© Acervo
pessoal Jorge Bergallo (esq.) e o filho Jorge Ignacio,
que atuaram em épocas distintas no submarino
argentino ARA San Juan
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O amor pelo mar
e pela navegação foi passado de pai para filho numa história que durou décadas
e acabou subitamente com a implosão do submarino argentino ARA San Juan, no
fundo do oceano.
E quis o
destino que ambos tivessem trabalhado na mesma embarcação, em épocas distintas.
"Passei
para meu filho o amor pelo mar de forma inadvertida. Adorávamos ficar horas
conversando sobre o mar, a navegação, a cartografia, os desafios no mar. E não
quero que tirem o corpo do meu filho de lá", afirma o capitão de mar e guerra
da reserva Jorge Rolando Bergallo, 68, em entrevista à BBC News Brasil.
Ele cita dois
motivos para rejeitar o resgate do corpo do filho Jorge Ignacio, subcomandante
do ARA San Juan, um dos 44 tripulantes mortos na tragédia.
O primeiro é
logístico, ligado às dificuldades técnicas para retirar quase 2.000 toneladas
de destroços em um lugar de difícil acesso. O segundo é afetivo.
"Não quero
ver o corpo do meu filho tanto tempo depois de estar no fundo do mar. Quero
lembrar do meu filho como está na última foto que me mandou quando a navegação
zarpou", diz.
Ele se refere à
imagem enviada desde a base de Ushuaia, na região da Patagônia, no sul da
Argentina, de onde partiu no dia 13 de novembro de 2017, dois dias antes de o
submarino desaparecer.
"É algo
difícil de explicar, mas é uma conexão forte. E tenho certeza que meu filho
também não gostaria que retirassem seu corpo de onde está", afirma, com a
voz embargada, ao lembrar também de muitos marinheiros que pedem, antes de
morrer, que suas cinzas sejam jogadas no mar.
Nos passos do
pai
Jorge Bergallo,
hoje professor de mestrado na área de segurança internacional, estratégia e
geopolítica, entrou para a Escola Naval da Argentina quando tinha 16 anos e
passou mais de três décadas na Marinha. Por causa da carreira, ele precisou se
mudar com a família na Argentina e no exterior.
© EPA ARA
San Juan levava 44 tripulantes quando
perdeu
comunicação e sumiu dos radares
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Dos cinco
filhos, somente o primogênito decidiu seguir os passos do pai. Jorge Ignacio
entrou na Escola Naval aos 19 anos.
"Fiquei
emocionado. Foi uma felicidade imensa. Pensei que se Jorge quis entrar para a
Marinha é porque teve uma vida que lhe pareceu interessante, tendo um pai
marinheiro", afirma Bergallo.
Os dois
chegaram a conviver em diferentes momentos na Marinha, entre 1994 e 2004,
período em que o pai atuou como diretor do departamento de educação da Escola
Naval.
Segundo
Bergallo, o filho se sentia bem embarcado. "O mar é um espaço maravilhoso,
uma imensidão misteriosa e desafiante e nele estamos também mais perto das
estrelas. É apaixonante."
A carreira em
ascensão do filho acabaria interrompida aos 42 anos. Antes de ocupar o posto de
subcomandante do submarino ARA San Juan, ele foi comandante de uma embarcação
que saiu de Murmansk, na Rússia, fez escala em Salvador, na Bahia, após 45
dias, antes de chegar a Buenos Aires.
"Depois
dessa viagem conversamos muito também sobre a navegação, sobre as manobras,
sobre os momentos difíceis da trajetória. Na família, éramos chamados de chatos
de tanto que falávamos sobre a Marinha", relata o pai dele.
Nestes dias,
Jorge Ignacio deveria estar embarcando para um curso de especialização de dois
anos na Itália, após ter sido selecionado pela Marinha argentina. Pai de uma
filha de 12 anos, Pilar, passou para ela o amor pelos esportes. Ele gostava de
praticar rugby e a filha se dedica ao hipismo no balneário de Mar del Plata, a
cerca de 400 quilômetros de Buenos Aires, onde moravam.
Operações de
busca
O submarino ARA
San Juan foi localizado em 17 de novembro, um ano e dois dias após ter
desaparecido a cerca de 600 quilômetros da cidade de Comodoro Rivadavia, onde
estava o centro das operações de resgate.
O último
contato feito pela embarcação ocorreu em 15 de novembro de 2017, informando por
meio de mensagens sobre uma falha nas baterias do submarino, horas antes de
desaparecer nos radares.
Segundo as
autoridades, durante uma tormenta, entrou água no sistema de ventilação quando
o submarino estava próximo da superfície.
A tripulação
retornava do porto de Ushuaia, onde realizou exercícios militares, e seguia em
direção à base naval de Mar del Plata.
De origem alemã
e fabricado para não ser localizado, o submarino feito nos anos 1980 mergulhou
numa profundidade ainda maior para se proteger da tormenta. "Quanto mais
no fundo, mais tranquilo. O mar é magnífico, mas quando se irrita, é difícil. É
preciso saber amá-lo e respeitá-lo. Com ele, ninguém pode", afirma Jorge
Bergallo.
A busca
envolveu cerca de 15 países - incluindo Estados Unidos, Rússia e Brasil - e foi
cercada de críticas de familiares de tripulantes, que questionaram o governo do
presidente argentino Mauricio Macri quanto às causas do desaparecimento, à
transparência das informações sobre o episódio e à demora na localização da
embarcação.
O ARA San Juan
acabou encontrado após dois meses de buscas da empresa americana Ocean
Infinity, contratada pelo governo argentino. A operação de quase R$ 28 milhões
utilizou um robô submarino capaz de atuar em áreas de profundidade e pressão
elevadas e visibilidade reduzida.
Encontros nos
sonhos
A descoberta,
mesmo sem sobreviventes, representou um alívio para alguns familiares. "É
amargo, é triste saber que um filho já não está mais entre nós. Dói demais. Mas
não saber o que tinha acontecido, não saber onde o submarino estava, era
profundamente angustiante", disse.
Os destroços
indicam que houve uma implosão próxima ao fundo do mar e que a morte dos
tripulantes foi instantânea.
"Me
tranquiliza saber que meu filho não sofreu. Que foi tudo rápido. Meu filho e
seus colegas tripulantes, provavelmente, não tiveram tempo de perceber (o
desfecho) porque o submarino colapsou por dentro", afirma Bergallo.
A perda, relata
o pai, gerou um conforto emocional inesperado: sonhos quase diários com o
filho. "Sonho que estamos conversando sobre o mar, que estamos rindo, nos
abraçando. Sonho com ele sempre bem. Quando ele era pequeno, ainda no colégio,
e com ele adulto", disse.
Em um dos
sonhos, afirma o pai, conversaram até sobre o que teria acontecido com o ARA
San Juan, antes de ser localizado. "Acho que agora meu filho, que era um
ser humano incrível, está no céu ou a caminho do céu. Eu, minha mulher e meus
filhos somos católicos praticantes e acreditamos que ele está com Deus e estará
sempre ligado ao mar que tanto amava."
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