Beate
Zschäpe esteve no centro de um dos mais longos
julgamentos da história moderna da Alemanha.
(Foto: Reuters/Michaela Rehle)
|
Beate
Zschäpe foi considerada culpada por envolvimento em assassinatos cometidos por
célula terrorista neonazista também acusada de ataques à bomba e assaltos a
bancos.
Após cinco anos
de julgamento na Alemanha, uma mulher de 43 anos que ficou conhecida como
"a noiva nazista", enquanto membro de uma gangue neonazista que
operou durante 11 anos no país, foi considerada culpada por 10 assassinatos com
motivação racial.
Beate Zschäpe
era a principal ré em julgamento pelo assassinato de oito turcos, um cidadão
grego e uma policial entre os anos 2000 e 2007.
A decisão do
tribunal estadual de Munique a
sentencia agora à prisão perpétua.
A relação ente
os assassinatos foi descoberta por acaso em 2011, depois que um roubo frustrado
revelou a existência do grupo neonazista - e célula terrorista - chamado National
Socialist Underground (NSU).
Zschäpe, de 43
anos, integrava o grupo ao lado de dois homens com quem dividia um apartamento
na cidade de Zwickau, no leste da Alemanha.
Identificados
como Uwe Mundlos e Uwe Böhnhardt, os dois morreram em uma espécie de pacto de
suicídio, após uma tentativa de assalto a banco.
Um incêndio no
apartamento que dividiam - aparentemente em uma tentativa de destruir provas -
levou Zschäpe a se entregar.
"Oi, eu
sou Beate Zschäpe, a mulher que vocês procuram há dias", disse ela a um
policial, por telefone, em 8 de novembro de 2011. Segundo o jornal alemão
"Augsburger Allgemeine", o agente que respondeu à chamada disse que
não sabia nada sobre o caso e encerrou a ligação. Horas depois, acompanhada do
advogado, a mulher se entregou em uma delegacia da cidade de Jena, onde havia
passado a infância.
Os sete anos de
atuação da NSU expuseram graves deficiências no monitoramento de neonazistas
pelo Estado alemão, e levou a um inquérito público para investigar como a
polícia fracassou em descobrir o plano de assassinatos.
Mais de 600
testemunhas foram ouvidas no tribunal de Munique, fazendo deste julgamento um
dos maiores na história da Alemanha pós-guerra.
Outros quatro
acusados também receberam penas de prisão por terem ajudado a gangue
neonazista. Ralf Wohlleben foi condenado a 10 anos por auxiliar e encorajar os
assassinatos - foi ele quem obteve a arma silenciada usada nos crimes. Carsten
Schultze, um adolescente na época, foi considerado culpado de entregar a
pistola e o silenciador à gangue. Foi condenado a três anos.
André Eminger
recebeu uma pena de dois anos e seis meses por ajudar ao grupo terrorista. Holger
Gerlach foi condenado a três anos por dar sua certidão de nascimento e outro
documento de identidade a Uwe Mundlos.
Mesmo antes do
veredicto, o advogado de defesa de Zschäpe já disse que ela recorreria contra
qualquer pena de prisão perpétua.
Durante o
julgamento, a mulher negou ter participado dos assassinatos, alegando que só
soube deles após terem sido cometidos por Mundlos e Böhnhardt.
Como atuou a
'noiva nazista'
Foto
divulgada pela polícia em 2009, datada de 2004,
Mostra Zschäpe e Böhnhardt juntos
(Foto:
HO/DPA/Bundeskriminalamt/AFP)
|
De acordo com
um artigo publicado em 2013 pela Deutsche Welle, a mãe de Beate Zschäpe não
sabia que estava grávida até buscar atendimento em um hospital para o que
pensava ser um problema nos rins.
As duas nunca
tiveram um bom relacionamento e Zschäpe foi cuidada pela avó durante anos.
Ainda segundo o
artigo, ela entrou em uma gangue de jovens aos 14 anos e, dois anos, depois
conheceu Uwe Mundlos, que se tornou seu primeiro namorado e parceiro nos
primeiros roubos de dinheiro e cigarros.
Mundlos foi
para o serviço militar, e Uwe Böhnhardt, seu melhor amigo, teve um caso com
Zschäpe.
Mas a história
não foi motivo de conflito e os três passaram a viver juntos no apartamento em
Zwickauer a partir de 2008.
Mundlos era
apontado como o cérebro do grupo, Böhnhardt como o encarregado das armas e
Zschäpe como responsável por cuidar do apartamento.
Após a morte da
dupla, ela pegou uma lata de gasolina e ateou fogo ao apartamento, fugindo em
seguida. Dias depois, acabou se entregando à polícia.
Quem foram
as vítimas?
O caso da NSU
engloba 10 assassinatos, dois atentados à bomba em Colônia, que deixaram mais
de 20 pessoas feridas, e 15 assaltos a banco.
As vítimas dos
assassinatos foram principalmente turcos, alvejados com uma pistola CZ 83 ao
longo de sete anos.
