© Foto:
Agência Brasil
|
Apesar de sua contundência, a
denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nesta
terça-feira, 27, possui lacunas e deficiências, avaliam juristas que, a pedido
do Estado, analisaram a peça. No centro do debate estão as supostas
provas e os indícios de autoria do crime de corrupção passiva que teria sido
cometido pelo presidente Michel Temer.
Segundo dois analistas consultados
pelo Estado, a decisão da condenação ou não dependerá da
apresentação de elementos que comprovem que Temer era o destinatário final da
mala com dinheiro entregue a seu ex-assessor e ex-deputado Rodrigo Rocha Loures
(PMDB-PR).
De acordo com ex-ministro do
Supremo Tribunal Federal (SFT) Carlos Velloso, a única prova apresentada até
agora, o áudio da conversa entre Temer e o dono da JBS, Joesley Batista, não
atesta que o dinheiro chegou ao presidente.
Professor de Direito
Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano considera a gravação nula, já que foi
provocada, ou seja, armada. “Para mim, esse tipo de prova é nula, não tem
valor. É quase que um teste de probidade”, afirma.
Aliado do presidente Michel Temer,
Loures, que está preso em Curitiba, foi flagrado na noite de 28 de abril em um
estacionamento de um restaurante em São Paulo carregando uma mala preta com R$
500 mil em espécie. Loures foi filmado pela Polícia Federal.
Joesley Batista, um dos donos da
JBS, gravou o presidente Temer na noite de 7 de março, no Palácio do Jaburu. O
áudio da conversa tem duração de cerca de 40 minutos e foi revelado pela PF. Em
vários trechos, o nome de Loures é citado.
Outra visão. Já Rafael
Mafei, professor da Faculdade de Direito da USP, afirma que a materialidade e
autoria do crime estão comprovados na denúncia de Rodrigo Janot. “Ou Loures
receberia tal mala por si próprio? Não se trata de uma ilação. Desde o
mensalão, abriu-se um precedente na interpretação de atos de corrupção mediante
a avaliação da conduta das pessoas que formam um mesmo grupo ou que têm algum
tipo de vínculo.”
É a primeira vez na história da
República brasileira que um presidente é acusado formalmente de crime durante o
exercício do mandato. Em 1992, Fernando Collor de Mello foi denunciado quando
já estava afastado do cargo.
ACUSAÇÃO EM DISCUSSÃO
A pedido do ‘Estado’, três
juristas analisam a denúncia apresentada por Rodrigo Janot
A denúncia apresentada pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, comprova que o presidente Michel
Temer cometeu crime de corrupção passiva? Há prova de materialidade e indícios
de autoria?
Carlos Velloso, Ex-ministro
do Supremo Tribunal Federal: Janot afirma que o presidente recebeu
dinheiro, mas ou o dinheiro não chegou a ele ou não se tem provas disso. A
denúncia se baseia mesmo em uma ilação. Não há um conjunto forte de provas. Ao
meu ver, trata-se de uma denúncia inepta.
Pedro Serrano, Professor de
Direito Constitucional da PUC: Falta solidez à denúncia. Não se
comprova que a mala entregue a Rocha Loures chegou a Temer nem que o dinheiro
foi entregue a pedido do presidente. Há suposições, não provas. Desta forma,
não há nem materialidade nem indícios de autoria.
Rafael Mafei, Professor de
Direito da USP: A materialidade é a mala de dinheiro. Temer deixou
claro na gravação que Loures era seu homem de confiança, o que indica a
autoria. Ou Loures receberia tal mala por si próprio? Não se trata de uma
ilação. Desde o mensalão, abriu-se um precedente na interpretação de atos de
corrupção mediante a avaliação da conduta das pessoas que formam um mesmo grupo
ou que têm algum tipo de vínculo.
A apresentação da denúncia foi
precipitada ou Janot deveria ter pedido prorrogação do prazo para investigar
mais?
Carlos Velloso, Ex-ministro
do Supremo Tribunal Federal: Está claro que foi precipitada. Falta
investigação neste caso. Basear uma denúncia apenas em uma delação? O que disse
Loures? Que o dinheiro era para o presidente? A peça deveria comprovar esse
tese para pedir sua condenação. Sem isso, a denúncia fica descabida. Em prol de
uma melhor investigação, acho que valeria até soltar o Rocha Loures para
ampliar o prazo.
Pedro Serrano, Professor de
Direito Constitucional da PUC: Respeito muito o trabalho do
Ministério Público Federal, mas acho que, neste caso, seria mais adequado ter
investigado mais. Janot poderia ter pedido mais prazo para isso. Não que
concorde com a tese da ilação. Não, porque a denúncia não partiu do nada.
Existe a gravação, apesar de não ser lícita e de seu conteúdo não provar nada.
Rafael Mafei, Professor de
Direito da USP: Difícil para qualquer pessoa que esteja fora da
investigação responder se a denúncia foi precipitada ou não. A simetria de
informação entre quem está fora e quem está dentro é muito grande. O procurador
sabe o que tem em mãos.
Janot acertou em fatiar a
denúncia?
Carlos Velloso, Ex-ministro
do Supremo Tribunal Federal: Não. O fatiamento prejudica a própria
denúncia e é totalmente político. Só serve para tumultuar o tribunal, o poder
legislativo e o próprio governo. Toda essa questão deveria ser examinada de uma
só vez. Não se amontoa o Supremo dessa forma. O fatiamento é despropositado,
atrapalha até a investigação e a relação entre os fatos.
Pedro Serrano, Professor de
Direito Constitucional da PUC: Não considero adequado a opção de
fatiar a denúncia. Para mim, essa decisão tem explicação apenas política. Já é
uma liberalidade do Brasil permitir que um presidente seja investigado e alvo
de uma denúncia no exercício do mandato. Em países da Europa e nos Estados
Unidos isso só acontece após a saída do cargo.
Rafael Mafei, Professor de
Direito da USP: O procurador não é obrigado a esperar a conclusão
de todas as investigações para oferecer denúncia. Aliás, essa escolha de
denunciar por crime tem sido recorrente na Lava Jato. Há uma série de pessoas
implicadas que têm sido denunciadas de forma separada. É o caso do Lula e do
Aécio. O que Janot fez, portanto, não diverge em nada da prática que tem sido
adotada.
Com base nos elementos
apresentados, Temer deve ser condenado ou absolvido?
Carlos Velloso, Ex-ministro
do Supremo Tribunal Federal: É muito cedo para se falar em
condenação ou absolvição. Nem sabemos ainda se a Câmara vai autorizar (uma
eventual instauração de ação penal contra Temer no Supremo Tribunal Federal).
Mas, diante do que já disse, da falta de uma conjunto robusto de provas, a
denúncia fica comprometida.
Pedro Serrano, Professor de
Direito Constitucional da PUC: Não há provas para se condenar o
presidente. Não há indícios de materialidade nem de autoria. Acredito, aliás,
que o caso nem deva chegar ao STF. Se depender dos aspectos jurídicos do caso,
o Parlamento deveria rejeitar.
Rafael Mafei, Professor de
Direito da USP: É muito difícil falar em condenação agora, apesar
de achar que é possível. No decorrer do processo (caso autorizado pelos
deputados), o presidente pode tentar provar que Rocha Loures agiu por conta
própria.
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentario.
Fique sempre ligado do que acontece em nossa cidade!