Em
entrevista exclusiva à jornalista Orla Guerin, da BBC, Maduro
fez uma série de afirmações controversas —
Foto: BBC
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Quantos
países reconhecem Juan Guaidó como presidente? Quanto custa 1 kg de queijo na
Venezuela? Quantos venezuelanos deixaram o país desde o início da crise?
Analisamos 8 frases de Nicolás Maduro ditas em entrevista exclusiva.
Na entrevista
exclusiva que concedeu à BBC News, o presidente da Venezuela, Nicolás
Maduro, deu várias declarações controversas.
Ele pôs em
dúvida algumas afirmações da jornalista Orla Guerin e acusou os principais
meios de comunicação de estarem por trás de uma campanha liderada pelos Estados
Unidos contra o seu governo.
Analisamos
abaixo oito frases de Maduro, para checar se correspondem ou não à realidade.
1.
"Temos problemas? Claro, mas a Venezuela não é um país de fome. Tem altos
níveis de nutrientes e acesso à alimentação"
A crise
econômica da Venezuela tem provocado dificuldade de acesso a produtos básicos,
inclusive a alimentos. Ainda que seja possível encontrar ovos, frango e
presunto, por causa da inflação, os altos preços e a perda do poder aquisitivo
dos venezuelanos fazem com que muitos tenham dificuldade para comprar esses
produtos.
Parte da
população, portanto, passa fome atualmente. Segundo dados da última Pesquisa
sobre Condições de Vida, realizada por várias universidades da Venezuela, em
2017, 64%
dos venezuelanos haviam perdido aproximadamente 11 kg de peso em um ano.
Além disso, 8,2
milhões de venezuelanos - cerca de 30% da população - ingeriram em 2017 duas ou
menos porções de comida por dia, e de baixa qualidade nutricional.
O governo
assegura que tem protegido seis milhões de famílias com a venda mensal, a preço
subsidiado, de uma caixa com produtos básicos, como farinha, azeite, massa e
arroz.
Mas, afinal de
contas, há ou não fome sistêmica na Venezuela?
Existem três
parâmetros para falar de fome: que ao menos 20% dos lares sofram com escassez
severa; que a desnutrição alcance mais de 30% da população; ou que, por dia,
morram duas pessoas a cada 10 mil em decorrência de falta de alimentação.
De acordo com
Susana Raffalli, nutricionista especializada em gestão de segurança alimentar
em emergências humanitárias e desastres naturais, a Venezuela está numa
situação grave, mas ainda não se encontra em estado de fome.
2. "Nós
temos números oficiais e não passam de 800 mil os venezuelanos que saíram nos
últimos anos buscando alternativas"
Uma das frases
mais controversas de Maduro na entrevista foi a referência à cifra de
venezuelanos que deixaram o país devido à crise.
Enquanto ele
fala em 800 mil, organismos internacionais, como as Nações Unidas, mencionam
números muito superiores.
Segundo a
Agência de Migração da ONU, cerca de 2,3 milhões de venezuelanos abandonaram o
país nos últimos anos, o
que equivale a 7% da população.
A maioria
elegeu como destino os Estados Unidos e países da América Latina que falam
espanhol, sobretudo a Colômbia.
Ainda que
alguns venezuelanos tenham voltado à Venezuela por não encontrar oportunidades
ou por sofrer discriminação em outras nações, a grande maioria continua no
exterior. Alguns, inclusive, contam histórias de sucesso e de abertura de
negócios nos países de acolhida.
3."É
preciso levar em conta a guerra econômica e a perseguição financeira a que
estamos sendo submetidos. Perseguiram cada conta que tínhamos e isso impactou a
realidade econômica"
Maduro e seu
governo sempre atribuíram a crise da Venezuela a uma "guerra
econômica" liderada pelos Estados Unidos contra o país.
As sanções
econômicas impostas pelos EUA à Venezuela passaram do congelamento de bens de
pessoas ligadas ao governo venezuelano a medidas que, de fato, impactaram as
finanças do país latino-americano, que é altamente dependente da exportação de
petróleo.
Mas a crise na
Venezuela começou muito antes dessas sanções. Em 2013, o preço internacional do
petróleo caiu, reduzindo as receitas do país. Mas problemas de gestão também
ficaram evidentes já que o próprio volume de produção do petróleo venezuelano
vinha diminuindo.
O dinheiro que
a Venezuela obtinha com a venda de petróleo ao exterior era usado para
importação de produtos básicos em quantidade suficiente para abastecer o
mercado interno.
Com a queda na
receita, as importações se reduziram. As recentes sanções
dos Estados Unidos à indústria petrolífera venezuelana são um
golpe adicional às finanças do governo.
"Agora, o
chavismo pode dizer, com mais razão, que a crise econômica é produto da pressão
dos Estados Unidos", disse à BBC Mundo Geoff Ramsey, analista do Centro de
Estudos de Washington sobre América Latina.
O chanceler da
Venezuela, Jorge Arreaza, afirmou que o impacto das sanções americanas é de US$
30 milhões.
4. "Nenhum
país do mundo aguentaria uma inflação de 1.000.000%"
Maduro rebate a
estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI) de que a
inflação da Venezuela alcançou 1.000.000% em um ano. Para o presidente
venezuelano, o FMI está sempre ao lado de políticas neoliberais que
"favorecem o capital em detrimento do social".
Faz anos que o
governo deixou de publicar dados oficiais sobre inflação, calcanhar de Aquiles
histórico da economia venezuelana que disparou com a chegada de Maduro ao
poder, em 2013.
