Governo federal aposta no aumento
da arrecadação, mas incertezas quanto à execução do plano deixam investidores
receosos; aumento da inflação e de impostos podem ser efeitos colaterais
Um dos adjetivos usados pelo
ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, para classificar o arcabouço fiscal na última quinta-feira, 30,
foi “moderno”. Poucos minutos depois de apresentar, em linhas gerais, o novo
conjunto de regras orçamentárias, o petista que comanda a economia do país
estava visivelmente satisfeito em Brasília. A prévia do seu plano fiscal foi
bem recebida pelo mercado financeiro e ganhou
comedido elogio de Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central com
quem o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) vive às turras por causa da alta taxa de
juros. O Ibovespa (principal
índice da Bolsa de Valores de São Paulo) subiu quase 2% (1,89% para ser exato)
e o dólar caiu de R$ 5,136 para R$ 5,098. “É uma regra que compatibiliza o que
era bom da Lei de Responsabilidade Fiscal com o que é bom de uma regra de
gastos para que a trajetória da dívida esteja no rumo correto”, disse Haddad.
“Nós entendemos que temos que recuperar uma trajetória de credibilidade. Se
cumprirmos essa trajetória com esses mecanismos de controle, vamos chegar a
2026 numa situação de bastante estabilidade.” Pouco mais de 24 horas depois, o
otimismo se evaporou, deixando o governo federal de guarda baixa para críticas
do mercado, da oposição e da própria esquerda.
Na sexta-feira, 31, o Ibovespa
recuou 1,77%, arranhando os ganhos do dia anterior. Isso se deveu às incertezas
do mercado com a nova âncora fiscal, que será encaminhada ao Congresso nesta
semana. Um dia após Haddad e sua equipe se mostrarem efusivos com o próprio
projeto de lei complementar, os investidores se perguntaram: ele está mesmo no
caminho certo? “A conta ainda não fecha. A nova regra apresentada tem um nível
de complexidade superior ao teto de gastos vigente, tornando mais difícil a
avaliação dos cenários. Em um cenário que consideramos mais razoável, com um
crescimento do PIB mais próximo a 1,8% no médio prazo, a regra não é capaz de entregar
os resultados primários nem de proporcionar a convergência da dívida pública,
mesmo com a elevação de receitas. Isso só é possível se considerarmos tanto os
parâmetros oficiais, que entendemos mais otimistas em termos de crescimento
potencial, quanto medidas que aumentem as receitas de forma permanente a partir
de 2024 acima de 1% do PIB”, considera Tiago Sbardelotto, economista da XP. “Percepção
é de que a nova regra fiscal ‘não contou toda a história’. Embora o ministro
tenha falado em medidas para incrementar receitas com a correção de distorções
no sistema tributário, não foram apresentados maiores detalhes, exceto uma
previsão preliminar de um ganho de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões. Assim, a
regra apresentada não encerra a discussão sobre o orçamento dos próximos anos.”
À TV Jovem
Pan News, Jansen Costa, sócio-fundador da Fatorial Investimento, também
disse acreditar que “a história não está completa”. Por isso, segundo ele, o
mercado reagiu de maneira mais intempestiva no segundo dia. “Ao logo do tempo,
a gente vai começando a tentar entender como o arcabouço vai funcionar, e não
há uma visão muito positiva daquilo que foi proposto pelo Haddad. Se não
acontecer o aumento da receita, vai piorar nossa relação com a dívida pública.
O governo reclamava da regra fiscal anterior em função da flexibilidade do
processo anticíclico. O que se entende é que a história não está completa. As
projeções colocadas pelo próprio governo e pelos principais analistas do
mercado preveem um crescimento do PIB entre 1,8% e 2% nos próximos anos. E a
conta não fecha. Se não houver um aumento de arrecadação, com a despesa
crescendo acima da inflação, a gente poderá ter problema de descontrole no
futuro. O que Haddad coloca, de maneira não completa, é que vão ter novos
setores que contribuirão com a arrecadação e também com a não criação de
impostos, o que eu acredito que não seja verdade. Teremos novos impostos”,
decreta. “O mercado vai começar a diferir e questionar como será o equilíbrio
fiscal. Foi colocado pelo Haddad que parte da sociedade não paga impostos, e poderia
haver novo equilíbrio na reforma tributária. A grande questão é: de
onde vai sair esse equilíbrio? Se o mercado não tiver essas repostas, vai
começar cobrar através da curva de juros. A conversa vai ser em outro
tom, e a gente tende a realinhar as expectativas de inflação.”
