Google faz
mapeamento de favelas no Rio
(Foto: Google/Divulgação)
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Empresa já identificou ruas,
vielas e 3 mil negócios de 25 favelas cariocas. Insegurança faz projeto Tá No
Mapa ser adiado três vezes na Providência.
Uma área em branco, cortada apenas
por um traçado que indicava a Estrada da Gávea. Assim era apresentado mapa da
Rocinha para quem “desse um Google” em 2014, quatro anos após o IBGE ter
calculado que ali vivia uma população de cerca de 70 mil pessoas – número
considerado subdimensionado já na época e estimado atualmente em 300 mil
moradores.
Hoje, não apenas a Rocinha – a
maior favela do país, considerada bairro da Zona Sul do Rio desde 1993 –, mas
outras 24 comunidades da cidade já foram “catalogadas” pelo Tá No Mapa. O
projeto, uma parceria entre a gigante de tecnologia e a ONG carioca Afroreggae,
tem como meta crescer 20% até o fim do ano, impulsionado pelos Jogos Rio 2016.
“Existe um muro que divide o
asfalto e o morro e esse muro também é percebido nos nossos produtos”, admitiu
o gerente de projeto do Tá No Mapa no Google, Luiz Guilherme Brandão. “Nossa
meta são 30 favelas até o final do ano. A gente acabou dando um gás para a
Olimpíada, porque queremos garantir todo mundo no mapa para receber os
turistas”, completou.
Em 2014, a empresa e o Afroreggae
– que já vinha desenvolvendo um projeto de mapear favelas desde 2013 – se
uniram e começaram a treinar moradores das comunidades em cartografia digital,
para que eles percorressem os locais em que viviam e colocassem literalmente no
mapa tudo aquilo que existia nas favelas, mas até então parecia invisível na
internet: ruas, vielas, praças, bancos, correios, igreja, templos, e empresas.
“Além das pessoas, das histórias,
da cultura, da dança, tem vários negócios. Em dois anos, já encontramos mais de
três mil pequenas e médias empresas”, conta o gerente.
No total, já foram treinados 120
mapeadores, que são remunerados pelo serviço com um salário mínimo e dedicam
cerca de 10 semanas de suas vidas ao projeto. Todos são moradores das favelas
e, por conta do domínio das facções criminosas, a cada nova comunidade a ser
mapeada, um novo grupo local deve ser formado e treinado.
O processo de mapeamento acontece
usando um telefone celular e o aplicativo Google Maps, que tem uma ferramenta de
edição que funciona online e offline. Todo esse processo de atualização passa
por um comitê de aprovação e revisão e entre 24 e 48 horas depois, as anotações
são incluídas no mapa.
"Vejo esse projeto como um
ativo importante, porque ele significa inclusão digital das pessoas dessas
comunidades. São inúmeras pessoas que, simplesmentre, não apareciam. O mapa era
uma mancha branca. É um sentimento de não ser reconhecido. Desta forma, todos
são reconhecidos como moradores da cidade", disse Ronan Ramos, coordenador
do Tá No Mapa no Afroreggae.
Ele acrescenta a importância da
questão econômica, da geração de recursos a partir dos pequenos negócios que
funcionam nas favelas: "Antes, eles antendiam apenas quem morava ali,
agora, esse universo foi ampliado".
Prefeitura
tem outro sistema
Uma característicado projeto é
fazer os mapas usando o conhecimento dos próprios moradores. “A vantagem de
você ter mapeadores locais é que os nomes que são dados às ruas são os nomes
que as pessoas das comunidades dão às ruas e não a numeração que a prefeitura
propõe”, explicou Brandão, acrescentando que a catalogação de logradouros da
prefeitura usa um outro sistema que, em algum casos, nem chega nas comunidades.
“Ele [o sistema da prefeitura] chega onde o carro tem acesso. Eles [os
mapeadores] andam dentro de becos, das vielas”.
O executivo do Google afirma que ainda falta
uma legitimação do mapeamento pela prefeitura, mas ressaltou algumas parcerias
da empresa com o governo municipal. “Alguns serviços que a prefeitura presta já
usam como base os nossos mapas. Por exemplo, o Centro de Operações usa o Waze
[aplicativo de mapeamento de condições de tráfego] como plataforma de
integração e as rotas das ambulância do Samu também são feitas em cima do
serviço”, contou.
Segundo Brandão, tanto a
prefeitura quanto o Tá No Mapa também usam os mapas das associações de
moradores como base. Ele explica que na Rocinha, por exemplo, os moradores têm
uma espécie de sistema de correio interno que atende a cerca de 80% da
comunidade.
De acordo com a prefeitura do Rio,
o mapeamento de ruas da cidade é feio por meio do Cadastro Único de Logradouros
(CadLog), construído a partir do Cadastro de Logradouro da Secretaria Municipal
de Fazenda, do Cadastro da Secretaria Municipal de Urbanismo, dos trabalhos de
campo desenvolvidos ao longo dos períodos 2006/2008 e 2010/2012 e pelas
observações feitas a partir das ortofotos (fotos aéreas de alta resolução).
A partir de 2010, o Instituto
Pereira Passos (IPP) passou a incluir logradouros das favelas na base CadLog.
As inclusões foram feitas por meio da observação das fotos de alta resolução.
Sobre o "batismo" das
ruas, a prefeitura disse que, a partir de 2012, em parceria com a ONU-Habitat,
que atua em áreas ocupadas por Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), foram
verificados, em campo, possíveis incorreções de traçado e também levados em
consideração os nomes dados pelos moradores.