A Venezuela
vive um processo hiperinflacionário (termo usado quando o aumento mensal de
preços alcança 50%) que alguns consideram como um dos piores do mundo desde a
Segunda Guerra Mundial.
Às vezes, um
mesmo produto sofre aumento de preço de um dia para o outro. O governo assegura
que é uma inflação induzida por um ataque estrangeiro à moeda nacional, o
bolívar. Em agosto do ano passado, Maduro respondeu cortando
cinco zeros do bolívar.
Segundo a
Assembleia Nacional (o congresso nacional venezuelano), controlada pela
oposição, em janeiro, a inflação na Venezuela foi de 191%.
5.
"Ganhamos 23 eleições de 25. É preciso se perguntar por que os esquemas
mentais que vocês trazem do norte não funcionam na Venezuela"
Maduro tem
razão. Desde que Hugo Chávez se alçou ao poder em 1999, dando início à chamada
revolução bolivariana na Venezuela, o chavismo venceu 23 das 25 eleições
ocorridas no país.
Muitos desses
triunfos ocorreram em meio ao boom do petróleo (alta no preço das commodities,
inclusive petróleo e gás), que Chávez soube usar a seu favor na política.
As únicas
derrotas do chavismo foram no referendo por reformas à Constituição de 2007 e
nas eleições legislativas de 2015, que deram à oposição maioria na Assembleia
Nacional.
No entanto, a
oposição contestou muitas dessas vitórias eleitorais, sobretudo as últimas.
Chegou,
inclusive, a boicotar a eleição
presidencial de maio de 2018por entender que as condições não eram
justas, já que os principais líderes de oposição com chance de vitória foram
presos ou impedidos de concorrer por decisão judicial.
Maduro venceu a
eleição, mas não foi reconhecido pela Assembleia Nacional, o que impulsionou a
atual crise institucional e política.
6. "Não
são 50 (países que reconhecem a presidência de Juan Guaidó). É uma dezena de
governos, não de países, que estão alinhados com a política de Donald
Trump"
A jornalista da
BBC Orla Guerin perguntou a Maduro sobre os 50 países que
reconheceram o líder da oposição, Juan Guaidó, como presidente interino
da Venezuela. Maduro replicou dizendo que não são 50, mas sim uma
"dezena".
Mas a realidade
é que o número total de países que reconheceram Guaidó se aproxima mais da
cifra mencionada por Guerin. De acordo com o último levantamento da BBC, mais
de 40 nações, entre as quais o Brasil, declararam apoio ao líder da oposição.
7.
"Jamais houve nem haverá repressão"
Maduro negou
que o Exército vá disparar contra voluntários que eventualmente tentem entrar
no país com a ajuda humanitária que a oposição e os Estados Unidos deixaram nas
fronteiras da Venezuela com Colômbia e Brasil.
Guerin
perguntou também sobre a denúncia das Nações Unidas de que ao menos 40 pessoas
morreram em protestos recentes, sendo pelo menos 26 vítimas das forças de
segurança venezuelanas.
"Só um
grupo pequeno de delinquentes que saíram às ruas e foram flagrados em seus atos
de violência", respondeu o presidente venezuelano.
A cifra de 26
mortos foi apresentada pelas Nações Unidas em 29 de janeiro. "Pelo menos
26 pessoas morreram supostamente após serem atingidas por disparos das forças
de segurança ou de membros de grupos armados pró-governo durante as
manifestações que ocorreram entre 22 e 25 de janeiro", disse Rupert
Colville, porta-voz do escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A ex-presidente
do Chile Michelle Bachelet, alta-comissária da ONU, pediu uma investigação
independente para apurar se houve uso excessivo da força.
Várias
famílias, principalmente de áreas pobres, também denunciam assassinatos
extrajudiciais por parte das forças de segurança do Estado. Essas acusações não
são novas. Nos quatro meses de protestos de 2017, estima-se que morreram cerca
de 120 pessoas, a maioria nas mãos da Guarda Nacional Bolivariana.
Alguns desses
casos foram registrados em fotografias e filmagens veiculadas na televisão. O
governo garante que abriu investigações.
Em fevereiro do
ano passado, a corregedora da Corte Penal Internacional, Fatou Bensouda,
decidiu abrir um "exame preliminar" sobre a situação na Venezuela
para avaliar "se os presentes crimes estão no âmbito de competência da
Corte Penal Internacional".
8.
"Pode me dizer quanto custa 1 kg de queijo na Venezuela?"
Orla Guerin
encerrou sua entrevista com Maduro com uma pergunta sobre a vida cotidiana:
"Qual o preço de um 1 kg de queijo?".
O presidente
venezuelano disse que havia vários preços. Guerin retrucou que custa um salário
mínimo - atualmente 18 mil bolívares.
De fato, na
Venezuela, os preços variam conforme a região e de acordo com os diferentes
tipos de queijo do país, uma das principais riquezas gastronômicas de lá.
Mas, como disse
Guerin, efetivamente 1 kg de queijo do tipo mais comum custa em torno de 18 mil
bolívares em Caracas, capital da Venezuela.
Perguntamos a
colaboradores da BBC Mundo qual o preço em outras partes do país. Em Puerto Ordaz,
no leste, o preço varia entre 17.000 e 23.000 bolívares. Em Valencia, no
centro-oeste, pode ser comprado a 11.500 bolívares. Em Maracaibo, no oeste,
custa entre 12.000 e 18.000.
Por BBC
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