O texto, lembra Costa, ainda
poderá ser modificado no Congresso. Haddad promete entregá-lo na semana que
vem, e Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, afirma que a
votação na Casa será concluída ainda em abril. “O arcabouço vai ser uma
diretriz, mais flexível do que o teto de hoje, mas o ‘X’ vai ser as nossas
negociações para ver quais projetos e votações vamos ter que fazer depois para
ajustá-lo”, declarou o parlamentar do Progressistas. Aprovado na Câmara, o
projeto de lei complementar seguirá para o Senado e, depois, voltará para a
Casa Baixa em caso de mudança no texto. Para aprovação, é necessária a maioria
absoluta dos votos em ambas as casas. Se passar no Congresso, caberá a Lula
sancioná-lo.
Críticas à esquerda e à
direita
A oposição não deu a Haddad a
mesma trégua que o mercado. Tão logo o projeto da nova regra fiscal foi
apresentado pelo ministro, parlamentares contrários a Lula e ex-membros do
governo Bolsonaro soltaram os cachorros para cima do ministro da Fazenda e de
sua parceira no projeto, a também ministra Simone Tebet
(Planejamento). “O arcabouço não é fiscal. É o arcabouço do mal. Fala em
aumentar receitas e não mostra como. Crava que vai aumentar despesas. Ou seja,
o resultado vai ser aumentar a arrecadação pela via da inflação. É o arcabouço
final da economia. Como diria Dilma, dobraram a meta”, disse Ciro Nogueira (PP),
que chefiou a Casa Civil na gestão anterior. “O que se pode dizer com certeza
sobre o arcabouço fiscal é que o PT avançou diversas casas em relação a si
mesmo. O arcabouço é uma tese de doutorado de contabilidade criativa”,
acrescentou.
O Partido Novo diz
que o arcabouço do governo é “regra fiscal frágil, baseada em projeções que só
se concretizarão com aumento de impostos, como se o brasileiro estivesse
disposto a pagar mais pela irresponsabilidade do governo”. “Para a conta
apresentada pelo governo fechar, é preciso um crescimento econômico enorme — e
improvável — ou um aumento expressivo nos impostos. Conhecendo o PT, já sabemos
o que vem pela frente. Prepare a sua carteira”, diz Eduardo Ribeiro, presidente
do partido. Já o senador Sergio
Moro (União Brasil-PR) declarou que o governo Lula quer aumentar
impostos, mas ainda não disse como, e não quer cortar despesas, mas, se
quisesse, não saberia de onde cortar”.
Até mesmo da esquerda foram
disparadas críticas às regras fiscais de Haddad. Os parlamentares do Psol
maneiraram nas palavras, mas deixaram claro a discordância com a equipe
econômica comandada pelo candidato derrotado ao governo de São Paulo nas
últimas eleições. “O teto de gastos foi uma das medidas mais cruéis dos últimos
governos. Enterrá-lo de vez é necessário. Mas não podemos aceitar a sua
substituição por uma proposta que segue a mesma lógica neoliberal e fiscalista,
como o novo arcabouço fiscal. Se implementado, impedirá a aplicação de boa
parte das políticas sociais essenciais ao Brasil. Pior: levará inevitavelmente
o governo a aplicar medidas de ajuste que prejudicarão o povo”, disse a
deputada Sâmia
Bomfim. “Longe de enfrentar o tema estrutural — a ilegal dívida
pública, que consome quase 50% do Orçamento —, [o arcabouço fiscal] limitará a
capacidade do governo de melhorar a vida do povo brasileiro. Mantém a mesma
lógica fiscalista de limitação dos investimentos públicos ao propor a
manutenção do superávit fiscal como premissa”, acrescentou Fernanda Melchionna,
colega de Sâmia na Câmara.
Por Jovem Pan
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