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Ginecologista
grava vídeos de pacientes nuas e enquanto
praticava abusos sexuais. Reprodução G1
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G1 teve
acesso a 63 vídeos que mostram o ginecologista com 23 mulheres. Para Associação
Médica Brasileira, imagens mostram 'claramente um estupro de paciente'. Prefeito
nega abuso e diz que denúncias são 'jogada da oposição'.
O médico e
prefeito de Uruburetama, José Hilson Paiva, pratica há décadas o crime de abuso
sexual de suas pacientes, conforme denúncias de mulheres que procuraram o
ginecologista em busca de consulta. O G1 teve acesso a 63 vídeos, filmados pelo próprio médico, com
as pacientes. As gravações mostram Hilson com a boca nos seios de mulheres sob
o pretexto de estar tirando secreção e penetrando as pacientes, alegando que
precisava "desvirar" o útero delas.
Especialistas
que assistiram aos vídeos afirmam que em nenhum momento Hilson Paiva realizou
um atendimento ginecológico. "Trata-se de um monstro", e as imagens
"demonstram claramente um estupro da paciente", avaliam profissionais
da Associação Médica Brasileira.
O Ministério
Público ouviu o relato de seis mulheres que dizem ser vítimas de abuso do
médico. O prefeito afirma que nunca fez "nada forçado" e que as
acusações são "jogada da oposição". "Querem me derrubar",
argumenta Hilson de Paiva.
Os vídeos não
podem ser publicados porque há mulheres nuas nas imagens e cenas de abuso
sexual. Elas denunciam o prefeito desde a década de 1980, o que não resultou em
condenação até então. Em outros casos, as mulheres relataram que tinham medo de
denunciar o gestor porque dependiam da Prefeitura de Uruburetama para ter
emprego no serviço público.
"Nunca
tinha ido em consulta nenhuma. Não sabia como funcionava. Se ele estava dizendo
que era daquela maneira, eu tinha que acreditar", relata uma mulher que
diz ter sido abusada por Hilson de Paiva e que não quer se identificar.
O doutor
Hilson, como gosta de ser chamado, tem 70 anos, atende em hospitais públicos e
também é político. Ele foi eleito prefeito de Uruburetama em 2016 com 76% dos
votos.
‘Todo mundo
tem ele como boa pessoa’
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Denúncia das
pacientes é de que o prefeito de Uruburetama abusava
das mulheres durante atendimento em
consultório
Foto: TV
Verdes Mares/Reprodução
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Onze mulheres
ouvidas pelo Fantástico afirmaram que buscaram Hilson de Paiva pela boa
reputação que ele tinha como médico na cidade. "Todo mundo tem ele como
uma pessoa boa, sem saber o que ele faz", afirma outra vítima.
Elas contam que
eram atendidas em consultório particular na casa de José Hilson e também no
Hospital Municipal da cidade.
Uma delas foi
abusada quando tinha 14 anos. Atualmente maior de idade, ela diz que nunca
contou nada pra ninguém sobre o caso e que voltava a se consultar com o doutor
Hilson porque ele era o único ginecologista de Uruburetama.
"Ele
sempre trancava a porta, mandava a gente entrar e mandava a gente tirar a
roupa. Pegava no seio, ficava pegando no corpo da gente, colocava o pênis dele
na gente."
Outra vítima
estava com um nódulo no seio quando marcou uma consulta com o médico.
"Fiquei nua. Eu achei estranho foi ele usar um canudo e chupar os meus
seios."
Em cinco dos 63
vídeos aos quais o G1 teve acesso, o Hilson de Paiva aparece
com a boca nos seios das pacientes. Ele fala que é um procedimento médico para
ver se há secreção. “Diminuindo, melhorou", argumentava o médico após o
procedimento abusivo.
"O que eu
vi é uma maneira muito fácil de ludibriar as pessoas. Você não vai preparada
pra lidar com uma situação dessa. A gente vai muito preparada pra ficar
curada", relata outra paciente do médico.
'Trata-se de
um monstro'
O
secretário-geral da Associação Médica Brasileira, Antônio Jorge Salomão,
assistiu aos vídeos e avaliou o conteúdo. Para ele, nenhuma das imagens mostra,
a qualquer momento, um procedimento médico. "Em nenhum momento da
humanidade existe esse procedimento. Isso é asqueroso."
