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Maxwell/WMOF2018/AFP Signatários de carta aberta acusam
o papa de ter suavizado posições e se
posicionado contra os
mandamentos
da Igreja
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O papa Francisco está sendo acusado
de heresia por um grupo de sacerdotes e teólogos. A denúncia, explicitada em
carta divulgada no dia 30 de abril, é uma das mais graves acusações que podem
ser feitas contra um clérigo e vem provocando crescente enfrentamento entre
católicos ultraconservadores e moderados.
Nesta
segunda-feira, 13, o número de signatários da carta aberta chegou a 86, segundo
o portal de notícias religiosas LifeSiteNews, que divulgou o
documento. Até agora, contudo, não foi endossada publicamente por nenhum
cardeal ou bispo.
Na mensagem de
20 páginas, os religiosos conservadores pedem que o conjunto dos bispos
católicos investigue Francisco pelo “delito canônico da heresia” e
pregam que outros sacerdotes critiquem o papa publicamente.
Dizem ainda que
decidiram tomar essa medida “como último recurso” para responder ao dano
causado pelas palavras e ações do papa Francisco, “que deram lugar a uma das
piores crises da história da Igreja Católica”.
O que é
heresia?
Na teologia, a
palavra heresia é geralmente usada para definir uma doutrina contrária aos
dogmas de uma igreja ou de uma religião. Segundo uma elucidação mais
recente, fixada pelo Código de Direito Canônico, é a “negação pertinaz, depois
de recebido o batismo, de alguma verdade na qual se deve crer com fé divina e
católica, ou ainda a dúvida pertinaz acerca da mesma”.
Na carta
aberta, os signatários afirmam que está cometendo heresia quem duvida ou nega,
por meio de palavras ou ações, “alguma verdade divinamente revelada da fé
católica” e persiste em seu questionamento, apesar de saber que essa verdade
“foi ensinada pela Igreja Católica como uma verdade divinamente revelada”.
Decidir se um
integrante da Igreja Católica é herege é responsabilidade da Congregação para a
Doutrina da Fé, o departamento de fiscalização da doutrina do Vaticano.
Quais são as
acusações contra o papa?
Os motivos para
a acusação contra o papa, segundo os signatários, residem principalmente no
fato de ele ter suavizado posições e, na opinião deles, se posicionado contra
os mandamentos da Igreja.
Os estudiosos
afirmam que Francisco tem dado sinais de abertura do Vaticano a homossexuais e
divorciados, tem se aproximado demais de outras religiões e não tem sido
enfático o suficiente em condenar o aborto. A carta traz ainda
transcrições de declarações públicas e documentos assinados pelo papa para
comprovar sua heresia.
Em um trecho do
documento, o pontífice é acusado de aceitar que católicos divorciados e
recasados civilmente possam ser admitidos, em certas circunstâncias, à
comunhão.
A denúncia se
refere principalmente ao documento Amoris Laetitia (A
Alegria do Amor, em tradução livre), publicado por Francisco após o sínodo
da família, realizado entre 2014 e 2015 para discutir mudanças na relação da
Igreja com os fiéis.
Na declaração,
o papa pede uma Igreja menos rígida e mais cheia de compaixão diante de qualquer
membro “imperfeito”, como os divorciados e os fiéis que estão no segundo
casamento civil. Na reunião de bispos, também se discutiu a possibilidade de
comungar divorciados que se casaram novamente — desde que haja discernimento e
uma preparação. A Igreja Católica considera o casamento indissolúvel e o
novo casamento, um adultério.
Os signatários
da carta aberta afirmam ainda que Francisco “protegeu e promoveu” clérigos
homossexuais ativos e acredita que “a atividade homossexual não é gravemente
pecaminosa”. O pontífice já recebeu transexuais e chegou a dizer que
aqueles que rejeitam homossexuais “não têm coração”.
Também foi
criticado por nomear arcebispo o religioso José Tolentino de Mendonça, que,
segundo a carta, já se posicionou publicamente favorável à ideia de que o
aborto é um direito das mulheres.
