© Fornecido
por El Pais Brasil Xi Jinping, em 24 de outubro,
no XIX
Congresso do Partido Comunista.
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“Esconder a força e aguardar o momento.” Deng
Xiaoping, o grande protagonista da abertura econômica chinesa, recomendava
manter a China em segundo plano no cenário global, enquanto o país
lutava para sair da pobreza e deixar para trás o marasmo de 10 anos de Revolução
Cultural. Mas essa etapa ficou no passado. Na “nova era” proclamada pelo
presidente Xi Jinping, o gigante asiático está decidido a ocupar o papel
de protagonista da arena global, que, aos seus olhos, a história lhe deve.
Através de Xi, o líder mais poderoso do país em décadas e que continuará no
poder além dos 10 anos inicialmente previstos, a nação quer moldar a ordem
mundial para se consolidar como referente e criar oportunidades estratégicas
para si e suas empresas, além de legitimar seu sistema de governo. E já não
hesita em divulgar esses planos.
“Nunca o mundo
teve tanto interesse na China, nem precisou tanto dela”, declarava solenemente
no mês passado o Jornal do Povo, o mais oficial das publicações
oficiais de Pequim. E o atual momento – em que os Estados Unidos presididos
por Donald Trumpabrem mão de seu papel de líder global, a Europa está
presa em suas próprias divisões e o mundo ainda arrasta as consequências
da crise financeira de 2008 – apresenta uma “oportunidade histórica”
que, segundo o comentário, “abre-nos um enorme espaço estratégico para manter a
paz e o desenvolvimento e ganhar vantagem”. A assinatura como “Manifesto”
indicava que o texto representava a opinião dos mais altos dirigentes do
Partido.
Essa ambição
não é nova: a catástrofe que significou o Grande Salto Adiante (1958-1962)
foi provocada, no fim das contas, pela vontade de Mão Tsé-Tung de
transformar a China numa potência industrial em tempo recorde. A novidade, de
fato, é que isso seja agora proclamado – e cada vez mais alto. Em seu discurso
no XIX Congresso Nacional do Partido Comunista, em outubro, quando renovou
seu mandato por outros cinco anos, Xi anunciou a meta de transformar o país
“num líder global em termos de fortaleza nacional e a influência internacional”
até 2050. A data não é casual: até lá, a China já terá esgotado seu dividendo
demográfico (hoje a estrutura etária de sua mão de obra, ainda relativamente
jovem, é benéfica para o crescimento econômico do país).
Aos olhos de
Pequim, a China nunca teve esse objetivo tão ao seu alcance. A diferença não é
pautada apenas pelas circunstâncias geopolíticas ou por seu auge econômico, mas
também por sua situação interna. Nunca, desde os tempos de Mao, um líder chinês
havia contado com tanto poder, nem tinha se sentido tão seguro no cargo.
Xi não deixa de
acumular postos e títulos, oficiais e extraoficiais. Secretário-geral do
Partido, presidente da Comissão Militar Central, chefe de Estado, “núcleo” do
Partido e agora lingxiu, o líder, um tratamento que só havia sido
concedido a Mão e ao seu sucessor imediato, Hua Guofeng.
Universidades do país inteiro abrem centros de estudo dedicados ao seu pensamento;
as ruas de qualquer cidade estão cheias de cartazes pedindo que a população
aplique suas ideias. De uma forma marcante, não vista em décadas, a lealdade ao
Partido, e em consequência a Xi, é a condição essencial para se ter sucesso em
qualquer atividade que tenha a ver com o onipotente Estado.
Xi se
apresentou como o grande defensor da luta contra as mudanças climáticas, a
globalização e os tratados de livre comércio
A consolidação
do poder de Xi vai ser coroada na sessão anual da Assembleia Nacional Popular,
o Legislativo chinês, que será inaugurada na próxima semana no Grande Palácio
do Povo de Pequim. Os deputados aprovarão, entre outras coisas, a eliminação do
limite temporário de dois mandatos que a Constituição impõe ao presidente,
abrindo caminho para que o mandatário continue à frente do país por tempo
indefinido.
A China
multiplicou sua expansão internacional já durante o primeiro mandato de Xi.
Seu Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura completará três
anos concedendo empréstimos equivalentes a mais de 13,4 bilhões de reais. Sua
nova Rota da Seda – um plano para construir uma rede de
infraestrutura ao redor do mundo – acaba de incorporar oficialmente a América
Latina, mira o Ártico e se dispõe e realizar sua segunda reunião internacional
em 2019. Seus investimentos em diplomacia têm sido vastos. Em 2017, o país
destinou a essa área o equivalente a 25,5 bilhões de reais, um aumento de 60%
em relação a 2013. Já os EUA propuseram cortar 30% das despesas com o serviço
exterior.