Um grego
identificado como Theodoros Boulgarides também foi morto em 2005.
A última vítima
foi Michèle Kiesewetter, uma policial alemã baleada e morta quando estava
sentada dentro de uma viatura, em um intervalo do serviço em 2007.
A relação entre
os assassinatos só seria descoberta anos depois.
Por que os
assassinatos ficaram anos sem solução?
A polícia
suspeitava que os assassinos fossem turcos étnicos nas comunidades das vítimas,
o que lhes rendeu o apelido de "os assassinos do Bósforo", em
referência ao famoso canal que leva esse nome em Istambul, na Turquia. Parte da
imprensa alemã também chegou a usar o termo depreciativo "assassinos
doner" - em referência ao doner kebab, um prato típico turco feito de
carne assada.
Investigadores
cogitavam a hipótese de parte das vítimas ter sido morta em acertos de contas
por envolvimento em atividades criminosas - alegações que já foram retiradas do
processo.
As famílias das
vítimas, seus advogados e ativistas têm demonstrado frustração há muito tempo
com o fragmentado sistema de policiamento da Alemanha, com 16 jurisdições
diferentes para os 16 Estados.
Eles acreditam
que o racismo institucionalizado dificultou a investigação e o julgamento.
Em particular,
apontam para a agência de inteligência doméstica BfV, acusada por eles de ter
destruído e editado arquivos relacionados à célula terrorista depois que ela se
tornou conhecida, em 2011, além de ter protegido informantes pagos no submundo
neonazista.
Abdulkerim
Simsek tinha 13 anos quando seu pai, um florista e primeira vítima da NSU, foi
morto em 2000.
Ele disse à
mídia alemã que ver o corpo do pai baleado foi "o pior dia" de sua
vida.
Ele e parentes
de outras vítimas acreditam que há mais envolvidos nos crimes ainda em
liberdade e que deveriam ser levados a julgamento. "Havia alguém com
conhecimento local observando todas as vítimas", disse Simseks ao jornal
alemão Süddeutsche Zeitung.
"Esse
espião e outros apoiadores da NSU ainda estão soltos por aqui. E isso me
incomoda muito."
Questões não
respondidas
Jenny Hill,
correspondente da BBC News em Berlim, observa que Zschäpe estava sorrindo e
relaxada nos minutos que antecederam o anúncio de sua sentença à prisão
perpétua. A mulher falou apenas duas vezes ao longo dos cinco anos de
julgamento.
"Mas,
embora as sentenças condenatórias provavelmente sejam bem-vindas pelas famílias
das vítimas, nem esses processos, nem uma série de investigações oficiais
responderam a questões fundamentais", diz Hill.
"Como e
por que os assassinos escolheram suas vítimas?", questiona ela e vai além:
"Por que as autoridades alemãs - que dependiam de informantes pagos de
dentro da comunidade neonazista e são acusadas de racismo institucionalizado -
aparentemente fazem tão pouco para protegê-los?"
Como a NSU
foi apanhada?
Em 2011, um DVD
incomum foi recebido por algumas agências de notícias alemãs contendo uma
espécie de confissão do grupo pelos crimes que havia cometido.
O dispositivo
mostrava imagens manipuladas junto ao famoso personagem do desenho animado
Pantera Cor-de-Rosa, em que o grupo exibia mensagens se vangloriando dos
assassinatos, além de imagens dos atentados.
Em 4 de
novembro do mesmo ano, Mundlos e Böhnhardt roubaram um banco em uma cidade
alemã, como parte de uma série de assaltos semelhantes que haviam praticado.
Desta vez, porém, a polícia conseguiu segui-los até uma van em que haviam se
escondido.
Apesar de estar
armada, a dupla não resistiu - e foi encontrada morta no interior o veículo.
Investigadores acreditam que Mundlos atirou em Böhnhardt antes de se matar.
Zschäpe, então
a única sobrevivente do trio da NSU, supostamente ateou fogo ao apartamento
onde os três moravam em Zwickau. Ela se entregou poucos dias depois.
Contudo, o dano
que o incêndio causou no imóvel não destruiu tudo - e os investigadores
encontraram uma cópia do DVD da Pantera Cor-de-Rosa, ligando o trio ao nome da
NSU e aos assassinatos.
A arma que
teria sido usada nos assassinatos também foi encontrada nos escombros.
O público
saberia a partir de então que uma célula neonazista havia operado impunemente
por 11 anos, matando 10 pessoas - e que havia permanecido durante todo esse
tempo desconhecida pela polícia.
Uma indignação
pública generalizada se seguiu a isso, juntamente com várias investigações
parlamentares que exigiram maior vigilância das atividades neonazistas.
Em julho de
2015, o Parlamento alemão aprovou um conjunto de reformas dando maior poder ao
BfV para evitar que as falhas na investigação desse caso se repitam.
Esse conjunto
de reformas incluiu mudanças importantes no uso de informantes pagos,
conhecidos como "V-Leute".
Por BBC
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentario.
Fique sempre ligado do que acontece em nossa cidade!