© Reprodução Lula
em vários momentos da audiência
em Curitiba nesta quarta-feira.
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O depoimento do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva na qualidade de réu ao juiz Sérgio Moro durou cinco horas,
num encontro cordial temperado com troca de farpas que foi usado pelo petista
para demonstrar força política nas ruas de Curitiba e para consolidar sua
defesa. Nos vídeos feitos públicos momentos depois do encontro, Lula acusou a
força-tarefa do Ministério Público Federal na Lava Jato, com sede no Paraná, de
querer "criminalizar a sua presidência", ainda por cima "sem
provas", no processo que sustenta que ele aceitou da OAS uma reforma num
triplex de luxo no Guarujá em troca de vantagens na Petrobras. Questionado, o
ex-presidente citou algumas vezes sua mulher Marisa, morta em fevereiro, como a
interessada no imóvel. Negou ter discutido as melhorias e desmentiu uma nota de
seu próprio instituto, de janeiro de 2016, que mencionou que as reformas seriam
incluídas no preço final da unidade, se a família Lula decidisse adquiri-la.
Sérgio Moro seguiu o roteiro da
denúncia dos procuradores da Lava Jato, que acusam Lula de ser o
"cabeça" do esquema de desvios da Petrobras. O magistrado questionou
o ex-presidente sobre nomeações na estatal, como a do ex-diretor Renato Duque,
que, preso e condenado, acusou o petista na semana passada de estar a par da
corrupção. O ex-presidente negou frontalmente as acusações, mas admitiu ter
chancelado a indicação de Duque e o procurado para discutir os "boatos"
de que o então diretor da Petrobras mantinha conta no exterior. Segundo ele,
Duque "mentiu para ele mesmo" ao negar tudo.
Com o depoimento desta quarta,
Lula, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, dá um passo a mais em
direção ao que deve ser sua primeira sentença na Justiça - além do caso do
triplex e de um outro, nas mãos de Moro, ele responde a outras três ações
penais. Outros inquéritos da força-tarefa da Lava Jato, ainda em etapa de
investigação, podem ir parar nas mãos do magistrado de Curitiba.
Agora, todos os olhos se voltam
para a caneta de Moro, que a defesa de Lula ainda tenta destituir do caso. O
magistrado deve estabelecer uma data para que tanto a defesa como a acusação
façam suas considerações finais no processo para, daí, publicar seu veredito.
Levando em conta a celeridade de Moro na Lava Jato, isso deve ocorrer em um
prazo que varia entre semanas ou poucos meses. O cronograma é considerado
central porque, caso condenado pelo magistrado, Lula entrará numa corrida
contra o relógio para evitar uma condenação em segunda instância que o tiraria
da corrida pelo Planalto em 2018.
"O que eu quero é que se pare
com ilações e me digam o crime que cometi. O crime não é conversar com alguém
ou visitar um triplex. [Cadê] escritura assinada [por mim]?", questionou
Lula, que em outro momento criticou o polêmico powerpoint exibido pelo
procurador Deltan Dallagnol que colocava Lula no centro da trama corrupta:
"Estou sendo julgado pelo que fiz no Governo, com base na construção de um
powerpoint mentiroso, feito por um cidadão que, desconhecendo a política, quer
rotular o PT como organização criminosa onde o Lula é o chefe", disse. Sua
defesa questionou ainda perguntas feitas sobre o Mensalão, o escândalo de
distribuição de caixa 2 a aliados no qual o PT foi condenado em 2010.
Segundo a lei brasileira, a
acusação não pode se basear apenas nos depoimentos de delatores, vários deles
citados por Moro e pela acusação, segundo os quais o triplex estaria
"reservado" a Lula. Por outro lado, a prática de crimes como
ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro muitas vezes não é acompanhada
por recibos e assinaturas. "Lula teria recebido a vantagem após deixar a
Presidência, mas os atos ilegais a ele imputados na denúncia remontariam às
primeiras nomeações de diretores da Petrobras, em 2003. Não é um nexo simples
de se provar", diz o professor de direito da USP, Rafael Mafei Rabelo
Queiroz. Se Lula usasse seu prestígio para ser lobista da OAS, argumenta
Queiroz, "não seria laudatório", mas tampouco um crime. No entanto, o
professor chama atenção para o histórico do magistrado: "Em sentenças anteriores
na Lava Jato, Moro não teve dificuldades em reconhecer nexos igualmente tênues.
Ficarei muito surpreso se ele decidir de modo distinto para Lula, ao menos por
este motivo", disse ao EL PAÍS.
Roupa suja e futuro
Na maior parte do tempo, Lula, com
sua gravata de sorte verde e amarela, parecia à vontade, ante um Moro mais
engessado. O petista desfiou respostas de impacto, como cobrar a presença do
procurador Dallagnol, defender seu Governo ou criticar Moro pela divulgação de
áudios envolvendo ele e sua família, no ano passado. Tudo a calhar para a
guerra posterior, sobre vencedores e derrotados do depoimento transformado em
embate político tanto por Lula como por Moro, que diz que o apoio da opinião
pública é central para a Lava Jato. "Eu gostaria de dizer que eu estou
sendo vítima da maior caçada jurídica que um presidente e um político
brasileiro já teve", disse Lula, que também criticou duramente a grande
imprensa.
O petista só pareceu menos
confortável quando teve que desmentir uma nota divulgada pelo Instituto
Lula em janeiro de 2016. A mensagem, escrita em formato de pergunta e
resposta, dizia: “Por que a família desistiu de comprar o apartamento? Porque,
mesmo tendo sido realizadas reformas e modificações no imóvel (que naturalmente
seriam incorporadas ao valor final da compra), as notícias infundadas, boatos e
ilações romperam a privacidade necessária ao uso familiar do apartamento”.
Questionado pelo procurador Roberson
Pozzobon, Lula disse que não foi consultado para a elaboração da nota. “Eu não
sou dirigente do instituto. A nota é feita com a direção do instituto em
combinação com os advogados que conhecem o projeto e o processo todo. Nem
sempre, quando a nota é feita, eu estou no instituto”, disse o ex-presidente,
que negou também, ao contrário do que diz a nota, que soubesse da realização de
reformas no apartamento. Segundo ele, a desistência da compra ocorreu porque
ele percebeu que não poderia usufruir tranquilamente da praia do Guarujá
enquanto figura pública.
A audiência terminou evidenciando
como protagonista ausente a ex-primeira-dama Marisa Letícia, que morreu
após um derrame em fevereiro e também era ré na ação. Lula disse que sua
então mulher era a interessada no imóvel, talvez para "investir".
Afirmou que ela visitou o apartamento ao menos uma vez sem que ele soubesse:
"Não sei se o senhor tem mulher, mas nem sempre ela pergunta para a gente
o que vai fazer". As citações à ex-primeira-dama não devem parar por aí,
já que delatores da Odebrecht, em casos ainda iniciais, também atribuem a
Marisa papel importante em decisões em relação ao sítio de Atibaia, que a
acusação considera uma propriedade "camuflada" de Lula. Como a ação
contra Marisa está extinta, a discussão sobre implicação legal das menções deve
ganhar peso.
Após o depoimento, o petista
terminou sua jornada com um rápido discurso a apoiadores no centro da capital
paranaense no qual voltou a flertar com a candidatura de 2018: "Se um dia
eu tiver cometido um erro, não quero ser julgado só pela Justiça. Quero ser
julgado antes pelo povo brasileiro".
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