Sessão do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), organismo que
divulgou a remuneração dos juízes (Foto: Gil
Ferreira/Agência CNJ)
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Levantamento do
CNJ revela que Judiciário forma uma casta privilegiada.
Entre a
generosidade do indulto natalino ou de ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF) – tornaram-se frequentes nas festas e redes sociais as piadas com Gilmar
Mendes –, o Judiciário brasileiro foi acometido às vésperas do recesso de fim
de ano por uma revelação mais importante.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou
enfim em seu site a remuneração de 25.744 juízes brasileiros, atendendo a uma
determinação da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, depois da escandalosa
revelação, em agosto, do contracheque de R$ 503 mil de um juiz matogrossense
(escrevi sobre o assunto aqui).
Ainda não é uma
base de dados perfeita. Nem todos os tribunais estaduais enviaram informações
(até dia 19, faltavam 6 dos 91) e, em certos casos, sobretudo na Justiça
trabalhista, houve imprecisão na prestação de contas.
Mesmo assim, os
dados permitem estimar em 65% a proporção de juízes cuja remuneração supera o
teto constitucional de R$ 33.763, equivalente ao salário de um ministro do STF.
Mais que isso,
eles confirmam que o Judiciário passou a usar os auxílios previstos em lei,
como verbas indenizatórias e outros direitos, para aumentar a remuneração dos
juízes, em contradição com o espírito da Constituição, que estabeleceu o teto
salarial.
Apenas os 26
tribunais estaduais de Justiça gastam algo como R$ 890 milhões com esse tipo de
expediente, incrementando o salário de 13.185 juízes, de acordo com um
levantamento do jornal O Estado de S.Paulo.
Em média, cerca
de 18% do que os 16 mil juízes estaduais recebem corresponde aos ganhos além do
salário, conhecidos como “penduricalhos”. Nos tribunais superiores, que reúnem
141 magistrados, essa proporção é de 8,3%.
O exemplo mais
eloquente é o auxílio-moradia. A verba, em média R$ 4,3 mil mensais, é paga
indiscriminadamente a 17 mil juízes e quase 13 mil procuradores, mesmo aqueles
que têm casa e moram na cidade onde trabalham.
Mantido por
liminares do ministro Luiz Fux, o pagamento já havia custado, até junho
passado, R$ 4,5 bilhões aos cofres públicos em dois anos e meio, segundo o
site Contas Abertas. O
gasto trimestral (R$ 450 millhões) corresponde a mais de um terço do que a
União investira em saúde até maio (R$ 1,2 bilhão).
Numa atitude
que revela desconexão da realidade econômica e desprezo pela situação
financeira do Estado brasileiro, as associações de magistrados têm lutado pela
permanência desse tipo de regalia e combatido a divulgação da remuneração dos
juízes como parte de uma “campanha orquestrada”.
Ninguém pode
negar aos juízes brasileiros ganhos compatíveis com a função que exercem. Mas é
preciso ter senso de proporção. Um levantamento do economista Nelson Marconi,
da FGV, revelou no ano passado a distorção salarial no Judiciário Brasileiro.
De acordo com o
estudo, um desembargador recebia R$ 56 mil (líquidos) em Minas Gerais, R$ 52
mil em São Paulo e R$ 38 mil no Rio de Janeiro. No Reino Unido, um juiz nessa
posição ganhava R$ 29 mil. Nos Estados Unidos, R$ 43 mil. Os valores superavam
ainda os ganhos de ministros da Suprema Corte em países como Bélgica ou
Portugal – sem levar em conta o custo de vida, bem maior nos países ricos.
A tese de doutorado da pesquisadora
Luciana Zaffalon Cardoso na Fundação Getúlio Vargas-SP verificou distorções
semelhantes no Ministério Público paulista. Em 2015, último ano para o qual
havia dados disponíveis, 1.860 dos 1.920 procuradores do estado receberam acima
do teto constitucional, 6% mais que o dobro.
Não é nenhum
exagero qualificar os juízes e procuradores brasileiros como representantes de
uma elite detentora de privilégios. Há 32 tipos de benesses usadas para
aumentar os contracheques de juízes e procuradores, de acordo com uma
reportagem de 2015 da revista
Época. Todas elas, como fazem questão de afirmar os representantes das
asssociações de classe, são perfeitamente legais.
Questionado
sobre a absurda extensão do auxílio-moradia a quem mora na própria comarca, o
presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Roberto Veloso, afirmou
ao jornal O Estado de S.Paulo que “não há uma ilegalidade no
pagamento”. O repórter Luiz Vassallo insistiu:
– Eu me
referia a uma preocupação de caráter moral…
– Não
estamos com essa preocupação. Não estamos com essa pauta. Estamos pensando um
pouco mais à frente. Precisamos resolver essa questão remuneratória.
O verdadeiro
escândalo não está nos contracheques absurdos – 439 juízes ganharam mais de R$
100 mil, segundo o levantamento do CNJ. Está na desfaçatez com que a própria
casta privilegiada faz pouco da questão.
Por Helio Gurovitz
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