Enquanto Washington abandona
seus compromissos internacionais, a China está disposta a preencher esse vazio.
Xi Jinping se apresentou como o grande defensor da globalização, da luta
contra a mudança climática, dos tratados de comércio internacionais.
Pequim já mantém acordos de livre comércio com 21 países – um a mais que
Washington – e, segundo suas autoridades, negocia ou planeja incluir outros 10.
Os
investimentos do Governo e das empresas da China e no exterior são um dos
principais pilares dessa estratégia. Na América Latina, o país já concedeu mais
créditos que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Ano
passado, investiu o equivalente a 390 bilhões de reais em 6.236 empresas de 174
países, segundo seu Ministério do Comércio. Como parte do plano de se tornar um
país líder em tecnologia e fazer com que esse setor seja uma das principais
fontes de seu PIB, a China comprou empresas fundamentais em áreas estratégicas,
como a líder alemã em robótica Kuka e a fabricante de chips britânica
Imagination. Já é um referente em inteligência artificial.
Mas sua
presença no exterior não se limita ao terreno diplomático e comercial. Ser uma
potência global requer não apenas ter acesso aos recursos e conexões com o
resto do mundo, mas também defendê-los e se defender. E a China, com o
equivalente a 490 bilhões de reais, é o segundo país com maior gasto
militar, atrás dos EUA, e moderniza rapidamente seu Exército. Já conta com sua
primeira base militar no exterior, em Djibuti, e, segundo o Afeganistão,
estuda construir uma segunda base num canto remoto desse país.
Mas se a China
hoje inspira mais simpatia que os EUA em diversos países – incluindo aliados
tradicionais de Washington, como México e Holanda, segundo
informou o Pew Research Center em 2017 –, seu auge também gera desconfiança. O
Eurasia Group descreveu a influência chinesa em meio a um vazio de liderança
global como o primeiro risco geopolítico para este ano. “[A China] está fixando
padrões internacionais com a menor resistência já vista”, afirma a consultoria.
“O único valor político que a China exporta é o princípio de não ingerência nos
assuntos internos de outros países. Isso é atrativo para os Governos, acostumados
às exigências ocidentais de reformas políticas e econômicas em troca de ajuda
financeira.” Menção especial, entre outras coisas, merece o investimento chinês
em inteligência artificial. “[Esse investimento] procede do Estado, que se
alinha com as instituições e companhias mais poderosas do país e trabalha para
garantir que a população se comporte como o Estado deseja. É uma força
estabilizadora para o Governo autoritário e capitalista do Estado chinês.
Outros Governos acharão esse modelo sedutor.”
Outras vozes
também demonstram alarme. O primeiro-ministro australiano, Malcom
Turnbull, denunciou em dezembro a influência da China nos assuntos
políticos de seu país, mediante lobbies e doações, e
apresentou um projeto de lei que busca frear isso. O diretor do FBI, a polícia
federal dos EUA, Christopher Wray, também advertiu que Pequim pode ter
infiltrado agentes até mesmo nas universidades. Um relatório do think
tank alemão MERICS e do Global Public Policy Institute alerta para a
crescente penetração da influência política da China na Europa, especialmente
nos países do Leste. E um grupo de acadêmicos conseguiu, graças aos protestos
do ano passado, que a editora Cambridge University Press restabelecesse artigos
censurados por não coincidirem com a visão do governo chinês em assuntos
como Tiananmen e Tibete.
A crescente
assertividade de Pequim pode beirar a arrogância ou o desdém pelas normas
internacionais. No mar do Sul da China, onde suas reivindicações de soberania
enfrentam as de outras cinco nações, o país tem construído ilhas artificiais em
áreas em disputa, apesar dos protestos dos Estados vizinhos e dos EUA.
Recentemente, a imprensa recriminou a Suécia por suas pressões pela
libertação de Gui Minhai, o livreiro sueco detido no mês passado quando
viajava a Pequim escoltado por dois diplomatas.
