Grupo de mulheres preparam almoço para repartir entre famílias vulneráveis. Alberto Valdes/EFE - 13.05.2020 |
A crise
econômica decorrente da pandemia de coronavírus trouxe
imagens que não eram vistas no Chile desde os tempos da ditadura de Pinochet:
milhares de pessoas que vivem em bairros com menos recursos comem todos os dias
graças às "panelas comunitárias", símbolo de fome e pobreza que
assombram o país novamente.
Nos arredores
de Santiago, esse tipo de assistência se multiplicou nas últimas semanas, à
medida que mais famílias ficaram sem renda após o fechamento de muitas lojas,
obras e ampliação da quarentena compulsória.
Na imaginação
popular chilena, a "memória mais imediata" das "panelas
comunitárias" remonta à crise que atingiu o país após 1982, sob a junta
cívico-militar de Augusto Pinochet (1973-1990), explicou o sociólogo da
Universidade do Chile Nicolás Angelcos à Efe.
Quase 40 anos
depois, em Puente Alto, uma das cidades mais pobres da região metropolitana de
Santiago, a líder do bairro, Marta Brunet, Susana Castillo e três companheiros
preparam 250 porções de arroz de frango.
Comida em
Puente Alto
Esse é um dos
14 pontos que, com a ajuda do município de Puente Alto, entregam alimentos para
cerca de 5.000 moradores.
"Está
sempre aparecendo mais famílias, especialmente agora que ampliaram nossa
quarentena. Cada vez mais as pessoas estão perdendo seus empregos", disse
Castillo à Efe enquanto olhava três grandes panelas fervendo.
Daniel Pezoa,
coordenador das organizações comunitárias da cidade, enfatizou que a
"panela comunitária" sempre surge em episódios de
"catástrofe" e que priorizam idosos e deficientes, para que não precisem
sair de casa. Famílias numerosas também são prioridade.
Puente Alto é a
segunda localidade no Chile com o maior número de casos de covid-19 (1.658),
atrás apenas do centro de Santiago (1.873), segundo dados do Ministério da
Saúde divulgado em 10 de maio.
Entrega de refeições em Puente Alto. Alberto Valdes/EFE - 13.05.2020 |
A pandemia do
novo coronavírus elevou o desemprego no Chile para 8,2% no primeiro trimestre
de 2020, seu maior número em uma década. A Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe estima que a economia cairá 4% neste ano e que a pobreza pode
aumentar para 13,7%.
'Pelo menos
me assegura que terei almoço'
Na hora do
almoço, uma caminhonete entrega as refeições em casa, adaptando o formato
tradicional da "panela comunitária", que costumava reunir os vizinhos
em um evento social, algo que o confinamento permite.
Guacolda Bueno,
mãe de cinco filhos, lamentou o momento difícil que sua família está passando:
"Vivíamos com o salário de meu parceiro, que era comerciante, e agora não
temos nada, ele não tem onde trabalhar".
"A panela
comunitária me ajudou muito, então, pelo menos me assegura que terei de
almoço", disse ela à Efe da porta de seu prédio, onde
recebeu sete porções da refeição.
No bairro de
Marta Brunet, Álvaro Muñoz declarou que em outubro passado ele perdeu o emprego
de motorista devido aos protestos que abalaram o país e que, desde então, não
encontrou mais nada.
"Espero
que a quarentena passe para poder sair e procurar alguma coisa, porque não
posso continuar assim", lamentou.
Em outras
partes de Puente Alto, os moradores se organizaram para que a comida não
parasse de entrar nas casas onde "nem o Estado chegou".
Comunidade de Puente Alto sobre com quarentena. Alberto Valdés / EFE - 8.5.2020 |
"Por causa
do terremoto de 2010, fizemos panelas comunitárias por uma semana ou duas, mas
agora precisamos de muito mais organização. E isso continuará por muito
tempo", disse Alina Sandoval, coordenadora da Assembléia de Organizações
Sociais e Políticas da Província de Cordillera, que fornece ajuda para quase
mil pessoas todos os dias.
"Nós nos
tornamos redes de solidariedade, recebemos de 1 quilo de batata a 10 pacotes de
macarrão. Somente as pessoas ajudam as pessoas", acrescentou.
Autogestão,
solidariedade e dignidade
Embora as
"panelas comunitárias" tenham surgido no Chile após a crise de 1929,
foi na década de 1980 que centenas de organizações foram criadas para
"enfrentar coletivamente a pobreza", disse o sociólogo Nicolás Angelcos.
O pesquisador
da Universidade Andrés Bello destacou que as organizações permitiam a
"participação ativa" de mulheres fora de casa, facilitando o
treinamento de líderes sociais e a politização de muitos grupos, que mais tarde
se tornaram "espaços de resistência contra a ditadura".
"É uma
iniciativa diretamente relacionada à autogestão, solidariedade e dignidade.
Anos depois, com o surto de revolta social, eles começaram a emergir novamente
em alguns bairros periféricos, alguns dos quais já eram emblemáticos durante a
ditadura", afirmou Angelcos.
Para o
pesquisador, o reaparecimento de "panelas comunitárias" não é apenas
um indicador de pobreza, mas também mostra algo mais profundo: "É o sinal
do fracasso ou ineficiência de um modelo de proteção oficial que ainda resiste
às políticas de maior bem-estar a longo prazo."
Da EFE, com
R7
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