Para o vice-presidente
da associação, Diogo Leite Sampaio, o caso se trata de crime. "Ele está se
aproveitando da paciente. Ele não está examinando, procurando nenhum problema
na paciente. Isso é crime."
Das 11 mulheres
localizadas pelo Fantástico que acusam o médico José Hilson, duas aparecem em
três dos 63 vídeos.
Uma delas conta
que procurou o doutor Hilson em 2012 porque não conseguia engravidar. No vídeo,
ela já aparece nua, no consultório particular do médico, onde ele atende até
hoje. A mulher nunca havia feito exame ginecológico.
"Ele
pegava nos seios e pediu pra fazer sexo oral com ele", lembra a paciente.
"Fazer uma aplicação oral porque é muita secreção mesmo. Muita, muita,
muita", argumentava o médico. "Perguntei a ele por quê. Ele pegou e
disse que não, que era o procedimento. Que era o que o médico fazia. Que ele
tinha que ver a minha sensibilidade. Eu disse pra ele que não, que eu não
queria."
O vídeo mostra
que, em seguida, o médico coloca a paciente em pé, de costas, apoiada na maca.
"Pode virar. Isso, bem devagar", comenta Hilson no vídeo. "Ele
começou a mexer detrás de mim. Ele dizia: 'Você tem que me ver como médico.
Você não pode me ver como um homem. Eu sou seu médico'."
O abuso deixou
trauma na paciente. "Eu era uma pessoa que achava graça do nada, sabe?
Agora todo mundo acha estranho. Vem falar comigo e eu estou séria. Eu não
consigo mais brincar com ninguém", lamenta.
Uma outra
paciente que aparece nos vídeos gravados pelo médico foi abusada, segundo ela,
em 2017. O crime ocorreu também no consultório particular do ginecologista e
mostra o mesmo tipo de abuso: a paciente nua, de costas, e ele dizendo que está
fazendo um exame. "Isso tá muito inflamado, mulher", diz o médico no
vídeo.
"Ele
introduziu algo na minha vagina nessa hora. Ele vai levando na lábia",
relata a vítima. Ela não denunciou o médico. Diz que, por causa do abuso, faz
tratamento psicológico e psiquiátrico. "Eu me sinto nua e despida, como se
a culpa fosse minha."
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| Pacientes relatam que procuravam Hilso Paiva devido à credibilidade que ele tinha como médico Foto: TV Verdes Mares/Reprodução |
Analisando o
caso dessa paciente, representantes da Associação Médica Brasileira avaliam que
não houve atendimento profissional. "Não existe um tratamento clínico,
muito menos uma manipulação que esse senhor, que eu nem posso chamar de médico,
fez com a paciente", argumenta Diogo Leite Sampaio.
Os vídeos
mostram o ginecologista com pelo menos 23 mulheres. Dentre elas, 17
"claramente" foram enganadas pelo médico e sofreram abusos sexuais,
conforme avaliação dos especialistas.
"É
indescritível as cenas que nós observamos. Não se trata de um médico. Trata-se
de um monstro”, avalia o secretário-geral da Associação Médica Brasileira.
"São crimes graves. Muitas das imagens demonstram claramente um estupro da
paciente, que precisam ser punidos severamente. São imagens repugnantes. São
imagens de um criminoso que não faz medicina", complementa Diogo Leite
Sampaio.
Denúncias
desde 1986
O médico José
Hilson é nascido no Ceará e se formou no Rio de Janeiro em 1976. Depois de
obter o diploma, voltou para o estado. Entre 1989 e 1992, assumiu a Prefeitura
de Uruburetama pela primeira vez, quando virou notícia no Brasil por fazer a
primeira prestação de contas do município em praça pública.
As primeiras
denúncias ocorreram em 1986. Em 1994, duas mulheres foram à polícia denunciar
Hilson de Paiva por assédio sexual durante as consultas. O caso foi arquivado,
sem a condenação do médico. "Ele pediu pra eu ficar de lado, colocar a
língua pra dentro e pra fora, com os olhos fechados", conta uma mulher que
diz ter sido abusada pelo ginecologista em 1994 e não fez a denúncia na época.
"Quando eu
senti, eu estava colocando minha língua no pênis dele. Saí correndo, e ele foi
pro banheiro, vestindo as calças."