Para os
signatários, ao elogiar as pessoas que “dedicaram suas carreiras a se opor ao
ensino da Igreja e da fé católica”, Francisco “comunica a mensagem de que as
crenças e ações dessas pessoas são legítimas e merecedoras de elogios”.
“Juntas, todas
essas posições equivalem a uma rejeição total do ensino católico sobre o
casamento e a atividade sexual, o ensino católico sobre a natureza da lei moral
e o ensino católico sobre a graça e a justificação”, afirmam.
O documento
ainda critica o papa por ter dito que as intenções de Martinho Lutero, fundador
da Igreja Luterana, “não eram equivocadas” e ter assinado um comunicado
conjunto com luteranos no qual mencionava os “presentes teológicos” da Reforma
Protestante, que deu origem à religião após ruptura com a Igreja Católica.
Também menciona
a aproximação do Vaticano com o islamismo como “herética”. Em fevereiro, o
pontífice assinou um comunicado conjunto com o Grande Imã de Al Azhar dizendo
que o pluralismo e a diversidade de religiões eram um “desejo de Deus”.
A carta ainda
vai além e acusa o argentino de proteger religiosos denunciados por abuso
sexual. O texto cita uma série de nomes de cardeais, bispos e padres envolvidos
nos escândalos de pedofilia e abusos em países como Estados Unidos, Alemanha,
Chile e outros.
O que os
aliados dizem?
Após a
publicação da carta, muitos bispos, teólogos e outros membros da Igreja se
pronunciaram de forma favorável ao papa Francisco. A grande maioria dos
defensores do pontífice afirma que o documento falhou em provar que ele cometeu
“heresia material”.
Em um simpósio
realizado em 8 de maio na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, o
cardeal italiano Gualtiero Bassetti, presidente da Conferência Episcopal
Italiana, afirmou que os pensamentos e textos escritos por Francisco não são
“de modo algum” improvisados. Segundo ele, tudo que o pontífice prega é
“fruto de uma reflexão teológica profunda e viva, extraída de sua experiência
como pastor e teólogo”. “
Atacar o papa
Francisco dessa maneira é ir longe demais ”, afirmou o bispo Noel Simard,
presidente da Assembleia dos Bispos Católicos de Quebec, no Canadá.
Para o padre
Thomas Petri, vice-presidente e reitor acadêmico da Casa Dominicana de Estudos,
dedicada à formação teológica dos frades dominicanos em Washington D.C., os
signatários da carta podem receber severas punições canônicas por suas
opiniões. “Não está claro para mim que qualquer coisa que o papa tenha dito
chegue à heresia material ”, escreveu no Twitter.
Thomas G.
Weinandy, padre americano e importante estudioso da teologia, afirmou que
Francisco já deu declarações ambíguas, que foram interpretadas erroneamente por
bispos e cardeais que “querem implementar o ensino equivocado dentro de suas
dioceses”.
O padre e autor
australiano Brian Harrison revelou que foi convidado a assinar a carta, mas se
recusou a fazê-lo porque acreditava ser injusto acusar o papa sem antes
deixá-lo se defender.
“Eu recusei,
porque eu não acho que você pode julgar alguém – especialmente um papa! – de
ser um herege formal sem primeiro ouvir o que ele poderia ter a dizer em sua
autodefesa”, afirmou em um artigo. Francisco ainda não se pronunciou sobre o
caso.
Teólogos também
argumentaram que a ideia de que divorciados e recasados possam ser aceitos pela
Igreja já foi defendida anteriormente, inclusive pelo papa Bento XVI,
considerado por muitos mais conservador do que Francisco.
Em 1972, Joseph
Ratzinger, mais tarde Bento XVI, escreveu que o casamento é indissolúvel, mas
quando “um primeiro casamento se rompeu há já algum tempo” e de modo
irreparável, e quando “um segundo enlace se vem manifestando como uma realidade
moral e está presidido pela fé, especialmente no que concerne à educação dos
filhos” deve-se consentir com a comunhão. O alemão diz apenas que o processo
deve contar com o parecer do pároco e dos membros da comunidade.
Julia Braun
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