Empresa de biotecnologia em Taizhou, China, analisa testes
PCR de Covid-19 em janeiro de 2020.
Foto: Costfoto/Barcroft Media via Getty Images
Dados chineses
relacionando animais com o coronavírus, feitos na época em que a pandemia
eclodiu, não foram considerados por equipe da OMS
Dados chineses
relacionando animais com o coronavírus, feitos na época em que a pandemia
eclodiu, não foram considerados por cientistas da Organização Mundial da Saúde
(OMS) que investigaram as origens da Covid-19. A revelação foi feita por
uma fonte à equipe à CNN.
Segundo a
fonte, esses registros estão em um anexo de quase 200 páginas publicado junto
com o relatório de março do painel da OMS, mas que recebeu pouca atenção dos
especialistas globais na época. São dados importantes, porém, que podem
reforçar as críticas à China por mais transparência e os pedidos para que a
equipe da OMS volte ao país para mais estudos.
Nenhuma data
foi definida para o retorno da equipe à China, mas a fonte disse que qualquer
futura visita ao país (onde o vírus surgiu na cidade de Wuhan, província de
Hubei, no final de 2019) deve envolver “grupos menores apoiando estudos
específicos primeiro”. Um grupo maior, semelhante àquele de 17 especialistas
internacionais que visitou a região em janeiro, pode chegar na sequência,
acrescentou a fonte.
O anexo do
relatório da OMS contém vários dados que fornecem uma visão intrigante da
evolução do conhecimento da China sobre o vírus e o provável momento do seu
surgimento.
O documento
traz detalhes sobre o armazenamento e destruição pela China de amostras
positivas de Covid-19 de humanos, além de revelar a ocorrência de um surto de
influenza significativo em dezembro de 2019 (quando as primeiras infecções pelo
coronavírus também foram detectadas), e que as primeiras pessoas a apresentar
sintomas da nova doença tiveram contato com um total de 28 mercados distintos
de alimentos e animais naquele mesmo mês.
A equipe espera esclarecer os dados no anexo do relatório da OMS, incluindo uma referência importante a uma grande triagem feita pelas autoridades chinesas em animais suscetíveis ao vírus. A operação teria acontecido na primeira semana de dezembro de 2019. O primeiro caso de um humano contaminado pelo vírus foi registrado no dia seguinte a essa triagem, ou seja, 8 de dezembro de 2019.
Na página 98, o
anexo informa que no dia 7 de dezembro de 2019 foram coletadas amostras de 69
espécies de animais, entre macacos, cervos almiscarados da floresta chinesa,
porcos-espinhos e ratos de bambu. As amostras foram testadas em fevereiro de
2020 para o vírus que mais tarde seria rotulado como SARS-CoV-2 e consideradas
negativas, de acordo com uma declaração da Comissão Nacional de Saúde da China
(NHC) em resposta à CNN.
A existência
das amostras não havia sido divulgada publicamente antes do relatório da equipe
da OMS. A fonte próxima ao painel da OMS disse que o momento coincidente da
coleta da amostra e o surgimento da pandemia levou seus especialistas a
comentar que o fato “é estranho”.
A inserção dos
dados pode ter sido mal redigida, acrescentou a fonte. Segundo essa pessoa, o
painel da OMS aceitou a explicação dos cientistas chineses de que era uma
triagem de rotina, mas o painel queria examinar os dados brutos, já que essas amostras
haviam sido claramente armazenadas.
Em seu
comunicado, o NHC disse que as amostras citadas no anexo foram coletadas entre
fevereiro e dezembro de 2019, pois “antes do surto de coronavírus,
departamentos relevantes já monitoravam ativamente as principais doenças
animais em fábricas de criação artificial de animais selvagens na província de
Hubei”. Não está claro na declaração se as amostras testadas em fevereiro de
2020 foram apenas de 7 de dezembro, ou de um período mais amplo em 2019.
A declaração do
NHC acrescentou: “Como parte da rede de vigilância ativa, as amostras de
animais selvagens foram coletadas com base nas rotinas de atividades dos
animais selvagens. Além da coleta e dos testes regulares, essas amostras foram
armazenadas adequadamente conforme necessário. Após o surto de coronavírus, os
pesquisadores conduziram testes retrospectivos para essas amostras.”
Excesso de mortalidade
A fonte próxima
ao painel disse que a alta taxa de mortalidade em algumas regiões chinesas em
janeiro de 2020 merece um exame mais aprofundado, pois poderia incluir os
primeiros óbitos provocados pelo vírus.
“Os números
dessa mortalidade excessiva surgiram na terceira semana de janeiro em Wuhan, e
um pouco depois em Hubei, refletindo as infecções que aconteceram em algum
momento da segunda quinzena de dezembro”, disse a fonte. "Isso mostra uma
circulação substancial não detectada em dezembro em Wuhan e depois na província
de Hubei”.
A fonte
observou ainda que os dados mostram que a infecção provavelmente começou na
cidade de Wuhan, capital da província de Hubei, e não em outras partes ao redor
da cidade.