Mulher de
Hilson também foi prefeita
A mulher de
Hilson de Paiva, Maria das Graças Cordeiro de Paiva, assumiu a Prefeitura de
Uruburetama por dois mandatos, entre 1997 e 2004. Em seguida, Hilson foi vice-prefeito
entre 2013 e 2016.
Na campanha
mais recente, que terminou com ele eleito prefeito pelo Partido Comunista do
Brasil (PC do B), Paiva falava em lutar pela saúde pública. "Nós
precisamos pensar no nosso povo. No povo de Uruburetama. O povo de Uruburetama
tem que ser respeitado."
Em 2018, o
prefeito enfrentou uma crise quando um dos vídeos
com as relações abusivas que ele mesmo gravou foi divulgado na
imprensa. Com a repercussão do caso, cinco mulheres procuraram a polícia e
denunciaram o médico por crimes sexuais. A ex-prefeita saiu em defesa do
marido. Para ela, houve uma relação extraconjugal, mas não um estupro ou abuso.
"Eu quero saber qual é o homem que não trai sua esposa. Eu não conheço no
Brasil", afirmou Maria das Graças na época.
Além de as
pacientes não terem conseguido a condenação, o prefeito entrou na Justiça
contra quatro delas, alegando calúnia e difamação. Três desistiram de denunciar
o médico para evitar serem processadas. A única que mantém as acusações disse
ter sido abusada em 1994.
"Para o
processo [de calúnia e difamação contra as pacientes] ser arquivado, as vítimas
teriam que pedir desculpa pra ele. Quando chegou na minha hora, eu disse: 'eu
não vou pedir desculpa, você quem deve me pedir desculpa'."
No Fórum de
Uruburetama, o juiz do processo, José Cléber Moura do Nascimento, não quis
falar sobre o caso.
Denúncias em
outras cidades
José Hilson
também atendeu pacientes na cidade de Cruz, a 150 quilômetros de Uruburetama.
Além de ter um consultório particular, foi médico da família e atuou como
clínico geral no Centro de Saúde e no Hospital Municipal. Em Cruz, ele também
gravou vídeos com cenas de abuso sexual; 40 dos 63 vídeos foram filmados em um
consultório do centro de saúde.
As cenas são
parecidas com as de Uruburetama: o ginecologista fala que está fazendo um exame
e engana as pacientes. Doze sofrem abusos. Uma delas foi atendida em 2012.
"Olhei no
jaleco dele, ele com os genitais dele toda de fora. Ele realmente queria
penetrar em mim. Eu saí de lá correndo. Hoje, eu estou aos poucos buscando
força em Deus, tratamento e o apoio da família."
Ela conta que
Hilson a chamava de "bebê". Nos vídeos, ele trata todas as pacientes
com esse termo. "Tá muito inflamada ainda, bebê"; "Isso,
bebê"; "Muito irritado, bebê, ainda", diz em alguns trechos dos
vídeos.
Essa palavra
traz sofrimento até hoje para vítima. "Quando [alguém] me chama de bebê,
vem um impacto. Não aceito esse nome. Bebê, pra mim, é muito chocante."
‘Nunca fiz
nada forçado’
Em entrevista,
o prefeito nega ter realizado qualquer prática de abuso. Para ele, as denúncias
são uma estratégia de políticos de oposição para afastá-lo.
"Eu
nunca fiz nada forçado. Nada à força, não tive nada forçado. Isso é uma jogada
da oposição. Querem me derrubar." Ele afirma que teve relações sexuais com
algumas mulheres, "mas não foi no consultório".
Questionado por
que filmava as pacientes, Hilson diz apenas que o repórter "perguntou
demais" e deixa o local da entrevista.
Por meio de
nota, o advogado do prefeito afirma que o cliente teve conhecimento dos vídeos
apenas por "ouvir dizer", que "aguarda as mídias para uma
manifestação mais concreta sobre o caso" e que irá ao Ministério Público
para saber sobre a veracidade do material.
Conforme
juristas ouvidos pelo G1,
Hilson de Paiva pode ser condenado pelas filmagens que fez das pacientes e
também por violação sexual mediante fraude e estupro.
"Há muitos
anos que esse homem vive abusando um monte de mulheres. Eu espero que aconteça
justiça por muitas que não podem falar, que não sabem como falar, que não pôde
se defender", diz uma das pacientes do médico.
Por Alessandro Torres e Kilvia Muniz, G1 CE



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