Além dos
alarmes, começam a soar também – de modo ainda muito incipiente – propostas
para contra-atacar essa pujança ou os aspectos menos benevolentes dela. O
presidente francês, Emmanuel Macron, pediu a unidade dos 27 parceiros da
União Europeia para não perderem terreno para a China. A Casa Branca começou a
impor tarifas a alguns produtos para frear o que considera concorrência desleal
da China no intercâmbio comercial. Japão, Índia, Austrália e EUA estudam
apresentar um plano internacional alternativo ao da Rota da Seda.
Claro que nem
sequer o todo-poderoso Xi pode considerar tudo como garantido, e a China da
nova era padece de fraquezas importantes. No momento, o apoio popular ao
presidente e sua gestão parece sólido. Mas mantê-lo, em uma sociedade de fortes
desigualdades sociais, pode ser uma tarefa complicada. As jovens classes
médias, nascidas e criadas depois da Revolução Cultural e de Mao, não
conheceram o sofrimento de seus progenitores e demandam um bem-estar econômico
que dão como certo, assim como padrões de vida semelhantes aos do Ocidente.
Isto inclui
a poluição, um dos grandes males da China. Depois de medidas como um plano
de urgência para o inverno, padrões de emissões para veículos e fechamento de
fábricas com elevados níveis de poluição, este ano a qualidade do ar em Pequim
melhorou notavelmente. Mas organizações como o Greenpeace enfatizam
que essa melhora se deu, em parte, ao custo de transferir a poluição para
regiões mais pobres e menos visíveis.
Garantir
padrões de vida cada vez melhores – a China se comprometeu a acabar até 2020
com a pobreza rural, que em 2015 afetava 55 milhões de pessoas – obriga
também a uma reforma econômica. Ao chegar ao poder, há cinco anos, Xi prometeu
deixar que o mercado seguisse seu ritmo. É uma aspiração que se mostrou
complicada. Em 2015, a revista Caixinindicava que, entre as 113
áreas suscetíveis de reforma, somente 23 avançavam a bom ritmo, os progressos
eram lentos em 84 e nada se conseguira em 16.
O que está por
fazer é o mais difícil: as empresas de propriedade estatal, gigantescas e
ineficientes, mas básicas no sistema socioeconômico chinês atual; o excesso de
crédito e de capacidade de produção; a completa liberalização do yuan. Reformas
necessárias, mas que vão requerer enorme habilidade para que não prejudiquem o
índice de desemprego ou a estabilidade social, a grande prioridade do Governo.
Em prol dessa
estabilidade social, a China de Xi Jinping pôs em prática ambiciosos programas
de controle e vigilância dos cidadãos, ajudada pela inteligência
artificial. O fluxo das informações e as redes sociais são ferreamente
supervisionados. Todas as empresas, incluindo as multinacionais estrangeiras,
precisam contar com uma unidade do Partido Comunista em sua estrutura. Os meios
de comunicação estatais – os principais – receberam instruções da boca do
próprio presidente: “Vocês devem se nomear Partido”.
A tendência é a
de redução da tolerância a qualquer manifestação cultural que não reforce o
papel dominante do Partido Comunista nem se ponha a serviço de seus objetivos.
E isso inclui o tratamento às minorias e a prática da religião, sobre a
qual recentemente foram impostos novos regulamentos. As pessoas incômodas –
sejam dissidentes políticos, advogados de direitos humanos ou ativistas de
causas sociais– são presas e, às vezes, condenadas a longas penas de prisão. No
ano passado, o Prêmio Nobel da Paz Liu Xiaobomorreu de câncer de fígado
enquanto cumpria uma pena de 11 anos.
Mas o tempo
corre, para Xi, para Pequim e para implementar as reformas. Um dos grandes
obstáculos que o país enfrenta é precisamente seu rápido envelhecimento.
A desastrosa política do filho único faz com que o dividendo
demográfico esteja se esgotando. Apesar do fim da proibição em 2015, a
natalidade não dá mostras de aumentar. Em 2020, 42 milhões de idosos não
poderão cuidar de si mesmos e 29 milhões superarão os 80 anos. Um grande
desafio para sistemas de previdência social e de saúde ainda muito frágeis.
Para 2050,
quando o país espera ter se tornado uma grande potência, contará com 400
milhões de aposentados. Por essa época, terá completado seus ambiciosos planos
de reforma militar e econômica; a prioridade será atender a esse grande
segmento de população envelhecida. O prazo de “oportunidade estratégica” terá
expirado.
A nova era de
Xi tem, portanto, pressa. Hoje pode mobilizar a população em busca do sonho
chinês; amanhã poderá ser tarde. Dentro de alguns anos, esta nova era pode ter
ficado velha demais.
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