Carlos Mesa,
que disputará o segundo turno nas eleições presidenciais
na Bolívia, em imagem feita no dia 20 de
outubro
Foto: David
Mercado/Reuters
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No primeiro
turno, Morales teve 45,28% dos votos, contra 38,6% de Mesa, que já foi
presidente durante um ano e sete meses e renunciou ao cargo.
Em 17 de
outubro de 2003, enquanto o então presidente da Bolívia, Gonzalo
Sánchez de Lozada, deixava o país em um voo para Miami, Carlos Mesa chegava à
sede do Congresso para prestar seu juramento.
Como
vice-presidente, o jornalista e historiador Mesa assumiu o comando do país após
renúncia de seu antecessor, em meio a semanas de protestos e um massacre que
deixou mais de 70 mortos e centenas de feridos.
Os incêndios
ainda ardiam nas barricadas das cidades de La Paz e El Alto e, de tempos em
tempos, eram ouvidas explosões de dinamite dos mineiros, quando Mesa jurava com
o sinal da cruz e recebia a faixa presidencial.
Entre 2001 e
2005, a Bolívia teve cinco presidentes. Mesa foi um deles e mal
conseguiu permanecer no poder por um ano e sete meses, em razão da
turbulência instalada no país sul-americano.
Alvo tanto de
manifestantes quanto de partidos políticos, Mesa acabou por renunciar
ao cargo. Agora, 14 anos depois, se aproxima de uma segunda chance graças
ao resultado da eleição presidencial deste domingo (20).
Com quase 90%
dos votos contabilizados, ele deve enfrentar o presidente Evo Morales,
que está no poder há quase 14 anos e busca o quarto mandato consecutivo, no
segundo turno em 15 de dezembro.
Morales
aparece com 45,28% dos votos, contra 38,6% de Mesa. Na Bolívia, para ser eleito
presidente são necessários 40% dos votos e uma diferença de 10% para o segundo
colocado, ou mais de 50% da votação.
Um segundo
turno seria o primeiro em 37 anos, e um duro revés para Evo
Morales, que só conseguiu o direito de disputar um quarto mandato — apesar de
um plebiscito em 2016 ter decidido contra sua reeleição — após uma decisão da
instância máxima de Justiça do país, o Tribunal Constitucional.
Mesa chegou a
esse ponto sob denúncias e críticas não apenas do partido no poder, mas também
dos setores mais radicais da oposição boliviana, que o acusam de lavagem de
dinheiro e corrupção.
Antes da
política
Carlos Mesa,
hoje com 66 anos, estudou em um colégio tradicional jesuíta de La Paz, onde
desde o primeiro ano tornou-se amigo de Roberto Melogno.
Melogno, em
entrevista à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC), lembrou que Mesa
sempre demonstrou interesse por diferentes temas, como história, política,
cinema e futebol, "mas não para jogar, porque ele não era muito
habilidoso".
Seu interesse
passava pelos esquemas táticos e por décadas de estatísticas de diferentes
times bolivianos, sabendo tudo de cor, segundo seu amigo.
Melogno também
destaca a influência dos pais de Mesa sobre o hoje candidato, que eram
ensaístas renomados envolvidos com pesquisas históricas de diferentes fases do
país.
"As
últimas edições do livro História da Bolívia (publicado pela primeira vez há 22
anos) já trazem a assinatura dos três, Teresa Gisbert, José de Mesa e Carlos de
Mesa."
Figura
pública
Mesa terminou o
ensino médio no início dos anos 1970 e se graduou em literatura na
universidade. Em paralelo, passou a ganhar espaço na mídia.
Entre 1980 e
90, se tornou uma figura pública e até fundou um canal de televisão privado com
uma equipe de jornalistas.
A linha
editorial passou a ser alvo de críticas, em razão do alinhamento com as medidas
"neoliberais" da época, como a privatização das empresas bolivianas.
Na opinião de
Sebastián Michel, atual embaixador boliviano em Caracas (Venezuela), Mesa se
encantou com o discurso reformista e modernizador da época, o que o levou a
ingressar no projeto político do bem-sucedido empresário de mineração e chefe
do partido mais poderoso da Bolívia na época, Gonzalo Sánchez de Lozada.
"Ele se
apaixonou por esse governo entre 1993 e 1997 com medidas de ajuste estrutural e
estabilização econômica com alto custo social", disse o diplomata à BBC
News Mundo.
Michel
acrescenta que o atual candidato da oposição acreditava nas políticas
implementadas nos anos 1990, mas estas derivaram na crise social e econômica do
início do século na Bolívia.
Desde então,
eles não se afastaram e hoje o segundo é um dos conselheiros da campanha
presidencial de seu amigo.