Segundo o município, o Rio tem
1.023 favelas e, deste total, 780 já têm logradouros incluídos na base, sendo
191 em áreas abrangidas pelo Rio+Social (ocupadas por Unidades de Polícia
Pacificadora).
Áreas de conflito são barreira
De acordo com o responsável pelo
projeto no Google, o mapeamento só é possível em favelas onde o Afroreggae
entra. Por isso, segundo Brandão, até hoje o trabalho não foi realizado nos
conjuntos de favelas do Alemão e da Maré, ambos na Zona Norte da cidade. “Eles
não entram por uma questão de conflito e a gente não consegue”, disse.
Já nas comunidades que contam com
Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o acesso tende a ser mais fácil,
apesar da crise de segurança enfrentada até mesmo por comunidades nas quais
elas estão instaladas. “Hoje, além das associações de moradores, as próprias
UPPs são um ponto de apoio para a operação de mapeamento”, afirmou o gerente do
Tá No Mapa.
O crime organizado é considerado
uma preocupação e um empecilho. “O que a gente faz, antes de desenhar o plano
das comunidades, é uma medição de temperatura para saber se elas estão num
momento onde fazer esse serviço é positivo. Até hoje a gente não conseguiu
mapear a Providência [na Zona Portuária do Rio]. Já tentamos entrar por três
vezes, a associação de moradores dá um OK no início, mas, de repente, alguma
coisa muda e, no meio do caminho, a gente tem que sair”, lamentou Brandão.
Segundo ele, aí entra a
importância da parceria com o Afroreggae. “É uma preocupação constante. Eles
dizem se é seguro ou não colocar os mapeadores na comunidade e se ela está
pronta para receber o projeto”, avalia. Ele lembra que a documentação do
projeto, como filmagens e fotos, também é complexa: “Tirar fotos dentro de um
comunidade é muito complicado. Levar uma equipe de gravação é complicado.
Então, tudo isso tem que ser alinhado, [tem que ter] uma equipe de logística
para pedir as liberações que são necessárias”.
"A Providência é um caso
emblemático. A comunidade tem que estar engajada, tem que querer nos receber.
Se o momento não é adequado, não vamos. E no caso da Providência, não era o
momento. Temos que respeitar. E tem também o problema da segurança, os
mapeadores só trabalham se estiverem seguros", disse Ramos, coordenador do
Tá no Mapa no Afroreggae.
Ramos, no entanto, não percebeu
uma piora na sensação de insegurança nas favelas. Segundo ele, o assunto segurança
está mais "sensível" em toda a cidade. "Não é apenas uma questão
nas comunidades. Não notamos um aumento de dias parados [por conta de
confrontos, por exemplo] nos lugares", frisou.
Critério para o mapeamento
O Tá No Mapa priorizou em sua
primeira fase as comunidades com o maior número de moradores, como a Rocinha e
o Vidigal, ambas na Zona Sul. Em seguida, o foco foram outras favelas da Zona
Sul, Barra e Deodoro, locais que vão sediar competições olímpicas. Os
mapeamentos duram três meses e, atualmente, o Google e o Afroreggae estão
trabalhando na favela de Rio das Pedras, na Zona Oeste, comunidade próxima ao
Parque Olímpico.
A expectativa é que o mapeamento
dessa comunidade faça o número de negócios locais identificados saltar de 3 mil
para 4 mil. “A cada três meses, eu renovo as comunidades que estamos mapeando.
Neste ciclo são 10 no total e a maioria fica na Barra e em Deodoro, onde vão
acontecer competições olímpicas”, explicou o gerente do Tá no Mapa.
Um exemplo de negócio identificado
pelo Tá No Mapa é o Bar do David, na comunidade do Chapéu Mangueira, no Leme,
na Zona Sul do Rio. David é uma celebridade das biroscas cariocas, como são
conhecidos os comércios das favelas. Ex-pescador e mestre de bateria, há seis
anos está à frente do estabelecimento que leva seu nome e este ano foi campeão
do concurso Comida di Buteco com o petisco batizado de Ressurgência: uma salada
de frutos do mar com feijão fradinho.
O representantes do projeto não
revelaram quais são as próximas comunidades a serem visitadas até o fim do ano.
Já foram mapeadas as seguintes favelas: Parada de Lucas, como projeto-piloto
(Zona Norte); na 2ª fase foi a vez do Conjunto de favelas do Caju (Zona
Portuária), Vidigal, Rocinha (Zona Sul) e Vigário Geral (Zona Norte); na 3ª
fase foram incluidas Chapéu Mangueira, Babilônia e Cantagalo (Zona Sul); na 4ª,
Pavão-Pavãozinho, Tabajaras, Cabritos e Santa Marta (Zona Sul); na 5ª, São
Carlos, Mineira, Coroa e Zinco (Centro).
No momento, ainda estão sendo
mapeadas as favelas do Batan, Fumacê, Conjunto Promorar 1, Promorar 2 e Muquiço
(Zona Norte); Conjunto César Maia, Gardênia, Rio das Pedras e Terreirão (Zona
Oeste).
Levar o projeto para fora do Rio
está nos projetos do Google: “Nosso foco é a cidade do Rio. Mas esperamos
finalizar a cidade este ano e depois passar para o Grande Rio e outros
estados”.
Do G1 Rio
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