores
são orçados em dólares, por isso a quantia paga às vezes é maior do que o previsto
(empenhado).
Quase metade do montante que
terminou fora do país veio das comissões de relações exteriores do Congresso. A
pedido do governo, em 2023, o grupo do Senado dividiu cerca de R$ 9 milhões
entre a ONU e o Tribunal Penal Internacional, enquanto o da Câmara destinou
seus R$ 333 mil à Organização Internacional do Café (OIC).
Segundo o Itamaraty, os repasses
se referiram à “quitação das obrigações brasileiras junto a organismos
internacionais, […] que é fundamental para a atuação diplomática do Brasil no
cenário internacional, evitando que o país sofra constrangimentos e sanções,
entre elas a perda do direito de voto”.
O Ministério do Planejamento
também afirmou que “tais contribuições são classificadas como despesas
obrigatórias de caráter continuado”, mas não respondeu por que precisou de
emendas para quitá-las naquele ano.
Já a outra metade das emendas
usadas no exterior é individual, de 26 congressistas. Sete dos dez nomes que
fizeram as maiores indicações são do partido Republicanos, estando no topo da
lista os deputados Maria Rosas (SP), Rosangela Gomes (RJ, licenciada) e
Gilberto Abramo (MG), líder da sigla na Câmara.
A legenda diz que recebeu uma
proposta do Itamaraty para colaborar com ações no exterior e que a acatou,
pedindo que parlamentares atendessem à solicitação do ministério: “Desde 2020,
é graças às emendas parlamentares dos deputados do Republicanos que muitas
iniciativas no exterior se mantêm”, afirma.
Entre os 309 beneficiários das
emendas aplicadas em outros países, além de organizações internacionais,
entidades e empresas, a reportagem identificou 75 nomes próprios de prestadores
de serviços que receberam R$ 2,3 milhões no período, por meio de pessoa física
ou jurídica.
Segundo o Itamaraty e o
Republicanos, a maior parte desses profissionais atua nos Espaços da Mulher
Brasileira, projeto que surgiu em 2017 e hoje existe em nove consulados, nos
EUA, na Europa e na Argentina. Na prática, são consultoras contratadas para
auxiliar imigrantes brasileiras em situação de vulnerabilidade.
Além delas, as emendas ajudam a
bancar ainda psicólogos e advogados das unidades, que também atendem essas
mulheres. Os profissionais passam por processo seletivo local, têm contratos
temporários e recebem em dólares, por horas trabalhadas. A maioria também
demonstra atuar de forma privada.
A psicóloga Virna Moretti, por exemplo, foi a sétima maior beneficiada pelas
emendas no exterior.
Ela recebeu R$ 280 mil no último
ano, uma média de R$ 23 mil por mês, pelo Consulado-Geral do Brasil em Miami,
onde a carga horária máxima é de 40 horas semanais. Com a variação cambial, o
pagamento por um mês de trabalho passou de R$ 19 mil em fevereiro de 2024 para
R$ 28 mil em dezembro.
Procurada, ela afirmou que tem
formação nos dois países e que costuma atender casos delicados envolvendo
tráfico humano, violência doméstica e outros crimes, “trabalho de extrema
responsabilidade e sensibilidade”. “O valor pago por tais serviços, ao longo
desse período, se manteve nitidamente abaixo da remuneração média
correspondente nos EUA”, disse.
Em Nova York, as brasileiras
Danielly Ortiz e Stephanie Mulcock receberam R$ 217 mil e R$ 191 mil desde
junho de 2022, respectivamente, por “serviços de consultoria para o Espaço da
Mulher Brasileira”. Em Boston, a empresária de marketing Juliana Ávila Lobo
recebeu R$ 180 mil por “serviços de apoio administrativo, técnico e
operacional”.
Um funcionário consular que não
quis se identificar diz que o orçamento disponível para a política externa
brasileira é insuficiente e classifica o uso de emendas como um “puxadinho”.
Para ele, porém, nesse caso o dinheiro está sendo bem utilizado.
Marina Atoji, da ONG
Transparência Brasil, afirma ser “surpreendente que representações consulares
não tenham recursos suficientes” e também tenham que contar com emendas. “Tem
se tornado comum algumas ações ou programas ficarem dependentes de emendas”,
diz.
Questionado sobre por que teve
que recorrer a essas verbas, o Itamaraty respondeu que as emendas apenas
“reforçam a dotação orçamentária ‘assistência a brasileiros no exterior’ e
permitem a ampliação e diversificação do apoio prestado às brasileiras no
exterior por profissionais especializados”.
As duas deputadas que mais
enviaram recursos também defendem a importância do projeto e dizem que a verba
está em linha com sua atuação em defesa das mulheres.
Maria Rosas é 1ª Procuradora
Adjunta da Mulher na Câmara e Rosangela Gomes, hoje secretária estadual de
Assistência Social no RJ, foi presidente do grupo parlamentar de amizade
Brasil-EUA e da rede de mulheres da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP).
Jornal de Brasília
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