Por outro lado,
esta é a fase mais prolífica de Mesa como historiador e jornalista, momento em
que fortalece sua equipe, obtém uma licença para ter um canal de TV e começa a
ganhar prêmios nacionais e internacionais por sua produção jornalística.
Em 2002, já
como um dos rostos mais famosos na mídia boliviana, aceitou o convite para ser
o vice-presidente de Gonzalo Sánchez de Lozada.
O candidato
(parte 1)
No início do
século, o descrédito em torno dos partidos políticos na Bolívia era bastante
elevado, com seguidas manifestações e bloqueios nas ruas, tendo Evo Morales
como um de seus principais protagonistas.
O país
enfrentava uma forte recessão econômica que atingia a maioria da
população. De outro lado, vinham à tona diversos escândalos de corrupção
envolvendo autoridades do país.
É nesse
contexto que Mesa, que até então não havia se aproximado da política
partidária, passa a ser colega de chapa de Sánchez de Lozada numa campanha
voltada à "luta contra a corrupção".
A chapa
Lozada-Mesa venceu a eleição, mas o plantador de coca Evo Morales se colocou
como um líder nacional.
Sem maioria no
Congresso e com o país em meio a uma crise econômica e social, o novo governo
assumiu em 6 de agosto de 2002, mas não durou 15 meses.
'Outubro
Negro'
As
manifestações e os bloqueios nas ruas e estradas aumentaram à medida que
crescia a rejeição a um projeto do governo para exportar reservas de gás para
os Estados Unidos, considerado desvantajoso para o país.
A repressão
violenta, que deixou mortos camponeses e indígenas, resultou em um cerco que
passou a causar escassez de comida e combustível na capital La Paz.
Um dia após o
chamado "comboio da morte", operação policial e militar que acabou em
mortos e feridos, Mesa rompeu com o presidente Sánchez de Lozada, mas anunciou
que permaneceria no cargo de vice-presidente.
O rompimento
foi considerado uma traição pelo governo à época.
Poucos dias
depois, na sexta-feira, 17 de outubro de 2003, a entrada de mineiros
portando bastões de dinamite no coração de La Paz foi o golpe final no governo
Sanchez Lozada e precipitou a chegada do historiador e jornalista à
Presidência do país.
O período é
lembrado na Bolívia como "Outubro Negro" ou "A guerra do
gás".
Mesa como
presidente
Carlos Mesa
fala de seu tempo à frente do país como uma "Presidência sitiada",
expressão que dá título às memórias que publicou sobre sua experiência como
presidente.
Em sua
descrição do período na obra, ele fala em "momentos em que os eventos
aconteceram vertiginosamente".
Ele presidiu
o país entre outubro de 2003 e maio de 2005 sob fogo permanente de protestos, e
com Evo Morales como um feroz adversário.
Mesa também não
conseguiu apoio significativo no Congresso, dividido entre os partidos que
foram parte da coalizão de Sanchez de Lozada e o grupo liderado por Evo.
Em seu breve
mandato, Mesa organizou um referendo para definir políticas nacionais
de hidrocarbonetos, mas a medida estava longe de atender à principal
demanda na Bolívia naquela época: a nacionalização das reservas de gás.
Tampouco
conseguiu pacificar o país ao anunciar a convocação de uma Assembleia
Constituinte.
A controvérsia
sobre os campos de gás permaneceu até o último dia de seu mandato, quando o
Congresso aprovou sua saída em uma sessão de emergência fora de La Paz,
realizada sob o cerco de organizações sindicais.
Ao longo de
anos, aliados do governo de Morales não pouparam críticas ao mandato de Carlos
Mesa, que se qualifica como o último presidente "neoliberal" da
história da Bolívia.
Mesa é
frequentemente responsabilizado pelas dificuldades econômicas que o país
enfrentou quando ele era presidente.
"Se algo
marcou o governo de Carlos Mesa foram suas hesitações e contradições",
afirmou o hoje ministro da Comunicação, Manuel Canelas.
Para o
embaixador Sebastián Michel, essas indecisões levaram Mesa a desperdiçar a
oportunidade histórica que teve quando se tornou presidente.
"Essa é
uma das grandes frustrações políticas que ele sofre", conclui o diplomata.
O candidato
(parte 2)
Em agosto de
2018, em uma reunião com seu grupo de amigos mais próximos e conselheiros
políticos, Mesa falou da possibilidade real de voltar à política.
Era a primeira
vez em que as pesquisas o colocavam como candidato com mais
oportunidades de derrotar Evo na disputa pela Presidência.
A oposição
boliviana busca alternativas para derrotar Morales há 14 anos, mas uma
candidatura única nunca foi acertada em todo esse tempo.
