À medida que
Renan Calheiros ascendia no cenário político,
tornando-se líder do PMDB, Milton Lyra subia a
reboque
(Andressa
Anholete/AFP)
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Em documento obtido por VEJA,
ex-diretor da Hypermarcas narra como funcionava o esquema de repasses de
dinheiro para lobista ligado a senadores peemedebistas – que é suspeito de ter
simulado até contratos de vendas de fraldas
O lobista Milton Lyra é conhecido
em Brasília por três apelidos: "Miltinho", "senador" e
"operador do Renan". Boa praça, negociador arguto, sempre vestindo
blazers bem cortados, amante de charutos e com bom trânsito entre os
parlamentares, o empresário ganhou projeção no meio político ao se aproximar do
presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), no fim de 2007. Naquela
época, o senador tinha acabado de cair da presidência do Senado após VEJA
revelar que um empreiteiro bancava as despesas da jornalista Mônica Veloso, mãe
de uma filha do parlamentar. Milton Lyra morava próximo a Renan, no Lago Sul,
região nobre da capital federal, e começou a visitar o senador à noite, ao
menos duas vezes por semana.
A amizade se estreitou de tal
forma que uma das primeiras aparições do senador num evento social, depois de
ser alvo de um escândalo, foi no casamento do cunhado do lobista, no mesmo
período em que Mônica Veloso lançou uma autobiografia. Daquele momento em diante,
os dois se tornaram companheiros e eram vistos jantando com frequência em
Brasília. À medida que Renan Calheiros voltava a ascender no cenário político,
tornando-se líder do PMDB no Senado em 2009 e presidente do Congresso em 2013,
"Miltinho" subia a reboque, ficando cada vez mais popular e influente
entre os parlamentares. Essa relação começou a ruir em meados de 2015, quando o
lobista foi citado por um delator na operação Lava Jato como o operador de
Renan no fundo de pensão Postalis. A partir daí, outras suspeitas de negócios
espúrios em torno da relação dos dois amigos começaram a pipocar na imprensa.
Mas, até então, nunca houve uma prova de que qualquer negócio ilícito que
ligasse um ao outro.
Uma delação sigilosa, obtida por
VEJA, revela pela primeira vez uma pista do caminho percorrido pela propina que
seria destinada a Renan -- e a outros parlamentares da alta cúpula do PMDB. O
mapa da mina é apresentado, de forma detalhada e com notas fiscais, num acordo
de colaboração assinado entre o Ministério Público Federal e o economista
Nelson José de Mello, ex-diretor da fabricante de produtos de saúde e bem-estar
Hypermarcas. O ex-executivo narra como foram repassados ao menos 26,35 milhões
de reais para alguns políticos ligados a Lyra por meio de contratos fictícios
assinados entre a companhia varejista e uma rede de empresas, sendo algumas
delas fantasmas, e escritórios de advocacia e de auditoria.
Além do presidente do Senado,
foram citados pelo delator: o líder do PMDB Eunício Oliveira (PMDB-CE) e os
senadores Renan Jucá (PMDB-RR) e Eduardo Braga (PMDB-AM). Nelson Mello também
menciona o presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o seu
operador Lúcio Funaro. Na manhã desta terça-feira, o jornal O Estado de
São Paulo revelou que a delação
do ex-executivo citava propinas de 30 milhões de reais para peemedebistas.
Os apelidos
de Milton Lyra: "Miltinho", "senador" e
"operador
do Renan"(Reprodução/VEJA)
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De acordo com novos documentos da
delação, o primeiro pagamento de propina feito pela Hypermarcas, no valor de 2
milhões de reais, ocorreu no fim de 2013, um ano depois de Nelson Mello
conhecer Milton Lyra na antessala do gabinete do então senador Gim Argello.
Naquela época, o lobista procurou o ex-executivo pedindo dinheiro para
"amigos que teriam despesas de atividades políticas". O delator diz
que "Milton era respeitado e tinha prestígio entre os senadores". Os
dois simularam um contrato de prestação de serviços no valor de 2 milhões de
reais.
O segundo pedido de dinheiro feito
por Milton Lyra ao ex-diretor da Hypermarcas ocorreu no final de 2014. Segundo
o delator seis empresas, entre elas a Credpag e os escritórios Calazans de
Freitas Advogados Associados e Arc e Associados Auditores Independentes,
receberam 12,35 milhões de reais. O delator diz que "entendeu que os
montantes pagos eram para o Milton Lyra repassar aos amigos" - entre eles,
Renan, Jucá, Eunício e Eduardo Braga. Os investigadores cruzaram as informações
apresentadas por Nelson Mello com dados do Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf), órgão de inteligência ligado ao Ministério da Fazenda, e
concluíram que houve a "efetiva movimentação bancária".
Ajuda para Eunício Oliveira - Ainda
no ano de 2014, em meio às eleições, o ex-diretor da Hypermarcas disse que
Milton Lyra o avisou que seria procurado por um "portador de Eunício
Oliveira" para ajudar financeiramente na campanha do peemedebista ao
governo do Ceará. Nelson Mello relata que se encontrou com um sobrinho de
Eunício Oliveira, chamado Ricardo, e que "pagou despesas de empresas que
prestavam serviços à campanha de Eunício Oliveira" por meio de
"contratos fictícios" no valor total de 5 milhões de reais. Duas
delas, a Confirma Comunicação e Estratégia e a Campos Centro de Estudos e
Pesquisa de Opinião, receberam 3,35 milhões de reais. O restante foi desembolsado
pela Hypermarcas a partir de uma nota fiscal emitida no valor de 1,65 milhões
de reais apresentada pela Confederal Prestadora de Serviços de Vigilância e
Transporte de Valores, de propriedade de Eunício.
