© David Ross Warfaa,
torturado durante a guerra civil na Somália,
será
indenizado em cerca de R$ 2 milhões
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Um ex-motorista
do Uber que vivia na Virgínia, nos EUA, cometeu atos de tortura durante a
guerra civil da Somália no final dos anos 1980, concluiu na terça-feira um júri
americano.
O ex-coronel
Yusuf Abdi Ali era um dos comandantes do Exército nacional e partidário do
ditador Mohamed Siad Barre, conforme consta no processo.
Até este mês,
ele dirigia para o Uber, com uma nota de avaliação alta: 4,89.
Na semana passada,
o cidadão somali Farhan Tani Warfaa contou que foi baleado e torturado por Ali
há mais de três décadas em depoimento ao tribunal federal na cidade de
Alexandria, na Virgínia.
O júri
considerou então que Ali foi responsável pela tortura de Warfaa, concedendo à
vítima uma indenização de US$ 500 mil (cerca de R$ 2 milhões).
Warfaa, que
abriu o primeiro processo contra Ali em 2004, disse à BBC que ficou "muito
feliz" com o veredito.
"Estou
muito, muito satisfeito com o resultado", afirmou por meio de um tradutor
do tribunal.
Sequestro
Ele contou que
foi sequestrado em sua casa no norte da Somália por um grupo de soldados de Ali
em 1987.
Nos meses
seguintes, Warfaa disse que foi interrogado, torturado, espancado e baleado sob
as ordens de Ali, que era comandante de batalhão.
Abandonado para
morrer, ele diz que só conseguiu sobreviver subornando os coveiros para
poupá-lo.
Documentário
Ali foi
identificado pela primeira vez em um documentário de 1992 da Canadian
Broadcasting Corporation, que detalhava as denúncias de que Ali havia
torturado, matado e mutilado centenas de pessoas enquanto trabalhava para o
regime de Barre.
Na época da
transmissão, Ali estava morando em Toronto, onde trabalhava como guarda de
segurança.
No
documentário, várias testemunhas no norte da Somália descreveram assassinatos
brutais ordenados por Ali, conhecido como "tukeh", que quer dizer
"o corvo".
Pouco após ser
exposto, Ali foi deportado do Canadá por "graves violações dos direitos
humanos", segundo consta no processo.
Os EUA também o
deportaram, mas ele retornou ao país em 1996. Não está claro como ele conseguiu
entrar novamente em território americano. Ele esteve vivendo na Virgínia todo
esse tempo. O processo contra ele foi acatado pela Justiça pela primeira vez em
2004, mas, segundo o jornal New York Times, foi suspenso por 15 anos por causa
de uma batalha legal para decidir se um cidadão somali poderia dar entrada em
uma ação judicial nos EUA por tortura em outro país.
Checagem de
antecedentes
Em maio,
repórteres da CNN deram uma volta de Uber com Ali disfarçados de passageiros.
Ele contou aos jornalistas que dirigia para o Uber e o app Lyft em tempo
integral, preferindo turnos de fim de semana porque "era ali que estava o
dinheiro".
Perguntado se o
processo de inscrição para ser motorista era difícil, Ali respondeu que era
simples: "Eles só querem verificar seus antecedentes, é isso."
Ele dirigiu
para o Uber por cerca de 18 meses, depois de passar por uma checagem de
antecedentes realizada por uma empresa especializada.
© BBC Warfaa (ao centro) e sua equipe de advogados celebram o veredito |
Ele agora foi
"permanentemente removido" do aplicativo, segundo informou um
porta-voz do Uber à BBC.
A porta-voz da
Lyft, Campbell Matthews, afirmou que a empresa estava "horrorizada"
com as acusações contra Ali.
"Nós
banimos permanentemente este motorista da nossa comunidade e estamos prontos
para ajudar a aplicação da lei em qualquer investigação", afirmou
Matthews.
As verificações
de antecedentes do Uber e do Lyft são conduzidas pela agência Checkr.
O processo de
verificação da Checkr varia de acordo com o cliente, mas inclui "fontes
padrão da indústria", como o banco de dados nacional Sex Offender (de
condenados por crimes sexuais), a lista de procurados do FBI e da Interpol, várias
listas de sanções internacionais, além de históricos de tribunais locais e
federais.
"Segundo a
lei federal, as agências de informação ao consumidor que processam verificações
de antecedentes dependem de registros criminais que foram arquivados em um tribunal,
em vez de fontes não confirmadas, como os resultados de buscas no Google",
afirmou um porta-voz da Checkr.
"A maioria
dos empregadores não solicita verificações de antecedentes que incluam ações
civis entre entidades privadas porque as informações são subjetivas demais para
serem usadas para uma decisão de contratação".
Antes de trabalhar para o Uber e
a Lyft, Ali trabalhou como guarda de segurança no Aeroporto Internacional de
Dulles, perto de Washington DC.
O veredito
A decisão de terça-feira, a favor
de Wafaa, exigiu "um esforço heroico", informou sua advogada, Kathy
Roberts.
Roberts faz parte do Centro de
Justiça e Responsabilidade (CJA, na sigla em inglês), organização sem fins
lucrativos com sede em San Francisco que busca levar à justiça suspeitos de
crimes de guerra.
Grande parte do processo de
Warfaa, frustrado por atrasos de mais de uma década, dependia da possibilidade
de Ali ser considerado culpado por um tribunal americano de um crime cometido
na Somália.
A Lei de Proteção às Vítimas de
Tortura (TVPA, na sigla em inglês) proíbe a tortura, seja em solo americano ou
no exterior, e permite que cidadãos e não cidadãos americanos apresentem
denúncias de tortura e assassinatos extrajudiciais cometidos em países estrangeiros.
A TVPA só permite que as ações
judiciais resultem em indenização monetária, em vez de prisão.
O caso de Warfaa incluiu os
depoimentos de um ex-embaixador dos EUA, de soldados que serviram sob o comando
de Ali e de outra vítima do ex-coronel, que argumentou que Ali havia ordenado
atos de tortura e uma tentativa de assassinato extrajudicial.
A decisão do júri dos EUA foi
dividida, considerando Ali culpado apenas de tortura.
Ainda assim, Warfaa está
"absolutamente entusiasmado", disse Klein.
"Ele estava esperando 31
anos por este dia."
Já o advogado de Ali, Joseph
Peter Drennan, afirmou à CNN que ele e seu cliente ficaram desapontados.
"Yusuf Abdi Ali foi
considerado culpado porque ele era comandante de um exército que serviu sob um
regime que tinha um histórico frágil de direitos humanos. Mas, além do
depoimento do autor do processo, não havia praticamente nenhuma evidência de
que Ali torturou alguém", declarou Drennan.
Drennan disse ainda que Ali não
pode se dar ao luxo de pagar pela indenização, lembrando que ele perdeu
recentemente o emprego como motorista.
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