Mesa, no início
da disputa, se afastou de líderes de diferentes regiões, especialmente os de
Santa Cruz (leste), o Departamento (Estado) mais populoso da Bolívia. O
candidato defende a diversificação da economia, para reduzir a dependência do
gás, e a recuperação das instituições, que segundo ele foram cooptadas por Evo.
Na fase final
das eleições presidenciais, o principal adversário de Evo Morales concentrava
seus esforços em pedir o "voto útil" aos bolivianos e, assim,
unificar os detratores de Morales ao seu redor.
O terceiro
candidato mais forte da disputa era Oscar Ortiz, político e empresário da
região, que concentrou grande parte de sua campanha em ataques a Mesa.
Desde que se
tornou candidato, Mesa foi questionado sobre acusações de recebimento de
recursos ilegais quando era candidato à vice-presidência de Sánchez de Lozada.
Ortiz, como
outros oposicionistas e o próprio governo, critica a recusa do candidato em
responder a esses questionamentos. Para Mesa, isso é "guerra suja".
Ex-integrantes
da coalizão de Sánchez de Lozada que não perdoam a "traição" de Mesa
contra o então presidente afirmaram neste ano que o político recebeu
dinheiro ilegal em troca de ser candidato a vice-presidente há 16 anos.
O partido de
Evo Morales pegou carona e ampliou os ataques da direita mais conservadora da
Bolívia para desacreditar Mesa.
Para alguns, o
candidato se saiu bem em não responder às acusações. Outros argumentam que seu
silêncio e sua hesitação sobre as denúncias foram o ponto fraco de sua
campanha.
Parte do
eleitorado se ressente até hoje com a renúncia de Mesa à Presidência enquanto o
país enfrentava uma grave crise social e econômica.
'Evismo
moderado'
Uma fatia dos
críticos aponta que o projeto dele é uma espécie de "evismo
moderado". Morales assumiu o poder em janeiro de 2006 e é o presidente
boliviano que está no cargo há mais tempo na história do país.
Na última
década, o país vem crescendo em média a 5% ao ano. O ciclo, que já foi chamado
de "milagre econômico boliviano", começou em 2006, quando Evo Morales
chegou ao poder.
Uma das
primeiras e principais medidas do presidente, que tenta se reeleger para um
quarto mandato, foi a nacionalização do petróleo e do gás natural.
Parte das empresas privadas foi transferida para as mãos do Estado.
Apesar de
começar com uma política de nacionalizações, tipicamente identificada com
governos de esquerda mais radicais, o modelo de crescimento boliviano não
excluiu as empresas privadas. Pelo contrário.
Além das
multinacionais de óleo e gás, o país também teve um aumento da presença de
marcas internacionais em setores que vão de alimentação a moda e
entretenimento, interessadas no incremento de renda no mercado doméstico,
resultado, em boa parte, das políticas de transferência de renda.
O modelo foi
batizado de "economia plural", com a participação tanto
de setores tradicionais quanto de pequenas e médias empresas e grupos
indígenas.
É uma espécie
de modelo misto, com forte presença do Estado de um lado, tanto no controle dos
recursos naturais quanto nas políticas de transferência de renda para os mais
pobres, e um ambiente bem mais amistoso do que se poderia imaginar à atuação de
grandes empresas, muitas multinacionais.
Em 13 anos de
governo, Morales conseguiu manter o nível de crescimento da Bolívia e controlar
a inflação, que vem desacelerando e ficou perto de 2% em 2018.
Mas o
desempenho de alguns indicadores acenderam sinal de alerta. Um deles são as contas
públicas, que estão no vermelho desde 2014 e vêm se deteriorando. Em 2018,
o deficit chegou a 8,3% do PIB — para efeito de comparação, no Brasil, o
deficit foi de 1,7% do PIB no mesmo período. Há também a expansão do
endividamento público sob seu governo, que passou de 36,8% do PIB em 2008 para
53,8% em 2018.
Morales é alvo
de críticas de diversos setores, a exemplo de ambientalistas e indígenas, que
criticam uma medida federal que ampliou a área permitida para queimadas
controladas. Para esses grupos, o presidente boliviano aprova leis para
anistiar desmatadores, promove a expansão da fronteira agrícola e demorou a
agir contra incêndios na região amazônica.
Além da forte
resistência popular à ofensiva de concorrer a um quarto mandato, o presidente é
contestado também por ataques à imprensa, pela falta de transparência em
contratos públicos (há acusações de favorecimento de aliados do governo) e pelo
aumento da violência doméstica contra mulheres no país.
Para Mesa, é
"preciso terminar com a concentração de poder e com a teoria de que a
Bolívia não pode viver sem Evo". Em sua avaliação, Morales "já fez o
que tinha de ser feito", como valorizar o conceito de ser indígena no
país, ter administrado "razoavelmente" a economia e "não ter
repetido o erro econômico da Venezuela".
Por BBC
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