“Provavelmente
já existiam alguns casos esporádicos em novembro [de 2019]”, escreveu. “Mas não
em um número substancial, o que significa que começou a se espalhar muito
lentamente e depois se expandiu também muito lentamente”.
A decisão da
China de destruir as primeiras amostras do vírus também está exposta no anexo
do relatório. Na página 116, o documento informa que as primeiras amostras de
tecido de casos de Covid-19 de um importante hospital de Wuhan, o Xinhua, foram
destruídas no início do surto. A fonte disse que o painel determinou que as
amostras fossem destruídas no primeiro semestre de 2020 e isso foi “uma pena”.
O anexo diz que
as leis de privacidade chinesas impediram que as amostras fossem retidas. A
fonte próxima ao painel também aceitou a justificativa chinesa de não ter
“centenas de milhares de amostras potencialmente vivas, guardadas em centenas
de hospitais e clínicas” no momento em que seu sistema de saúde “estava
sofrendo com o auge do surto”.
As tensões no
sistema médico também são evidentes no anexo. O relatório afirma que o Hospital
Xinhua teve um aumento de 40% nas “consultas ambulatoriais em clínicas com
relatos de febre” em dezembro de 2019, em comparação com o mesmo mês do ano
anterior. Vários dados no relatório e no anexo revelam um surto de gripe
generalizado na província de Hubei e áreas circunvizinhas no final de 2019.
Documentos
obtidos pela CNN revelaram
um surto de gripe em dezembro de 2019, mostrando um aumento significativo
em Wuhan, mas também em outras cidades de Hubei no final daquele ano. A causa e
as consequências do surto de doenças semelhantes à influenza permanecem
obscuras.
A fonte disse
que o aumento mostrou que “houve um grande surto de gripe acontecendo mais ou
menos ao mesmo tempo” do surgimento do coronavírus. A aparição simultânea do
surto de gripe com os primeiros casos do vírus “explica as dificuldades de
identificação dos casos da Covid-19 em dezembro e no início de janeiro”, disse
a fonte. Ainda não está claro o impacto do pico de influenza na detecção dos
primeiros casos do novo coronavírus.
Paciente zero?
Detalhes
significativos também são fornecidos no anexo sobre o primeiro caso conhecido
do vírus – uma pessoa que relatou sintomas da infecção em 8 de dezembro.
O anexo dá,
pela primeira vez, maiores detalhes sobre o caso: seria um homem, contador que
trabalhava para a empresa de sua família, e não tinha “evidências de exposições
de alto risco (animais silvestres, ajuntamentos em massa, contatos com serviços
de saúde, contato com indivíduo sintomático, viagem etc.)”.
Ele usava
transporte público, mas não saiu de Wuhan e tinha um parente que trabalhava na
área de saúde. O anexo diz que este primeiro paciente não frequentou o mercado
de peixes e frutos do mar de Huanan, o ponto de comércio de animais que teria
desempenhado um papel importante no surgimento da doença. Com um estudo mais
aprofundado, a importância do mercado ficou menos clara.
Na página 178,
o anexo diz que apenas um terço dos primeiros casos está associado a alguma
exposição ao mercado, e cerca de um quarto desses relatou contato com outros 27
mercados. O primeiro paciente tinha um parente que visitou um “mercado de
animais vivos”. Mas o próprio paciente não teve contato com nenhum desses
mercados e, na verdade, apenas visitou um RT Mart (uma cadeia de supermercados
comum) no distrito de Jiangxia, que ficava a mais de 20 quilômetros do mercado
de Huanan.
A fonte disse
que o fato de poucos casos iniciais estarem associados ao mercado de Huanan
tornou mais difícil estabelecer o papel desse entreposto na disseminação
inicial do vírus, mas “não o excluiu completamente como um ponto de introdução
em Wuhan”.
Um desafio
importante para a investigação foi saber como apenas casos graves do vírus
teriam sido detectados no início de dezembro, ou seja, um pequeno subconjunto
do total de pessoas infectadas. “No início de dezembro, eram dezenas, senão
centenas de casos em todo o mercado que nunca teriam sido descobertos”,
afirmou. “Eles poderiam nos dar pistas sobre o papel do mercado na cidade”.
A fonte disse
que o painel queria maior acesso aos casos anteriores e informações sobre
possíveis pacientes com Covid-19 menos graves, se disponíveis. “Tem sido
difícil julgar sem ter um entendimento claro da conexão entre todos esses
casos. Algumas dessas pessoas eram amigos ou colegas entre si. E passavam muito
tempo juntos jogando cartas enquanto cuidavam de suas lojas. Outros não tinham
nada a ver um com o outro”.
Em março, o
porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Wang Wenbin, disse que a China
elogiou a investigação da equipe da OMS. “A China sempre apoiou a pesquisa
científica global sobre a origem do vírus e suas rotas de transmissão”,
acrescentou.
Nick Paton
Walsh, da CNN
(Texto traduzido. Leia o original em inglês aqui.)
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