Em abril de 2015, a Hypermarcas
fez novos repasses, no valor de 7 milhões de reais, a pedido de Milton Lyra. Em
contrapartida aos recursos transferidos, o ex-executivo da Hypermarcas contou
que "as portas se abriam" no Senado. O ex-diretor da Hypermarcas foi
afastado quando foi descoberto que ele desviou cerca de 30 milhões de reais. A
companhia contratou uma empresa de auditoria e o obrigou a vender as suas ações
da empresa para quitar a fraude. O ex-executivo decidiu delatar para evitar a
prisão.
Apesar de negar o envolvimento na
fraude, Milton Lyra reconheceu a interlocutores que tinha uma relação comercial
com a Hypermarcas. Disse que vendia fraldas da empresa em seu site. Após a
delação do ex-executivo, o lobista mudou de opinião. Segundo ele, "se a
coisa apertar", irá "esclarecer de uma vez todas as suspeitas
relacionadas a ele". A mensagem foi interpretada como uma ameaça de
delação.
Procurado, o presidente do Senado
Renan Calheiros reafirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que
"não recebeu vantagem de quem quer que seja e que a chance de encontrar
algum recurso em suas contas, sem justificativa e sem origem, é zero". O
líder do PMDB no Senado Eunício Oliveira disse que nunca teve "qualquer
contato com Milton Lyra ou com Nelson Mello" e que "não tem
conhecimento" de pagamentos para a sua campanha em 2014. Em nota divulgada
ao mercado nesta terça-feira, a Hypermarcas confirmou a delação de seu
ex-diretor e disse que o seu ex-executivo "autorizou, por iniciativa
própria, despesas sem as devidas comprovações das prestações de serviços".
"A Companhia ressalta que não é alvo de nenhum procedimento investigativo
e que não se beneficiou de quaisquer dos atos praticados pelo
ex-executivo". Procurado, o senador Romero Jucá afirmou que "não tem
nenhuma informação" sobre a delação e que nunca autorizou ninguém a tratar
em seu nome "qualquer assunto que possa envolver recursos públicos ou
privados assim como doação para campanhas do partido". Lúcio Bolonha
Funaro disse por meio de nota que as suas "atividades profissionais se dão
dentro da mais ampla legalidade" e que tão logo a sua defesa tenha acesso
ao inquérito com os depoimentos, "tomará as providências judiciais
cabíveis". O senador Eduardo Braga informou, por meio de sua assessoria de
imprensa, que não conhece e nem mantém qualquer tipo de relação com Milton Lyra
e que nunca recebeu valores da Hypermarcas. O presidente da Câmara afastado
Eduardo Cunha disse que não tem conhecimento da delação e que não recebeu
qualquer vantagem indevida. "Ninguém está autorizado a falar por mim e nem
tenho operador", disse. Procurado, Milton Lyra negou, por meio de sua
assessoria de imprensa, "as afirmações atribuídas a suposta delação do
executivo Nelson Mello" e desmentiu "que em qualquer circunstância
tenha se apresentado ou agido em nome de qualquer parlamentar nas falsas
situações descritas pela imprensa como possível confissão de Mello". O
ex-executivo Nelson Mello não retornou até a publicação desta reportagem.
Leia abaixo trechos do relato
de Nelson Mello:
"...que foi à casa da
Presidência do Senado, quando era presidente Renan Calheiros, em recepções; que
nessas ocasiões conheceu diversos Senadores, como Eunício Oliveira, Eduardo
Braga e Renan Calheiros; que, portanto, notou que Milton era respeitado e tinha
prestígio entre os Senadores; que, quando recebeu o pedido de Milton, viu que
fazia sentido pagar porque este tinha vários amigos; que Milton dizia que os
Senadores ajudavam as bases, tinham despesas de campanha; que Milton não pediu
doação formal à campanha de ninguém, até porque não havia campanha; que Milton
não especificou como seriam os pagamentos; que Milton depois indicou a empresa
com a qual a Hypermarcas celebrou o contrato fictício no valor de R$
2.000.000,00; que o depoente informou que teria que ser com emissão de nota
fiscal; que nessa primeira fase o contrato foi com a Credpag Consultoria e
Serviços Financeiros Ltda., empresa cujo nome estava na porta do escritório de
Milton Lyra; que o contrato foi simulado, não houve a prestação de serviços,
apesar da juntada de relatórios"
"...que entendeu que os
montantes pagos eram para o Milton Lyra repassar aos amigos, não sabendo o
depoente se este retinha parte dos valores, em troca da intermediação dos
contatos mencionados; que os amigos de Milton Lyra eram os Senadores..."
"...que em um determinado
momento de 2014 Milton Lyra informou que seria procurado por um portador de
Eunício Oliveira; que recebeu um sobrinho de Eunício Oliveira, então candidato
a governador, o qual pediu ajuda financeira na candidatura; que concordou com o
pedido pela posição do Senador; que o sobrinho de Eunício Oliveira era de nome
Ricardo; que pagou despesas de empresas que prestava serviços à campanha de
Eunício Oliveira; que ajudou mediante contratos fictícios; que a ideia de pagar
a uma empresa de Salvador foi sugestão de Ricardo; que o contrato foi no
montante de R$ 3.350.000,00; que tratou com a esposa de uma pessoa que cuidava
da campanha de marketing do governador, de Salvador, que são sócias de direito
de 2 empresas; que essas empresas não tinham capital social suficiente para o
pagamento; que ao final se providenciou uma nova nota fiscal para totalizar R$
5.0000.000,00, esta em nome da empresa Confederal..."
Veja.com
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